Por: Jonas | 05 Julho 2013
Quando a política perde representatividade se torna insuficiente para resolver os problemas das pessoas. Então, é necessário redesenhar suas instituições, criar novas formas de participação e acertar uma agenda que recolha as demandas coletivas. “Uma mobilização sempre é uma forma de participação, de ampliação da democracia. Está ocorrendo no Brasil, agora, e aconteceu na Bolívia nos primeiros anos da década de 2000”, afirmou Alvaro García Linera, vice-presidente da Bolívia, que visitou a Argentina nestes dias e, no Centro Cultural de Cooperação Floreal Gorini, falou sobre os anos de Evo Morales no poder. “As pessoas assumem sua autorepresentação frente ao Estado quando os canais de mediação falham”, destacou.
A reportagem é publicada no jornal Página/12, 03-07-2013. A tradução é do Cepat.
A etapa inaugurada por Morales, em 2005, é um projeto revolucionário em constante reinvenção. Seu governo é filho da mobilização social que derrubou o ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada e boa parte da elite que por décadas marginalizou os setores populares da política. “Tinha se estabelecido um regime de mediação política sustentado por partidos liberais, que tinha criado uma elite que se reciclava e se alternava nos postos públicos. E o povo, a juventude, os camponeses, os operários eram concebidos apenas como votantes e consumidores”, explicou García Linera. Segundo sua visão, a força do governo boliviano está em sua composição heterogênea. “Na Bolívia não temos um governo de um partido, mas de uma flexível e elástica confederação negociada de movimentos e organizações sociais”, sustentou.
Para García Linera, a ação coletiva é uma amostra da vitalidade de qualquer processo revolucionário, razão pela qual deve ser vista como algo positivo. Neste contexto, deve se destacar o conflito entre o governo e parte da população indígena da Amazônia boliviana motivada pela construção de uma estrada que atravessa o Parque Nacional Tipnis. “A decisão tomada por nós foi a de articular o território. O Tipnis é parte da entrada do altiplano à Amazônia”, disse o vice-presidente, que acrescentou que a ideia é tornar coeso um país fragmentado, irmanar aos bolivianos do oriente e do ocidente e encurralar as velhas oligarquias agrupadas em torno da terra, que tornaram a região numa gigantesca fazenda privada, a partir de onde orquestraram um golpe de Estado em 2008. “A estrada atravessa um parque que foi fundado pelo general René Barrientos. Aquele que levou adiante a contra-insurgência, que lutou contra Che Guevara. Esse general, em 1966, declara esta área parque nacional, porque era uma área de conflito, disputada por dois departamentos (províncias)”, contou. García Linera reconheceu que mesmo que esteja demonstrado que o projeto foi aprovado pelos próprios moradores, o governo decidiu retroceder. Agora, o objetivo é explicar melhor, para os que vivem ali, a importância de ligar territorialmente o país, considerando a questão ambiental.
Em sintonia com a questão do Tipnis, o conflito com a Central Operária Boliviana (COB) faz parte também das contradições e paradoxos que García Linera atribui aos processos de transformação, como o que se desenvolve em seu país. A disputa com os mineiros da COB tem sua origem na lei de pensões promulgada em 2010. A nova legislação veio para acabar com o regime neoliberal que garantia a aposentadoria somente para aqueles que mantiveram uma relação salarial. Ou seja, a antiga lei deixava fora os camponeses e indígenas, a grande maioria da população. “Para as pessoas que ganham mais de 1000 dólares, obterão a aposentadoria de sua contribuição pessoal. As que ganham de 800 dólares para baixo, irão receber da contribuição individual, patronal, estatal e das pessoas que ganham muito”, ressaltou García Linera. A COB pediu ao presidente para modificar a lei mais uma vez: “Os que trabalham nas minas, pelos altos preços dos minérios, ganham mais. Há um grupo de companheiros mineiros que quer se aposentar. Aqueles que durante vinte anos ganharam 3.000, 4.000 bolivianos, e que nos últimos cinco anos passaram a receber 10.000, 15.000, 20.000, desejam se aposentar com 100% do salário do último mês. A ideia de reforma da lei foi estimulada pelos trabalhadores da mina estatal Huanuni, que no momento atual recebem o mínimo de 10.000 e o máximo de 50.000”, acrescentou. “Aceitamos qualquer mudança, sempre e quando não mexam nos benefícios daqueles que ganham pouco, que são a maioria. Podem vir a dinamitar o Palácio de Governo, mas vamos defender os direitos daqueles que recebem pouco”, enfatizou.
Em relação ao seu vizinho Brasil, apesar de ter mais dúvidas do que certezas, García Linera qualificou o que acontece como o surgimento de um movimento de classes médias emergentes. “Há mobilizações sociais, neste caso, encabeçadas pela juventude e uma classe média emergente, relacionadas com momentos de uma ascensão da economia. Parece que os momentos de maior mobilização social não são os momentos de maior penúria econômica. Isto leva a lutas redistributivas do excedente”. Para o vice-presidente, algo parecido acontece na Bolívia. “Na Bolívia bloqueiam uma estrada para pedir uma escola. Antes, impedia-se uma rota para pedir a restituição do gás”, exemplificou. Na sua interpretação, não se trata de reclamações pela ordem econômica ou de lutas que questionam a ordem econômica, mas de uma luta pela redistribuição do excedente produzido nessa ordem econômica concreta.