Por: Jonas | 21 Fevereiro 2013
A teoria das cordas é uma das propostas para unir e compatibilizar a teoria da relatividade e a quântica. No entanto, tem suas complicações e seu valor experimental está em discussão. O doutor em física Gaston Giribet (foto) conversa sobre este assunto.
A entrevista é de Leonardo Moledo, publicada no jornal Página/12, 20-02-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Você se dedica a...
Teoria das cordas, mas antes de tudo a qualquer assunto relacionado à gravidade em geral e à gravidade quântica. A relação entre a Teoria da Relatividade Geral (ou seja, a gravidade) e a quântica é o que nos interessa entender.
Em que pé estamos nisso?
Há 90 anos, existem diferentes tentativas para compatibilizar as duas teorias, entretanto, parecem ser aparentemente incompatíveis em muitos aspectos. Essa incompatibilidade acontece mais pelas tentativas que fracassaram, do que por um verdadeiro entendimento da causa pela qual são incompatíveis. Por isso, dedicamo-nos à teoria das cordas, que para nós é a mais promissora das opções, aparecendo como única proposta aperfeiçoada para unir a relatividade e a quântica.
Falemos um pouco desde o princípio. A gravidade é uma força diferente das demais, pois é geométrica, coisa que não acontece nem com o magnetismo, nem com a nuclear fraca, nem com...
Exato.
O que é bastante raro.
Sim. O fato de a gravidade ser geométrica, a ponto de ser a mesmíssima forma do espaço-tempo, constitui uma dificuldade conceitual séria. Fazer uma mecânica quântica da gravidade significará entender em escalas quânticas o próprio espaço-tempo.
Que poderia ser granuloso...
Sim, provavelmente seja. Há diferentes propostas.
A teoria das cordas é muito questionada, pois aparentemente não oferece evidência empírica para ser aceita ou rejeitada.
Correto. Não obstante, às vezes muitas críticas feitas a ela são desleais. Primeiro que não é verdade, estritamente falando, que a teoria não sirva para fazer predições. Além disso, pede-se à teoria predições sobre escalas de energia que a priori é sabido que não podem ser experimentadas. Por exemplo, pede-se à teoria que faça predições sobre a gravidade quântica, que sabemos que será importante em escalas de 10 até ao menos mais de trinta centímetros, e sabemos de antemão que não poderíamos experimentar escalas tão pequenas de distância.
No entanto, a teoria das cordas faz alguns tipos de predições. Não é a única a fazer essas predições, mas faz. E há, particularmente, duas que são fundamentais. Por um lado, a existência de supersimetria (que prediz que existem muito mais partículas elementares do que as que conhecemos, e que cada companheiro vem combinado com outro supersimétrico a ser descoberto). Esse catálogo de partículas duplicado se desprende como prognóstico da teoria das cordas: é algo que precisa existir para que a teoria seja correta.
Por outro lado, a teoria das cordas prediz que o universo possui mais dimensões do que as quatro dimensões espaço-temporais que experimentamos. De acordo com a teoria das cordas, o universo não teria três dimensões espaciais e uma temporal, mas nove ou talvez dez espaciais e uma temporal. Esta é uma predição forte da teoria das cordas, e manifestações destas dimensões, que não são acessíveis para nós, poderiam ser vistas também em aceleradores de partículas. Então, também não é estritamente correto que a teoria não faz predições. O que é verdadeiramente correto é que as predições que ela faz ainda não foram observadas.
Você pode fazer uma síntese da teoria?
Antes da teoria das cordas, naquilo que conhecemos como Teoria Padrão, a matéria é constituída por partículas e as forças são mediadas por essas partículas. Há basicamente dois tipos de partículas: são os bósons, que seriam os representantes das forças, e os férmions, que são os representantes da matéria propriamente dita. A teoria das cordas dá um salto qualitativo ao propor que os últimos constituintes da matéria não são partículas, mas pequenas cordas, como se fossem tiras elásticas, que vibram por contar com uma tensão. Necessitamos pensar que são muito pequenas e, por isso, custa-nos diferenciá-las de partículas. De fato, acreditamos que essa é a razão pela qual as teorias das partículas, até certas energias, funcionam muito bem. Contudo, todas as partículas diferentes que conhecemos, segundo a teoria das cordas, não seriam mais do que diferentes modos de vibração do mesmo ente fundamental: a corda. Nesse sentido, por um lado é uma visão renovadora da visão microscópica que temos do mundo, mas também é uma visão unificada. Todas as partículas, as mais de trinta que conhecemos, seriam diferentes modos de comportamento do mesmo ente.
Que tipo de objeto é uma corda?
Seriam como pequenas cordas sem nenhuma espessura, com apenas uma dimensão: o comprido. São infinitamente finas, que mediriam aproximadamente de 10 a mais de trinta metros e que se moveriam num espaço-tempo no qual enxergamos apenas três dimensões espaciais. Essas cordas são livres para se mover nesse espaço-tempo e em dimensões que não são acessíveis a nossas energias cotidianas. São objetos bastante surpreendentes.
Possuem massa?
Não necessariamente, pois entendemos a massa como a resistência de um objeto a se mover quando lhe é aplicada uma força. Essa massa, entendida como um fenômeno efetivo, dependeria da forma como oscila a corda. Uma corda que vibra muito rapidamente tem mais massa do que a mesma corda vibrando lentamente.
Porém, a massa também possui uma relação com a matéria, não é?
Bom, é que a massa que vemos na matéria não seria dada por uma massa intrínseca da corda, mas por uma massa dessas cordas que constituem a matéria, que seria dada pelo fato de estar vibrando ou enroscada de diferentes formas. As diferentes formas em que esta corda se enrosca expressam, às vezes, macroscopicamente, a maneira como as cordas que constituem essa matéria têm massa.
Uma coisa de uma só dimensão tem medida e volume zero...
Sim, tem apenas longitude. Nesse sentido, são surpreendentes, mas não mais do que as partículas. Nós convivemos com a ideia de que o mundo é formado por partículas pontuais, que possuem medida zero.
Um nêutron...
Não é uma partícula fundamental. Os três quarks que o constituem têm medida zero.
Não se presume que possuem volume?
Não. Segundo a teoria fundamental, não. Segundo a teoria das cordas, na realidade, são cordas que possuem longitude. O objeto em si é de dimensão zero.
O objeto em si... mmmm...
O conceito é um pouco escorregadio. O mesmo acontece com as cordas: assim como o elétron, é um objeto pontual, mas cuja descrição requer certo conceito de volume dado pela função de onda que dá a probabilidade onde está, com a corda acontece o mesmo. Embora seja um objeto infinitamente fino e com longitude, a versão quântica da teoria das cordas gera certo volume efetivo.
De certa forma, eu acredito que sempre se pode montar uma construção matemática que dê conta do que se observa. Penso no sistema de Ptolomeu, por exemplo. Você acredita na realidade concreta destas cordas?
Eu acredito que várias predições da teoria poderiam ser corretas, mas não acredito que a versão, que hoje conhecemos dela, seja acabada e definitiva, que descreve a gravidade em nível quântico. Porém, sim, penso que seja possível, por exemplo, que a predição de dimensões extras no mundo esteja correta. Não obstante, não deixa de ser um ato de fé, e alguém precisa continuar pesquisando e submeter estas crenças ao embate crítico.
Toda teoria é um modelo da realidade, mas existe certo compromisso ontológico. Alguém pode descrever mediante epiciclos o movimento de Saturno, mas não acreditar que os epiciclos existam como entidades. Qual é o seu compromisso ontológico com a teoria das cordas?
Se eu tivesse que buscar uma resposta para essa pergunta, deveria procurar nas razões pelas quais me inclino a acreditar nesta teoria e não em outra. A razão fundamental é que acredito que a teoria das cordas, diferente de outras teorias, é a que mais fidedignamente representa a Teoria da Relatividade Geral.
Contudo, essa é uma resposta instrumental. Eu, por exemplo, acredito que os elétrons existem e não são uma ficção matemática, acredito que há uma partícula existente. Esse é meu compromisso ontológico.
Eu assumiria um ponto de vista mais positivista, mais pragmático. É mais ou menos a postura que alguém tomaria diante da quântica: não importa o compromisso ontológico.
Porém, no que você acredita? Porque dizendo que é um modelo, tudo se ajeita fácil...
Por trás de toda teoria existe um custo estético, sobretudo, quando ao poder fazer experimentos, deve-se atuar com a mesma consistência lógica da teoria, com experimentos imaginários. Eu não tenho uma razão concreta para acreditar que as cordas, em si, são os objetos que descrevem microscopicamente as forças e a matéria, mas a forma estética e natural na qual funciona a teoria me convence de que não está em sua versão acabada, mas que existe algo nela que pode estar correto.
Talvez não sejam cordas, talvez sejam objetos com mais dimensões, mas garanto que algo da teoria estará atrás. O que me move a pesquisar esta teoria não é que a forma destas cordas seja atualmente a correta, mas algo intuitivo me dá a entender que do grande catálogo de ferramentas matemáticas, que são construídas para entender o mundo, esta é uma teoria útil. Pode-se assumir a teoria das cordas como uma grande geradora de ideias físicas e matemáticas, e estou certo de que algumas delas servirão para formatar o que pode ser a teoria final. Assim e em tudo mais, não tenho um compromisso para sempre.
E que inconveniente você enxerga na teoria?
Ela demonstrou grande êxito para descrever alguns fenômenos como a termodinâmica dos buracos negros e muitos outros fenômenos interessantes. Porém, dado que a teoria é matematicamente complexíssima, apenas podemos fazer predições de modelos idealizados com uma grande quantidade de simetria, que se bem (e felizmente) remedam esses sistemas físicos, que encontramos na natureza, não são extremadamente iguais. Fazer esse salto dos modelos idealizados para modelos mais realistas é uma tarefa que dificilmente se consegue em curto prazo.
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Um passeio pela teoria das cordas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU