04 Novembro 2013
"Não dá para acreditar, eu e Franca [Rame] novamente censurados pelo Vaticano, como há 50 anos, quando os padres fechavam os teatros para não nos deixar ir aos salões paroquiais, ou como quando a Santa Sé denunciou ao Estado italiano para não que não fosse ao ar a peça Mistero Buffo. É incrível. Mas que alguém detenha esses prelados, que os faça ouvir as palavras do papa que vão em uma direção bem diferente".
A reportagem é de Anna Bandettini, publicada no jornal La Repubblica, 01-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Dario Fo está irritado e divertido, admirado e resignado: aos 87 anos completos, para o maior ator e autor italiano, prêmio Nobel de Literatura de 1997, ver fechar a porta de um teatro de propriedade do Vaticano na sua cara é demais. "É claro que a negação não é de um subalterno qualquer – diz –, nem pode ser de um cardeal enlouquecido que começa a gritar 'Chega desse Fo'. Claramente é uma decisão consciente".
Eis a entrevista.
Então de quem, na sua opinião?
De qual pessoa física, eu não sei. O nosso organizador, Fabrizio Di Giovanni, me disse que recebeu um e-mail da Murciano Iniziative, que organiza parte da atividade do Auditorium della Conciliazione, no qual, em janeiro, eu teria que recitar passagens do livro de Franca In fuga dal Senato. No e-mail, diz-se que o administrador da sociedade de gestão da sala, um tal de Valerio Toniolo, foi informado de que a Santa Sé não deu a autorização para dar continuidade ao nosso espetáculo.
Por que essa censura? Há páginas no livro de Franca contra a Igreja?
Não, o livro conta a experiência de Franca como senadora. Não há discursos ligados à Igreja, no máximo à política, ao contínuo adiamento de leis importantes para os cidadãos, à indiferença ao interesse comum, aos jogos de poder que são consumados nos lugares onde se deveria governar. Talvez essa censura seja um presente que alguém no Vaticano quis fazer aos políticos chateados por aquilo que Franca conta.
Quais políticos?
Certamente, a direita não sai bem do livro, mas também parte da esquerda, como a então ministra Livia Turco: ela liquidou Franca, que lhe pedia uma intervenção por um caso humano desesperado.
Segundo o senhor, portanto, é o entrelaçamento entre Santa Sé e política italiana?
Essa é a loucura, isso é o que me admira. Que na Igreja ainda se façam essas tramas, enquanto do outro lado há um papa que foge da política vaticana habitual, um papa que está transformando culturalmente a Igreja, que nos diz para não dar peso de ouro às palavras dos representantes de Deus na terra, ou que denuncia o dinheiro como esterco do diabo... Evidentemente, no Vaticano, com o papa que segue em frente pelo seu caminho, há alguns que estão perdendo a cabeça.
Alguns dizem que no Vaticano ainda não se digeriu a noite de Mistero Buffo de dois anos atrás, com as suas ironias sobre a Igreja oficial. Parece que eles disseram: no Auditorium, uma segunda vez, não.
Foi um tal triunfo que, na mesma hora, queriam que fizéssemos a réplica. Eles perceberam tarde demais, ao que parece. Por isso, desta vez, eles agiram preventivamente: impedir um espetáculo dois meses antes, isso nunca se tinha sido visto. É que eles se assustaram, vendo que choviam reservas de ingressos. Façam com que os camponeses não saibam e não conheçam, diziam os proprietários de terras sicilianos do século XIX...
O senhor não pensou em escrever ao papa?
Não, parecia-me especular. Se eu levantei o caso é por um problema civil, ligado à democracia, a respeito do direito de expressão que ainda é um ponto fraco pesado neste país. E, além disso, a meu ver, há o dedo de Franca: a censura nos deu uma grande publicidade. Em Roma, já me ofereceram outro teatro. Ele deve ter entrado à noite no sonho de algum bispo, e ele, aterrorizado, fez o gol contra.
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''O Vaticano nos fez uma grande publicidade com essa censura''. Entrevista com Dario Fo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU