19 Julho 2013
No comando da Cáritas no Brasil, braço assistencial da Igreja Católica Apostólica Romana, o bispo dom Flávio Giovenale percebe mudanças no tratamento da cúria em relação ao trabalho social desde que o cardeal Jorge Mario Bergoglio foi escolhido como papa. Se sob o papado de Bento XVI a entidade enfrentou problemas ao ser manter-se de forma independente da igreja, com o papa Francisco a Cáritas ganhou destaque. A entidade foi reconhecida e teve seu presidente internacional nomeado para coordenar a equipe de cardeais que vai ajudar na reforma da cúpula da igreja.
A reportagem é de Cristiane Agostine e publicada pelo jornal Valor, 19-07-2013.
No Brasil, no entanto, Giovenale vê mudanças - negativas - em relação à gestão federal. Com Dilma Rousseff, diz, o governo afastou-se não só da igreja, diz, mas também de entidades sociais e diálogo tornou-se mais difícil do que era com Luiz Inácio Lula da Silva. "O governo parece autossuficiente", diz. "O PT está perdido", afirma. Italiano, Giovenale atua na região amazônica e é bispo da diocese de Santarém.
Eis a entrevista.
O papa chega ao Brasil em um momento de grandes manifestações, sobretudo de jovens. Em que medida o papa conseguirá atender aos anseios dessa juventude?
Estamos todos em grande expectativa, não só o Brasil, mas o mundo todo. É a primeira viagem internacional e o pronunciamento do papa será muito programático. Mostrará como vai trabalhar com a juventude e com temas importantes. Falará não só para os jovens, mas para o mundo todo. Ele deve falar da primazia do ser humano em relação aos valores das grandes ideologias econômicas. O papa já falou sobre a expectativa de melhores condições de vida, do nojo à corrupção.
O papa tem um perfil diferente de seus antecessores, com mais abertura às bandeiras da Teologia da Libertação. Pode abrir espaço para esse grupo da igreja?
Uma coisa é ver a Teologia da Libertação ou qualquer outro tema como um estudioso. Outra coisa é analisar os mesmos problemas do ponto de vista pastoral, de quem está em contato direto com o povo. Bento XVI saiu do mundo mais acadêmico; Bergoglio, da experiência pastoral. A mudança na forma do diálogo está acontecendo. Isso não quer dizer que está tudo certo, que não há críticas. Pode haver correções. Mas tem abertura e sensibilidade latino-americana, de diálogo com o social.
O senhor preside a Cáritas, braço assistencial da igreja. Percebe uma mudança do governo Lula para o Dilma em relação à igreja?
Não vejo só um distanciamento à igreja, mas com todas ONGs. Me parece que tem uma atitude de autossuficência do governo, de dizer 'não precisamos das entidades sociais'. Há um distanciamento de tudo aquilo que é sociedade civil organizada. O governo diz: 'o Estado sou eu'. Não! O Estado é muito mais amplo. Governo passa e o Estado fica. Público são todos os agentes que trabalham na melhoria da sociedade, então o papel das ONGs é fundamental. O marco regulatório [das ONGs] está sendo levado em banho maria. Com Dilma vejo que a dificuldade de diálogo aumentou muito.
Havia uma relação mais próxima com Lula?
Havia não só com a participação de ministros [católicos], mas também em relação aos projetos. Um exemplo é o projeto da ASA que junta no Nordeste entidades que trabalham com cisterna, em um sistema educativo. As ONGs trabalhavam na conscientização do povo. Com Dilma tentaram fechar isso e contratar empresas nacionais para vender cisternas de plástico. O povo fica alienado, não participa. É medo de que o povo desperte? Que abra os olhos? O que é? Aquilo que era o sonho do PT, de envolvimento do povo, voltou a uma visão capitalista de dizer que os grandes vão ser beneficiados e que os pequenos não devem tomar consciência da realidade.
O PT mudou em relação à igreja?
O PT está meio perdido. Está no governo e teve que fazer alianças espúrias. Antigos adversários, que eram considerados a encarnação do diabo agora estão junto com o PT, dando beijos e abraços. A militância que sonhava com uma forma diferente de fazer política está desanimada, desacreditada. A desculpa oficial é que é preciso manter o governo, a governança, mas em certo momento a militância percebe que o que eles dizem é que os fins justificam os meios. Isso é política tradicional. É trágico porque quebrou o sonho de uma forma de governar diferente. Um outro estilo de governo era possível e esse sonho terminou. Foi a tragédia maior que está acontecendo com o PT. E não se vê outros partidos que possam substitui-lo - e não há democracia sem partidos.
A igreja ajudou a construir o PT. Em meio a essa crise do sistema político, há movimentação da igreja a outro rumo?
Não vejo uma articulação porque o desânimo que veio depois do fracasso de governança ética do PT foi uma bordoada violenta. Muitas lideranças entraram no governo, não só em altos escalões, mas em níveis locais. Estão se perguntando: onde erramos? Não erraram. Errou quem traiu o modelo, não quem acredita. Mas o que me preocupa nessas manifestações de rua é o desprezo pelos partidos e sindicatos. Desse jeito quem grita mais alto leva e isso pode virar uma ditadura. A história tem que nos ensinar.
Como é a relação da Cáritas com o papa?
Com Bento XVI houve tensões, não propriamente com o papa, mas a cúria. Achavam que a Cáritas era muito independente. O papa recebeu todo comitê central, está apoiando nossa campanha internacional de combate à fome. O papa falou claramente que Cáritas é a ' carícia da igreja para os pobres', usando expressões que nem de longe de a gente sonhava meses antes. O presidente internacional da Cáritas foi colocado como coordenador da equipe de cardeais que vai auxiliar o papa na reforma da cúria. É gesto de apreço pessoal. Mostrou novidades.
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"O PT está perdido". Entrevista com dom Flávio Giovenale, presidente da Cáritas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU