07 Novembro 2014
"Não há de ser, portanto, por falta de sustentação ético-política e jurídica que o direito à cidade, especialmente daqueles que representam o povo pobre das favelas, das vilas de malocas, das periferias dos grandes centros urbanos, até em áreas de risco, que a presidenta Dilma deixará de atender aos pedidos contidos na carta que está sendo assinada por todas/os quantas/os defendem esse direito", escreve Jacques Távora Alfonsin, advogado do MST, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
Eis o artigo.
Com a assinatura de representantes do IBDU (Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico), do Instituto Polis e outras entidades, está circulando uma carta aberta à adesão de quem defende o direito à cidade, dirigida à presidenta Dilma, manifestando a preocupação das/os signatárias/os com aquelas políticas públicas de implementação urgente e necessária para “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar de seus habitantes”, como consta no art. 182 da Constituição Federal.
Entre outras questões lembradas no texto, a carta denuncia “um crescente descontentamento com a pouca ou nenhuma qualidade da vida nas cidades, tendo como pontos centrais: mobilidade, moradia adequada, saneamento ambiental, educação, saúde, infraestrutura, espaços públicos, mobiliário urbano e serviços públicos.”
Baseada no Estatuto da Cidade (Lei 10257 de julho 2001) recorda que “a submissão das cidades aos critérios meramente econômicos do mercado global, configurando-se como mercadoria, é incompatível com a garantia do direito às cidades justas, sustentáveis e democráticas assegurado pelo Estatuto da Cidade”; para tanto é indispensável “o enfrentamento da concentração fundiária e a efetivação da função social da posse e da propriedade; a integração entre a política habitacional e o planejamento das cidades” ;
Se 85% das/os brasileiras/os já estão vivendo em cidades, a Carta conclui: “necessitamos de um Ministério das Cidades que tenha uma composição de quadros políticos e técnicos comprometidos com a promoção de uma plataforma de reforma urbana voltada ao desenvolvimento de cidades mais justas, democráticas e sustentáveis. É fundamental que o Ministério das Cidades tenha capacidade de mobilizar, sensibilizar e atuar junto aos governos dos Estados e Municípios e aos diversos segmentos da sociedade civil, em especial os movimentos sociais, em prol da dignidade humana, da igualdade, da cidadania e da justiça social em nossas cidades”.
Defendendo o fortalecimento institucional do Ministério das Cidades, a carta chama a atenção da presidenta para um dos principais entraves opostos às políticas públicas de inclusão social, como aquelas afetas ao referido Ministério: “Que a escolha do próximo Ministro das Cidades, bem como daqueles que formarão sua equipe mais próxima, não seja um mero instrumento para contemplar grupos partidários na composição do governo. Defendemos que essa escolha seja motivada pelo compromisso com a plataforma da reforma urbana e pelo histórico de ação firme e permanente na busca por cidades mais justas, democráticas e equilibradas.”
Essa plataforma da reforma urbana pode ser acessada no site do FNRU (Forum nacional da reforma urbana) e, entre alguns dos seus princípios convém lembrar alguns que já figuravam na pauta de reivindicações dos movimentos populares urbanos, antes da promulgação do Estatuto da Cidade e, embora introduzidos nesta lei, ainda carecem em grande parte de um empoderamento capaz de se refletir efetivamente no meio urbano, como a incipiente gestão democrática e participativa, uma habitação de qualidade para todas/os, saneamento ambiental, prioridade para o transporte público, segurança democrática, baseada nos direitos humanos, trabalho e distribuição de renda, reforma agrária, prioridade da distribuição de recursos públicos para setores populares.
Tanto as denúncias do que está funcionando mal quanto as propostas de solução para os problemas urbanos, constantes nessa carta dirigida à presidenta Dilma, já apareciam bem ampliadas, com diferenças mínimas, na Plataforma Dhesca Brasil em cartilha presente na internet em segunda edição (2010).
Outra Carta, essa internacional, discutida e consertada em mais de um dos Foruns sociais mundiais reunidos e no mundo todo, foi objeto de estudo e publicação também em Porto Alegre, no ano de 2005. Em seu art. XIV, sobre o direito de moradia chegou a detalhar o seguinte:
“1. As cidades, no marco de suas competências, devem adotar medidas para garantir a todos(as) os(as) cidadãos(ãs) que os gastos com habitação sejam suportáveis de acordo com sua renda; que as habitações reúnam condições de habitabilidade; que estejam localizadas em lugar adequado e que se adaptem às características culturais de quem as habite.
2. As cidades devem facilitar uma oferta adequada de habitação e equipamentos urbanos para todos(as) os(as) cidadãos(ãs) e estabelecer programas de subsídio e financiamento para a aquisição de terras e imóveis, de regularização fundiária e de melhoramento de bairros precários e ocupações informais.
3. As cidades devem garantir a todos os grupos vulneráveis prioridade nas leis, políticas e programas de habitação e assegurar financiamento e serviços destinados à infância e à velhice.
4. As cidades devem incluir as mulheres nos documentos de posse ou propriedade expedidos e registrados, independentemente de seu estado civil, em todas as políticas públicas de distribuição e titulação de que terras,
e de habitação que se desenvolvam.
5. As cidades devem promover a instalação de albergues e moradias de aluguel social para as vítimas de violência familiar.
6. Todos(as) os(as) cidadãos(ãs), em forma individual, casais ou grupos familiares sem lar tem o direito de exigir das autoridades locais a efetiva implementação do direito à moradia adequada de forma progressiva e mediante a alocação de todos os recursos disponíveis. Os albergues, os refúgios e os alojamentos com cama e café da manhã poderão ser adotados como medidas provisórias de emergência, sem prejuízo da obrigação de promover uma solução definitiva de habitação.
7. Toda pessoa tem o direito à segurança da posse sobre sua habitação por meio de instrumentos jurídicos que lhes garantam o direito à proteção contra despejos, expropriações e deslocamentos forçados ou arbitrários. As cidades devem proteger os inquilinos da usura e dos despejos arbitrários, regulando os aluguéis de imóveis para moradia, de acordo com o Comentário Geral N° 7 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas.
8. As cidades devem reconhecer como interlocutores diretos das organizações e movimentos sociais que reivindicam e trabalham para tornar efetivos os direitos vinculados à moradia contidos nessa carta. Atenção muito especial, impulso e apoio deverão ser dados às organizações de pessoas vulneráveis em situação de exclusão, garantindo em todos os casos a preservação de sua autonomia.
9. O presente artigo será aplicável a todas as pessoas, incluindo famílias, grupos, ocupantes sem títulos, sem tetos e aquelas pessoas ou grupo de pessoas cujas circunstâncias de moradia variam, em particular os nômades, os viajantes e os ciganos.”
Não há de ser, portanto, por falta de sustentação ético-política e jurídica que o direito à cidade, uma significativa conquista dos movimentos populares - introduzida no próprio texto da Constituição - especialmente daqueles que representam o povo pobre das favelas, das vilas de malocas, das periferias dos grandes centros urbanos, até em áreas de risco, que a presidenta Dilma deixará de atender aos pedidos contidos na carta que está sendo assinada por todas/os quantas/os defendem esse direito.
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Uma carta à presidenta reeleita em favor do direito à cidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU