08 Outubro 2013
Francisco se apresenta diante de Francisco com os olhos cheios de lágrimas. É um Bergoglio totalmente diferente do papa sorridente ao qual estamos acostumados que, às 10h25min do dia 4 de outubro, desce na cripta onde está sepultado o santo cujo nome ele escolheu. Está sério, concentrado, comovido.
A reportagem é de Aldo Cazzullo, publicada no jornal Corriere della Sera, 05-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Junto aos fotógrafos Elio Ciol e Gian Matteo Crocchioni, estou esperando por ele ao lado do túmulo do padroeiro da Itália. O papa tirou os óculos, os olhos lúcidos podem ser notados ainda mais. A veia na testa está mais inchada do que de costume, o solidéu branco um pouco torcido. O cerimoniário não o está acompanhando: Francisco quis o máximo de essencialidade para o momento culminante da sua visita a Assis, no dia do seu onomástico e da morte do santo.
Ele sobe os três degraus para depôr sobre a urna duas rosas amarelas e uma branca, as cores do Vaticano, e uma caixa de madeira com um cálice e uma patena, o pratinho para a hóstia: uma espécie de presente pessoal, de Francisco a Francisco. Ele se detém por um instante diante da nota autografa pelo santo encerrada no relicário, endereçado ao frei Leão: adivinha-se um "benedicat", depois uma palavra ilegível, depois um "custodiat", "pacem" e ainda "benedicat". Leão devia ser muito amado, não por acaso está sepultado aqui ao lado.
Agora, o papa desce os degraus, ajudando-se com a mão direita apoiada na perna, levanta um pouco a veste branca para não tropeçar, mostrando os grandes sapatos pretos ortopédicos, tão diferentes dos do seu antecessor. Ele se ajoelha, fecha os olhos, reza.
O guardião do convento, padre Mauro Gambetti, faz sinal aos fotógrafos para pararem de tirar fotos. Agora, só se ouve a Toccata de Frescobaldi, tocada no pequeno órgão da cripta por Fabio Framba, o organista da Basílica de Santo Antônio, em Pádua. O papa fica um minuto em silêncio. Depois se sacode, se levanta para receber os presentes, para dar instruções para a comitiva da visita e para conversar alguns minutos com os presentes.
Ele fala com cortesia, mas com o tom firme de quem está acostumado a comandar e tem dentro uma força profunda, uma convicção absoluta nas suas próprias razões. Um líder capaz de ternura, como disse desde o primeiro dia, e de comoção, como acaba de demonstrar. Mas um líder.
Ele diz que é preciso compreender a sua emoção: "Eu nunca estivera aqui, no túmulo de Francisco. É a primeira vez que eu venho a Assis". Ele agradece os freis pela forma como o acolheram: "Vocês me fizeram sentir como um de vocês". Pouco depois, ele subiria ao papamóvel e proferiria um diálogo extraordinário à distância com a multidão, dando aos fiéis a impressão de se dirigir a cada um deles: quando encontra um rosto que o chama a atenção, Bergoglio levanta as sobrancelhas, aponta o dedo para indicar o interlocutor, sorri como se o tivesse reconhecido, tem um gesto das mãos diferente a cada vez.
Mas, na cripta, ele está sério, atento para calibrar os gestos, para medir as palavras: "Ser doce não significa ser adocicado". São Francisco está aqui, diz, mas também em outros lugares: "Ele vive no rosto dos pobres", nos jovens com deficiência do Instituto Seráfico que ele recém-acariciou um por um, nos peregrinos, "nos pequenos" como o papa os chama, lembrando que, para o santo, o contrário de pauper não era dives, mas sim potens; os verdadeiros pobres são aqueles que não têm nenhum poder nem voz, como os mortos de Lampedusa.
O ministro geral dos conventuais, Marco Tasca, lhe indica que também estão presentes os líderes dos menores e dos capuchinhos: "Estamos todos aqui, juntos". "Muito bem, vocês têm que permanecer unidos", para além das velhas rivalidades, diz Bergoglio. Nesse ponto, se aproximam os coirmãos que não o saudaram na basílica superior: os três guardiões do túmulo. Frei Battista, frei Ignazio e frei Shaji estão na cripta desde as 5 horas da manhã. À noite, para que o papa pudesse se aproximar do túmulo nu do santo, eles tiraram todas os bilhetinhos, as fotografias, as cartas, exceto uma, dirigida a Silvana, com a indicação de "não remover até 31 de outubro de 2013".
Às 6h30min, celebraram a missa com os outros irmãos, que depois subiram para esperar Bergoglio, com o primeiro-ministro Letta e o legado pontifício Nicora. O papa passou na frente dos afrescos de Giotto, se deteve diante do sonho de Inocêncio III com Francisco que sustenta a igreja, pediu notícias da abóbada desmoronada pelo terramoto de 1998: ele se lembrava das imagens de TV vistas na Argentina. Depois, desceu para a cripta, para se encontrar com o santo.
Depois da oração, aproximou-se o decano do convento, Vladimiro Penev. Ele está aqui desde 1938, quando chegou de Plovdiv, noviço de 12 anos de idade. "O senhor realmente é búlgaro?", pergunta-lhe Bergoglio. O frei Vladimiro já falava italiano com Giovanna de Sabóia, terciária franciscana e enterrada aqui no cemitério do convento, que lhe respondia em búlgaro para demonstrar que tinha aprendido a língua do marido, o rei Boris.
O decano pintou para o papa uma cópia da cruz do Mestre dos crucifixos azuis, com a dedicatória e a data: "Assisi, die IV octubris AD MMXIII". Bergoglio o toma nas mãos, observa a cor incomum, símbolo de misticismo, toca a imagem de São Francisco aos pés da cruz, que chora sobre o sangue de Jesus. O frei Vladimiro também queria lhe contar sobre quando, durante a guerra, ele dava a comunhão ao coronel Müller, o alemão que poupou Assis e ia todas as manhãs à missa na basílica. Mas não há tempo, e, além disso, Bergoglio não dá a comunhão a ninguém, nem mesmo hoje; ele não quer que se torne uma passarela para os poderosos. Ele está feliz, no entanto, de receber a cópia da Regra, escrita pelo santo, e da carta de aceitação assinada por Honório III: sinal da aliança entre o franciscanismo e o papado, que oito séculos depois se solidificou como nunca antes.
O frei Battista de Tivoli também está aqui desde que tinha 12 anos de idade. Agora, tem 73. No dia 4 de outubro de 1962, ele acolheu João XXIII na véspera do Concílio e agora aperta a mão do papa que quer reviver o seu espírito. O frei Shaji, indiano de Kerala, é muito tímido. Bergoglio quase deve ir buscá-lo. O frei Ignazio de Oristano, ao invés, se joga em seus braços, "o senhor é uma bênção para a humanidade", o papa o acolhe e o beija na face.
Os peregrinos estão esperando na praça. Ele volta para a basílica para se juntar novamente a Maradiaga, O'Malley no hábito de capuchinho e os outros seis cardeais do seu conselho. Há também Bagnasco, Betori, Paglia, os bispos da Úmbria, incluindo o metropolita de Perugia, Gualtiero Bassetti, que tem um entendimento especial com o pontífice: é ele que, durante a missa, lembra a tragédia de Lampedusa. Francisco se levanta para abraçá-lo (com a presidente da Úmbria, ao invés, ele tem que exercer a virtude cristã da paciência: Katiuscia Marini se apossa do microfone e não o solta mais; no fim, ela falaria por mais tempo do que o papa).
A homilia também é dita em voz baixa, lenta, às vezes quase dolorosa, desde a citação de Mateus: "Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e aos doutos e as revelaste aos pequeninos". Não por acaso Bergoglio não se une ao grande almoço no refeitório para 410 convidados.
Antes de ir embora, no entanto, quer cumprimentar os guardas do convento e as cozinheiras: o que vocês preparam de bom? "Salada russa, ravioli, carne assada", respondem as senhoras chorando de comoção. "Muito bem. Agora eu vou comer com os pobres na Cáritas", diz Francisco ao cumprimentá-las.
O primeiro trecho ele percorre no papamóvel. Depois, para subir ao eremitério, ele sobe em um Panda azul, a multidão aplaude, ele cumprimenta feliz e finalmente sorri.
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Aqueles olhos de Francisco cheios de lágrimas na cripta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU