Por: André | 04 Julho 2013
Matheus Rando Pries, 19 anos, militante do Movimento Passe Livre, participou das mobilizações em São Paulo e da reunião com a presidente Dilma Rousseff, em Brasília, vestido do mesmo modo: sandálias e camiseta preta ilustrada com um jovem derrubando a catraca de um ônibus. Esse pontapé furioso é o ícone, ou um de tantos surgidos, desta revolta que explodiu sem aviso.
O Movimento Passe Livre (MPL) encabeçou as marchas paulistas há um mês, onde ganhou credibilidade no movimento popular ao conquistar o que parecia impossível: a redução do preço do transporte público.
Foi apenas o começo. Atrás dos protestos contra o aumento do ônibus, metrô e trens vieram as reivindicações por melhor saúde pública, educação, o repúdio à repressão policial, à corrupção e à gastança na organização da Copa do Mundo. A faísca do MPL virou incêndio. E embora Dilma não seja o principal alvo dos manifestantes que deixaram o país de pernas para o ar, a aprovação do seu governo caiu vertiginosamente de 57% para 30%, segundo uma pesquisa divulgada no dia 29 de junho. A sua reeleição já não é incontestável, sua intenção de voto baixou de 51% para 30%, segundo a mesma pesquisa.
A entrevista é de Darío Pignotti e publicada no jornal argentino Página/12, 30-06-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O desgaste do governo favorece a estratégia do MPL?
Nós não queremos derrubar ninguém, não estamos metidos numa disputa partidária ou pela conquista do governo. Nossa disputa é para que se apliquem outras políticas públicas. O que nós queremos é derrubar as injustiças... derrubar a exclusão.
Dilma é uma companheira ou uma inimiga?
Ehhh, enfim... depois da reunião que tivemos com ela na segunda-feira (dia 24 de junho, no Palácio do Planalto), dissemos que no atual momento em que nos encontramos da luta pelo transporte, todas as propostas dela foram iguais às dos empresários do transporte. Queremos continuar baixando as tarifas com mais investimentos no transporte, chegar a zero, e ela apenas reduz as tarifas reduzindo os impostos para os empresários, sem tocar nos seus lucros; isto não resolve nada.
Vocês veem diferenças entre Rousseff e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB, principal força da direita)?
Não são a mesma coisa. Se o PSDB (de Fernando Henrique Cardoso) estivesse na presidência a repressão seria muito mais descarada e a polícia viria abertamente para nos atacar, como fez no começo das marchas em São Paulo. O PT é diferente do PSDB. O PT é contraditório, por um lado é contra a repressão e, por outro, apostou no desgaste do nosso movimento. O PT é menos duro que o PSDB na defesa dos padrões.
Depois da reunião de vocês com a Dilma, o secretário-geral da presidência Gilberto Carvalho declarou que não existe democracia sem partidos. Concorda?
A minha opinião, não é a de todo o MPL, é que não há a necessidade dos partidos para que haja democracia. Necessita-se de partido para ter o poder de um Estado burguês, mas nós nos organizamos por fora da institucionalidade, os partidos obstruem a nossa luta querendo amarrá-la aos seus interesses.
Não há a necessidade de um programa totalizante para brigar pelo transporte gratuito, nós somos de esquerda, mas não partimos de uma postura totalizante para brigar pela tarifa; fazemos o embate, e depois vamos ao ideológico –, defende o rapaz da camiseta preta com o símbolo da catraca quebrada, que distingue os ativistas do MPL.
Talvez o Brasil não volte a ser o país que era depois de 15 dias de protagonismo popular. Torrencial. Há uma disputa aberta pelo sentido ideológico da revolta, no momento inclinada à esquerda, e o rumo político para onde marcham os milhões de indignados no Rio, Brasília, Salvador, Belo Horizonte e dezenas de cidades, depois que o minúsculo MPL irrompeu como um raio na Avenida Paulista, a principal de São Paulo, catalisando a raiva pelo transporte caro e ruim da maior cidade do país.
A origem da revolta teve uma inspiração progressista. Mas, com o passar dos dias apareceram grupos dizendo “Lula, vá para Cuba” e até quem reivindicou a volta dos militares.
Seguramente essas pessoas foram aparecendo nas marchas, vemos esses grupos com muito cuidado, para que não dominem as marchas, mas em nenhum momento o sentido amplo, social, de esquerda se perdeu. Creio que se mantém o controle político das mobilizações, mas nós não somos a direção de tudo isto.
O MPL se define como uma organização que faz uso da violência política?
A violência existe a partir do Estado que nos impõe este transporte, esta educação, e nós nos recusamos a aceitar essas imposições que parecem algo natural. Nosso lema é “se a tarifa não baixar, a cidade vai parar”. Nós utilizamos uma violência política para impedir o funcionamento da cidade, não somos a favor de agredir ninguém, nem atacar prédios públicos. É uma violência que está no símbolo da catraca quebrada, violência contra uma cidade onde as pessoas circulam como mercadoria. O discurso da paz esconde as contradições da sociedade, nós somos contrários a este discurso pacifista da imprensa hegemônica. A realidade é que não existe paz, o Estado manda a polícia para matar na periferia, os hospitais matam as pessoas com um serviço ruim.
Os jovens do MPL, em geral, não passam dos 25 anos, são um sucesso midiático no Brasil e na imprensa internacional, onde ainda prevalece a matriz de opinião anglo-saxão que equipara o fenômeno brasileiro à “primavera árabe” sem reparar em outras analogias existentes na América Latina.
O caso brasileiro é suficientemente eclético, mas não seria mais apropriado compará-lo com o processo encabeçado pelos jovens “pinguins” do Chile do que com o mundo árabe?
É verdade, há comparações erradas. Eu não discuti isto com meus companheiros, mas creio que talvez seja mais preciso ser comparados com os estudantes chilenos do que com os jovens árabes, porque nós, assim como os chilenos, lutamos por uma agenda pontual: eles pela educação gratuita e pública, nós pelo transporte. Nós não vamos às ruas como os árabes que se manifestavam contra as ditaduras, contra o sistema. Nós usamos um método parecido ao dos chilenos, enfrentar todo o Estado em um ponto claro, o transporte, com ações diretas. No Chile, as universidades foram paralisadas, em São Paulo a cidade deixou de funcionar. Nós não pedimos a queda da Dilma, ao contrário dos egípcios que pediam a saída de (Hosni) Mubarak.
Depois do transporte, outra demanda cada vez mais ampliada nas marchas é o repúdio aos gastos excessivos e nem sempre transparentes para a Copa das Confederações, que terminou hoje (30 de junho) com a disputa entre Brasil e Espanha, no Maracanã.
É curioso que no país do futebol haja tamanhos protestos contra a Copa.
Nós estamos vendo que isto foi crescendo em cada jogo da Copa (das Confederações). Parece-nos que as coisas estão crescendo a tal ponto que haja uma multidão protestando no domingo em frente ao Maracanã.
Há dois meses havia mobilizações fortes no Rio contra o dinheiro gasto na reforma do Maracanã, pelo desalojamento dos indígenas (que ocupavam um prédio que deve ser demolido), mas não se pode comparar com o que pode acontecer no domingo, na final. Além disso, se soma à indignação pelo massacre de 10 pessoas no Complexo da Maré, na segunda-feira. No Rio, no começo as marchas eram de classe média, agora a periferia começa a se somar. O mesmo está acontecendo em São Paulo, nas últimas marchas vemos que começou a se somar muita gente que vem dos movimentos de bairros do Leste, onde estão as maiores favelas.
Pelé recomendou não participar das marchas e ver os jogos em casa.
Isso mostra sua completa falta de compromisso com a realidade política que está saltando em todas as partes. É uma pena que uma figura pública importante esteja incentivando as pessoas a não se manifestarem, que considere que o futebol seja mais importante do que as reivindicações sociais.
Eu gosto de futebol, não sou torcedor, mas gosto de jogar; mas não gosto de nada da afirmação de Pelé.
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“Nós não queremos derrubar ninguém; queremos derrubar as injustiças e a exclusão”, diz militante do Movimento pelo Passe Livre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU