18 Novembro 2014
Fabrice Moya, um chef com um sorriso de menino que abriu um restaurante de mesmo nome aqui há 12 anos, não tem problema em clientes pedirem para levar as sobras para casa.
"Nós não temos problemas em permitir que as pessoas levem o que não consumiram", disse ele em uma manhã recente em sua cozinha, onde vários de seus cozinheiros estavam picando cenouras e enchendo baldes de grão-de-bico para o almoço do dia.
A reportagem é de Aurelien Breeden, publicada pelo jornal The New York Times e reproduzido pelo portal UOL, 14-11-2014.
Mas raramente acontece --uma vez por semana no máximo, dentre 500 clientes, ele estimou. A probabilidade é muito maior de levarem para casa o que restou da garrafa de vinho.
"O que é importante é cozinhar bem", afirmou Moya, e um prato vazio será o resultado. "Se você fizer com paixão, as pessoas comerão."
Isso não quer dizer que nunca nada fique para trás. Apesar dos franceses permanecerem resistentes a levar as sobras para casa, um pequeno movimento está tentando promover uma mudança de atitude. Ele está sendo encorajado pelos tempos econômicos difíceis, maior conscientização com o desperdício de comida e uma geração mais jovem com preocupação ambiental, que está mais familiarizada com a cultura de embalar para viagem.
Como parte de um esforço maior para reduzir o desperdício de alimentos, as autoridades na região centro-sul, que inclui Lyon, deram início a uma campanha no mês passado para promover o uso de embalagens para as sobras nos restaurantes.
Apesar de Lyon não ser a única cidade na França a tentar essa campanha, sua reputação como capital culinária dá ao esforço um peso especial.
"Nosso estudo mostrou que apesar da maioria dos consumidores --a grande maioria-- ser a favor do costume, a maioria hesita em pedir, por temer parecer mesquinho", disse Elisabeth Manzon, que dirige projetos de alimentos no órgão do governo que faz a campanha na região de Ródano-Alpes. "Eles têm vergonha."
O órgão fez uma parceria com restaurantes como o de Moya, e com empresas e sindicatos nos setores de alimentos e lixo, que estão fornecendo folhetos e adesivos gratuitos para download em um site dedicado.
Em uma tentativa de dar à sobra do restaurante um ar mais positivo, ele está usando o termo "sacola gourmet", com o slogan: "É tão bom que vou terminar em casa!"
Um folheto mostra um desenho de um homem erguendo sua mão no restaurante, para pedir para levar o que sobrou para casa.
O texto diz: "Quem disse que sou muquirana? Não, eu sou apenas ecogastrônomo!"
Mesmo assim, será um trabalho árduo superar os preconceitos franceses sobre levar as sobras para casa, enraizados na história e cultura.
Jean-Pierre Corbeau, um sociólogo e professor emérito da Universidade de Tours que é especializado em comida, disse que tanto a classes alta quanto a baixa tradicionalmente rejeitavam a ideia.
Para a classe operária, deixar a comida no prato era um desperdício; para os burgueses, era um sinal de que você era rico o bastante para não comer tudo.
Mas para alguns, os franceses estão apenas esnobando algo que costumavam fazer com mais frequência.
Jean Terlon, vice-presidente da divisão de alimentos do Umih, o principal sindicato da França do setor de alimentos e serviços, e um promotor da campanha das sacolas gourmet, disse que o hábito era mais comum em meados do século 20.
"Elas não hesitavam em pedir que a sobra fosse embalada", disse, sobre as pessoas em sua infância. "Era algo habitual, mas agora os franceses são cheios de esnobismo, de modo que não pedem mais."
Mas Corbeau, o sociólogo, disse que esse hábito anterior estava associado a um ambiente familiar e às vezes envolvendo os segmentos mais pobres da sociedade, um contexto que ajuda a explicar as conotações negativas.
"Você pode ser visto e estigmatizado como um pobre pedinte", afirmou, lembrando de como as pessoas batiam à porta por uma pequena doação de comida quando sua avó organizava grandes refeições. "Era uma sacola gourmet antiga, para pedintes."
Mesmo hoje, levar as sobras para casa entra em conflito com a postura da França em relação a comer fora e a impressão geral de que a sacola gourmet é mais um fenômeno americano --resultado de porções extragrandes.
"Diferente da imagem que temos da França, o país da gastronomia,em que as pessoas supostamente passam todo seu tempo no restaurante, as pessoas não comem fora com tanta frequência", disse Anne Lhuissier, socióloga do Instituto Nacional Francês para Pesquisa Agrícola, que estudou os hábitos alimentares e de consumo de alimentos na França.
Ela notou que os franceses passam mais tempo que seus vizinhos europeus preparando e comendo suas próprias refeições."E quando comem fora", disse Lhuissier, "eles desfrutam".
Assim, jantar fora é uma experiência rara, para ser apreciada no local, não embalada em recipientes de isopor e requentada no micro-ondas.
"Se você está lidando com coisas requintadas, coisas saborosas, então você talvez tenha mais apetite e mais prazer em terminar seu prato", disse Thibault Narmand, que é dono de um bistrô aconchegante juntamente com sua esposa, Faten, em Lyon.
Outros chefs, incluindo Moya, parecem concordar. Poucos são contrários à ideia da sacola gourmet em princípio, mas enfatizam que se as porções forem do tamanho certo, se os pratos forem saborosos e se a experiência for agradável, então não haverá necessidade de levar algo para casa.
"Se todas as nossas mesas partirem com sacolas gourmet, então há um problema de quantidade nos pratos", disse Wilfred Champin, o maître no Tapeo, um restaurante espanhol com vista para o Rio Saône, em um elegante novo shopping em Lyon.
Como cliente de outros restaurantes, Champin às vezes fica surpreso em como o conceito parece estranho para seus colegas no setor de restaurantes. "Certa vez um dono de restaurante olhou para mim e perguntou: 'Por que raios eu faria uma sacola gourmet?"
Alguns chefs temem equivocadamente que seriam legalmente responsáveis por intoxicação alimentar por causa de um sacola gourmet estragada, uma preocupação que a campanha quer eliminar.
Outros insistem que a sacola gourmet é uma solução para um problema que quase inexiste aqui. Se as autoridades realmente quiserem lidar com o problema do desperdício de alimentos, elas devem procurar em outro lugar, argumentam.
Os lares e fabricantes são responsáveis por grande parte do desperdício de alimentos, que o Parlamento Europeu votou há dois anos em reduzir pela metade até 2025. A Comissão Europeia estima que apesar de 100 milhões de toneladas de alimentos serem jogados fora por ano na União Europeia, apenas 14% disso vem do setor de restaurantes.
Mesmo Manzon reconheceu que a meta da campanha de seu órgão é reduzir o desperdício de modo geral, não promover a sacola gourmet. "Certamente queremos encorajar a sacola gourmet, mas a mensagem principal que queremos transmitir é que, se o prato não for concluído, então é melhor a sacola", disse.
De fato, concluir o prato é uma espécie de instituição francesa. Em Lyon, no La Tête de Lard, um restaurante "bouchon" tradicional que serve pratos regionais, como gratinado de batata e macarrão, o chef e proprietário, Yoann Blanc, disse que brinca com seus clientes que se não concluírem o prato principal, eles não comerão a sobremesa.
De muitas formas, a sacola gourmet é muito melhor na teoria do que na prática e certamente permanecerá algo estranho para muitos.
Do lado de fora da Brasserie Georges, endereço renomado da cozinha tradicional francesa em Lyon, Arthur Pascal, 21, acendia um cigarro após um almoço com sua família. Ele gosta da ideia de levar sobras para casa. "Mas raramente peço", reconheceu, por não ser algo que se costuma fazer. Na única vez que a família pediu, eles voltaram para casa com ossos --não para eles, mas para seus cães.
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Contra desperdício, restaurante na França incentiva cliente a levar sobras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU