Por: Cesar Sanson | 29 Mai 2013
Carta enviada ao presidente da CEF exige explicações sobre notícias de que ela financiará a usina Angra III, substituindo bancos da Alemanha e França que se negam a correr o risco de financiar esta obra. Afinal, se o mundo se afasta da energia nuclear, por que o Brasil está decidindo avançar ainda mais nesse tipo de energia? Que interesses há por trás dessa decisão? E por que preferir energia de fonte tão perigosa para a vida quando o país tem sol de excelente qualidade em todo o seu território, além de ventos e biomassa?
A carta é publicada pelo blog de Ivo Poletto, 28-05-2013, coordenador do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social e organizador do Seminário “Por uma Nova Política Energética no Brasil”.
Eis a Carta.
CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Brasília, 24 de maio de 2013
Senhor Presidente,
As pessoas e organizações que subscrevem a presente tiveram ciência, pelos jornais, de que os responsáveis pelo Programa Nuclear Brasileiro estão em entendimento com a Caixa Econômica Federal para que esta conceda, à empresa encarregada da construção da Usina Nuclear conhecida como Angra III, um empréstimo que permita completar essa construção, uma vez que até agora a solicitação feita no mesmo sentido junto a bancos europeus não obteve resposta.
Segundo o que chegou ao nosso conhecimento, a demora dos bancos europeus para atender a esse pedido de financiamento seria devido a insuficiências nas informações apresentadas pelas autoridades brasileiras quanto às condições de segurança da nova usina de Angra. Como estas condições se tornaram mais exigentes após o acidente nuclear ocorrido em março de 2011 em Fukushima, no Japão, esses bancos e a Agência alemã Euler Hermes, que daria o seguro ao empréstimo, teriam solicitado mais informações sobre condições de segurança em Angra.
É do conhecimento geral que há riscos específicos em Angra, ligados ao histórico de deslizamentos de terra na região, e que as condições de evacuação da população em caso de acidente são extremamente precárias. Por outro lado, a informação difundida a evacuação cobriria apenas um raio de 5 quilômetros em torno das usinas, quando a 15 quilômetros delas se situa a cidade de Angra dos Reis, com mais de 170.000 habitantes, e quando o raio adotado em Fukushima foi de 30 quilômetros.
É grave no entanto uma questão sobre a qual a maioria dos cidadãos brasileiros não tem informação: o projeto de construção das 3 usinas de Angra teria adotado as normas de segurança usuais na década de 70, mas a partir do acidente ocorrido no final dessa década, em 1979, em Three Miles Island, nos Estados Unidos, essas normas foram revistas. A revisão levou em conta a possibilidade real de acidentes severos, por falhas humanas, de projeto ou dos equipamentos, que podem levar à explosão dos reatores e à destruição dos edifícios de contenção dentro dos quais eles se encontram, propagando elementos radioativos no meio-ambiente.
Sabe-se que as nuvens radioativas que podem se formar com tais explosões se espalham ao sabor do vento, como ocorreu em Chernobyl, na então União Soviética, em 1986, atingindo todos os países da Europa. No nosso caso, elas atingiriam de imediato São Paulo e Rio de Janeiro, as duas maiores cidades brasileiras, situadas a menos de 200 quilômetros das usinas.
As novas normas de segurança adotadas em 1985 pelos Estados Unidos, depois do acidente de Three Miles Island, implicaram na obrigatoriedade de construção de maiores e mais sólidos edifícios de contenção da propagação da radioatividade, já que os acidentes são sempre possíveis. Por essa razão o governo norte-americano exigiu, em 1988, que todas as suas usinas nucleares fizessem reformas modificando seus projetos originais, para passarem a contar com os novos edifícios de contenção necessários.
Posteriormente, em 2004, a própria Agencia Internacional de Energia Atômica expediu sua norma NS–G-1.10, que trata do projeto desse Edifício de Contenção, para prevenir os efeitos nefastos de fusões totais do núcleo do reator.
Ora, Sr. Presidente, pela informação que dispomos, não se tomou nenhuma providência no Brasil para que se obedecesse a essas normas internacionais, como ocorreu nos Estados Unidos, e nossas usinas continuaram a funcionar – ou, no caso de Angra III, esta continuou a ser construída - com projetos feitos antes do acidente de Three Miles Island. Segundo a informação existente, inclusive a própria Comissão Nacional de Energia Nuclear licenciou Angra III em 2010, seis anos depois da expedição das novas normas pela AIEA, sem que estas tivessem sido levadas em conta, isto é, considerando os projetos originais dessa usina.
Se tais dados forem verdadeiros, assim como os relativos ao problema da insuficiência do plano de evacuação de Angra e dos riscos de deslizes de terra na região, não será de estranhar que as autoridades brasileiras não tenham podido responder adequadamente à solicitação de informações dos bancos europeus e da companhia de seguros Hermes.
Mas nos preocupa, senhor Presidente, que a Caixa Econômica Federal possa se dispor a substituir bancos que não estão querendo financiar um determinado empreendimento porque este estaria contrariando normas de segurança internacionais. Seria a nosso ver algo extremamente grave, desde um ponto de vista de responsabilidade social de uma empresa do governo, o que não escapará da atenção dos cidadãos e cidadãs brasileiros, se tais dados forem confirmados e difundidos.
Diante disso, com base na Lei de Acesso à Informação, no. 12.527, de 18 de novembro de 2011, estamos vindo à sua presença para lhe solicitar as seguintes informações:
Esperando merecer de V.Excia. a atenção exigida pela gravidade da questão abordada, aguardamos sua resposta, nos termos da Lei 12.527, subscrevendo-nos atenciosamente.
(Seguem-se os nomes de 42 cidadãos e cidadãs – integrantes de 36 entidades da sociedade civil brasileira – que participaram em Brasília, nos dias 23 e 24 de maio de 2013, de Seminário por uma Nova Política Energética no Brasil).
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Por que e para que energia nuclear no Brasil? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU