''Jejum eucarístico'' em apoio ao Sínodo. Artigo de Anne Soupa e Christine Pedotti

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03 Novembro 2014

Para apoiar e acompanhar o ano de trabalho, de reflexão e de meditação ao qual são chamados os católicos antes da retomada do Sínodo para a família em Roma, Anne Soupa e Christine Pedotti, da Conférence Catholique des Baptisé-e-s, iniciam um "jejum eucarístico".

Durante o próximo ano, elas se absterão voluntariamente de receber a Comunhão eucarística, embora continuando a participar da missa.

Com esse gesto, manifestam a sua comunhão com todos aqueles que, em conformidade com as regras atualmente em vigor na Igreja Católica, são excluídos dos sacramentos.

O seu gesto não é uma reivindicação, mas um ato espiritual, uma forma de oração de oferta para que Deus ilumine a sua Igreja.

O artigo foi publicado no sítio Garrigues et Sentiers, 25-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Jejum eucarístico: de que falamos?

Formalmente, já que nenhuma regra jurídica da Igreja impede isso, quando formos à missa, não receberemos a Comunhão eucarística (a hóstia, que, para os fiéis, é o Corpo de Cristo). Por que fazemos isso? Ao mesmo tempo, é um problema de alimento e de comunhão.

O sentido da Comunhão eucarística

Jejuaremos no sentido de que, voluntariamente, nos privaremos do alimento. As tradições religiosas estão acostumadas a pensar que o jejum voluntário (de alimentos) é um ato de preparação espiritual. Dá fome (fisicamente) e é, para aqueles que o fazem, uma imitação da fome espiritual.

O jejum coloca em estado de vigilância, de desejo. Essa privação voluntária, esse jejum, portanto, pode ser entendido como um ato espiritual.

Na Comunhão eucarística, nós consumimos fisicamente um alimento (a hóstia), que é, para os fiéis, um alimento espiritual. Mas esse ato também produz uma comunhão do fiel com o seu Deus (Jesus Cristo) e uma comunhão com todos aqueles que dele participam. Ao comer a hóstia consagrada, Corpo de Cristo, somos incorporados ao Corpo místico de Cristo que é a Igreja, isto é, todos os fiéis convocados e reunidos por Deus para louvá-lo e celebrá-lo.

Pela Comunhão eucarística, nós nos tornamos aquilo que recebemos. Recebemos o Corpo de Cristo sob a forma de pão (a hóstia) e nos tornamos o Corpo de Cristo, a Sua Igreja.

Mas outros significados se acrescentam. Essa comunhão nos une, também no tempo, a todos aqueles que são "admitidos" no Corpo de Cristo ao longo dos séculos, e é isso que é definido como "comunhão dos santos". A Comunhão eucarística, portanto, tem um caráter cósmico. Une-nos a Deus e nos une uns aos outros através do tempo e do espaço.

A isso, é preciso acrescentar que, na medida em que ela é comunhão ao Corpo do Ressuscitado, ela é como que uma participação (ou uma antecipação) do banquete final da humanidade, as suas núpcias definitivas com Deus no fim dos tempos (visão chamada de escatológica – ou seja, que concerne ao fim dos tempos).

Fala-se da presença real de Deus, o que significa que Deus está realmente no presente das nossas vidas: na Comunhão eucarística, o presente e a eternidade se confundem. Deus está no presente, e nós estamos na eternidade.

A prodigiosa pluralidade de significados da Comunhão eucarística – pluralidade e amplitude que, certamente, nós compreendemos apenas em uma mínima parte todas as vezes em que comungamos – é suficiente para mostrar até que ponto o fato de não admitir certas pessoas à Comunhão eucarística comete uma violência aos sentimentos profundos e à fé dos fiéis.

Lembremos que o padre convida à Comunhão eucarística com as seguintes palavras: "Felizes os convidados para a Ceia do Senhor", e o padre comunga murmurando as seguintes palavras: "Que a comunhão do Corpo e Sangue de Cristo nos guarde para a vida eterna".

São palavras que valem para todos aqueles que se apresentam para receber a hóstia.

Nossos irmãos e irmãs excluídos

Então, por que decidir não comungar por cerca de um ano, isto é, até a conclusão do Sínodo da família, e fazer isso para entrar em comunhão com todos aqueles que estão excluídos dessa refeição porque a sua situação matrimonial e familiar não está conforme às regras?

Com efeito, a regra atual da Igreja reconhece, para o exercício da sexualidade, apenas o matrimônio entre um homem e uma mulher "abertos à procriação", isto é, que não usem nenhum outro meio de controle de natalidade a não ser a abstinência durante os períodos de fecundidade. Qualquer outra situação é considerada como uma situação de pecado. Sim, essa é a regra hoje.

De fato, apenas os divorciados em segunda união, que são considerados como pecadores – em termos estritos, adúlteros –, são excluídos da eucaristia. O seu primeiro matrimônio sempre é considerado válido, e a sua nova união os coloca em estado de pecado permanente (o direito canônico diz "obstinado").

Eles não podem se confessar, porque não podem se arrepender e manifestar a intenção sincera de não recair no seu pecado. Evidentemente, as uniões homossexuais estáveis (hoje, na França, os casamento entre pessoas do mesmo sexo) estão claramente sob a mesma condenação.

Ora, todos sabem que cada situação humana é única. No entanto, colocam-se no mesmo saco tanto aqueles que abandonaram o lar sem voltar, quanto aqueles que desposaram um ex-cônjuge abandonado e, com ele, constrói uma relação estável de confiança por anos... Os exemplos são múltiplos, mas a regra, tal qual é, não entra em detalhes. Ela não conhece nenhum caráter progressivo ou gradual, somente o "tudo ou nada".

Esse impasse foi um dos assuntos da primeira etapa do Sínodo sobre a família. Para sair desse impasse, alguns promovem o que chamam de "a comunhão de desejo", que consiste em unir-se na intenção à Comunhão eucarística sem dela participar realmente. Essa solução nos parece muito negativa, mas vamos experimentá-la, porque voluntariamente aceitamos nos colocar nessa situação.

Um grande sofrimento, um corpo ferido

Pensamos que a exclusão "de fato" de inúmeros membros da Igreja é um grave sofrimento, não apenas para aqueles que são excluídos, mas também para a Igreja inteira, que é como que mutilada, ferida por essa exclusão, por essa em si mesma. Compartilhando o destino dos nossos irmãos e irmãs excluídos, nós queremos entrar em comunhão com esse corpo ferido que é também o Corpo de Cristo.

O que nós manifestamos é também que a Comunhão eucarística não é um ato privado, uma espécie de solilóquio entre o fiel e o seu Deus, mas um ato que é celebrado e no qual toda a comunidade, toda a Igreja está envolvida. É, portanto, o sofrimento desse Corpo ferido que, de certa forma, nós revestimos através desse jejum. Nós o vivemos como uma oração dirigida a Deus para que ele ilumine aqueles que têm a responsabilidade de fazer com que se viva a comunhão, os bispos e o papa, na próxima etapa do Sínodo.

Em termos concretos, quando formos à Igreja, no momento da procissão da Comunhão, vamos nos apresentar ao celebrante com as mãos cruzadas sobre o peito e pediremos a sua bênção. Esse é o gesto feito pelas crianças que ainda não têm idade para comungar, e que certos padres recomendam para os divorciado em segunda união.

Nosso gesto é realmente um jejum, não uma greve, absolutamente (como uma greve de fome), na medida em que não pedimos nada a ninguém, senão a Deus na oração para que ele nos ilumine e nos dê a conhecer o que é bom para a sua Igreja. Entramos nessa experiência trazendo uma questão; a resposta não nos pertence.

Christine Pedotti e Anne Soupa
Conférence Catholique des Baptisé-e-s

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