12 Março 2013
Pedofilia e finanças: é com relação a esses problemas que o conclave irá se dividir, porque com relação aos outros (doutrinais, pastorais, espirituais), há diferenças de nuances, não de substância.
A opinião é do filósofo italiano Paolo Flores d'Arcais, ex-professor da Universidade de Roma La Sapienza e diretor da revista MicroMega, que reúne diversos intelectuais da esquerda italiana. O artigo foi publicado no jornal Il Fatto Quotidiano, 12-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O conclave que deve escolher o sucessor de Ratzinger se abre sob a insígnia de um duplo paradoxo. Primeiro: a Igreja (hierárquica) nunca esteve tão unida e, ao mesmo tempo, tão dividida. Unida porque, pela primeira vez desde os tempos de Pio XII, não há mais cardeais conservadores e cardeais progressistas. O último cardeal "progressista" foi o cardeal Martini, e agora a Igreja (hierarquia) inteira está normalizada, homologada, compactada sobre as posições conservadoras – do ponto de vista teológico, ético e talvez também político – que Wojtyla, antes, e Ratzinger, depois, conseguiram impor integralmente, desbotando a herança do Concílio ou até mesmo revertendo-a. Dividida porque justamente a unanimidade doutrinal permite que se expressem sem temor as divisões sobre o problema totalmente mundano do "governo" da Igreja: o nó da Cúria Romana, do seu poder excessivo, do seu papel sufocante, da sua corrupção, das lutas sem exclusões de golpes que a agitam e a perpassam.
A atitude a ser tomada com relação à pedofilia no clero e a questão do Banco do Vaticano (IOR) são os dois nós sobre os quais "curiais" e "anticuriais" se enfrentam. Até que ponto é preciso limpar a "sujeira" da Igreja em termos de sexto e sétimo mandamentos? Fazer realmente uma limpeza, abrir os arquivos dos padres pedófilos e das coberturas das quais eles também gozaram, até mesmo em um nível muito alto (incluindo Wojtyla), e fazer o mesmo com relação às coberturas que o IOR permitiu a formas de corrupção política e de verdadeira lavagem de dinheiro sujo? Ou se mover com a máxima cautela, admitir somente o que é impossível de negar, mas evitar que uma plena transparência dê uma imagem devastadora da "sujeira" da Igreja? Em suma, seguir a norma evangélica segundo a qual oportet ut scandala eveniant (Mateus 18, 7) ou a do Conte Zio, de Os noivos, "sopitar, truncar, Padre Reverendíssimo, truncar, sopitar"?
É com relação a esses problemas que o conclave irá se dividir, porque com relação aos outros (doutrinais, pastorais, espirituais), há diferenças de nuances, não de substância. E com isso chegamos ao segundo paradoxo: tradicionalmente o partido da Cúria e o "partido dos italianos" foram considerados largamente sobreponíveis, enquanto são os "estrangeiros" que representam a vontade de um maior peso dos episcopados nacionais com relação ao aparato romano.
Mas o escândalo Vatileaks torna improponível que a Cúria se apresente diretamente com um candidato próprio italiano. O candidato da Cúria é, de fato, o arcebispo de São Paulo, Brasil, não só um não italiano, mas até mesmo um não europeu, um cardeal que tentou se fazer acreditar até mesmo como "aberto" no plano social (mas os padres da sua diocese contestam a sua política, muito pouco sensível para com os pobres, os "últimos"). Mas que continua sendo, acima de tudo, um "cão de guarda" do IOR e do seu fechamento a toda transparência efetiva. Igualmente "curial" seria o outro extraeuropeu que certamente terá, no início, um número significativo de votos, o canadense Marc Ouellet.
Poderíamos finalmente adicionar um terceiro paradoxo: não existe um candidato anti-Cúria, um cardeal realmente intencionado a repetir com Jesus oportet ut scandala eveniant. Quem poderia se aproximar (mas suavemente) desse ideal é o arcebispo de Viena, Christoph Schönborn, enquanto todos os outros cardeais apresentados como alternativa ao partido da Cúria já são, na realidade, candidatos de compromisso.
Começando com Angelo Scola, o mais credenciado, porque há anos, através das iniciativas da sua revista Oasis, fez do diálogo entre as religiões o instrumento de um trabalho de tessitura pastoral entre as dioceses dos diversos continentes cansadas do poder excessivo da Cúria. Scola certamente não é um curial, mas quem o imagina como um papa que descobrirá as "sujeiras" da Igreja e irá eliminar os entrelaçamentos mundanos e corruptos que prosperam no Vaticano se ilude grosseiramente.
Scola nasceu com o Comunhão e Libertação, que, da Igreja dos negócios, é um poderoso "ramo secular", e mesmo que, desde que se tornou arcebispo de Milão, ele tentou reiteradamente se distanciar do movimento do Pe. Giussani, esses vínculos permanecem no seu DNA espiritual e político. Scola não teve sequer a modestíssima coragem de condenar de modo explícito o político por excelência do Comunhão e Libertação, Roberto Formigoni, governador da região da Lombardia, atacado e manchado por um número impressionante de escândalos.
A maior parte dos cardeais certamente nem sabe quem é Formigoni, mas as "Suas Eminências" devem ter ouvido algum rumor sobre o caráter muito mundano e especulativo do Comunhão e Libertação. Ainda mais que quem parece estar orientada a defender a eleição de Scola é outra potência mundana da Igreja, o Opus Dei. Angelo Scola parece, em suma, o candidato perfeito para que, com relação à Cúria, algo mude aparentemente, mas se perpetue a substância do IOR e das reticências sobre os padres pedófilos (na Itália, quase nada do vasto fenômeno ainda veio à tona, por exemplo).
Se Scola não superar os dois terços dos votos nos primeiros dois ou três dias, cresce a probabilidade de que o compromisso se concentre em um "forasteiro". Além disso, é precisamente a regra dos dois terços (que não valia quando Ratzinger foi eleito: naquele caso, a partir da 34ª votação bastava a maioria absoluta) que irá garantir que, mesmo quando a Cúria não conseguir vencer com Scherer ou Ouellet, ela conseguirá impedir qualquer verdadeira renovação: a Cúria, de fato, certamente controla um terço dos votos, com os quais pode bloquear qualquer candidato realmente intencionado a fazer limpeza e a levar o Evangelho a sério.
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Um conclave entre Cúria e incúria. Artigo de Paolo Flores d'Arcais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU