27 Outubro 2014
O historiador jesuíta padre Giancarlo Pani, autor do artigo da revista La Civiltà Cattolica, dedicado à exceção do Concílio de Trento que permitiu que os católicos de rito grego pudessem seguir a práxis ortodoxa, responde às críticas recebidas pelo teólogo E. Christian Brugger. E acrescenta um novo detalhe.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 24-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O artigo do padre Giancarlo Pani, publicado no último número da revista La Civiltà Cattolica, publicado antes do Sínodo e dedicado à exceção decidida pelo Concílio de Trento, que, em 1563, estabeleceu a não condenação da prática das segundas núpcias, permitindo que os católicos de rito grego a mantivessem, provocou uma discussão.
O texto do historiador jesuíta, de fato, foi criticado não por outro historiador, mas por um moralista, o norte-americano E. Christian Brugger, professor do seminário teológico St. John Vianney, de Denver. Uma resposta articulada que foi publicada no site de Sandro Magister.
Brugger atribui a Pani uma defesa da prática matrimonial grega da "oikonomia", segundo a qual os matrimônios fracassados podem ser dissolvidos, e os cônjuges têm a permissão de se recasarem ou de terem novas núpcias declaradas como válidas pela Igreja depois de um período de penitência. E também lhe atribui o fato de querer aplicá-la também à Igreja Católica, servindo-se "nada menos do que da autoridade do Concílio de Trento".
O Vatican Insider pediu ao padre Pani uma réplica a essas críticas.
"Sim, eu li a resposta do professor Brugger ao meu artigo. Lendo-o, porém, tive a impressão de que o seu texto não tinha a ver diretamente com o que eu escrevi. Talvez, o autor já havia escrito um amplo texto seu sobre a indissolubilidade do matrimônio, repleto de muitas citações e de várias reflexões. O artigo da Civiltà Cattolica simplesmente lhe ofereceu, depois, um impulso para expô-lo."
Eis a entrevista.
Por que afirma isso?
No artigo de Brugger, de fato, são atribuídas a mim afirmações, interpretações, intenções, instrumentalizações, heresias e outras coisas que não me pertencem. Eu acredito que a sua longa requisitória não é contra mim, mas justamente contra uma decisão do Concílio de Trento. Sou acusado de não fornecer nenhum argumento em apoio das minhas teses. Mas eu não quis sustentar tese alguma! Eu escrevi um breve ensaio de caráter histórico, fazendo memória de um fato histórico singular ocorrido em 1563. Eu ofereci instrumentos, fatos, discussões, documentação. Também relatei pontualmente em nota as citações das Atas do Concílio. Pretendia dar a conhecer um pedaço de história conciliar que foi esquecido desde o fim do Tridentino, até a publicação das Atas da última sessão, em 1932, ou seja, por cerca de 370 anos.
O senhor tem que admitir que o seu artigo fornecia um argumento para aqueles que pretendem abrir sobre os sacramentos aos divorciados...
Veja, essa não é minha intenção, defender a prática matrimonial grega da oikonomia, nem desejo que essa tradição tolerante possa abrir caminho na Igreja Católica. Mas a história é história, e não pode ser apagada. Sou acusado da falsidade de uma interpretação: em vez disso, parece-me que eu fiz apenas uma pesquisa histórica, documentando em nota cada referência individual aos documentos originais do Concílio e abstendo-me de toda interpretação. Não se pode ignorar fatos documentados. Não sou eu, porém, que devo decidir que peso dar a esses fatos, mas é tarefa dos bispos e dos pastores.
O teólogo Brugger reconhece ao senhor o fato de ter resumido "bastante bem" os fatos de 1563...
E eu agradeço a ele por reconhecer isso, era exatamente o que eu pretendia fazer, lembrando uma página de algum modo "embaraçosa" do Concílio de Trento: justamente na sessão em que se decretou a indissolubilidade do matrimônio, faz-se uma exceção.
Houve outros casos de exceções à indissolubilidade do matrimônio?
Sim, certamente. Por exemplo, na Igreja romena. O Código de Direito Canônico romeno diz: "Secundum matrimonium vocatur legitimum" (Cfr Iohannes D. Dan, Pravila Magna eiusque auctoritates in Ecclesia romena “indreptarea Legii” a. 1652, Romae, Urbanianum, 1944, 105-106). A Igreja greco-católica romena, na disciplina canônica, tem a dissolução do vínculo matrimonial mediante a oikonomia, mesmo depois da união com Roma de 1700. Tal disciplina permaneceu em vigor até 1872-1873, quando foi realizada a primeira codificação do direito da Igreja greco-católica romena, que, no Concílio de Alba Iulia, introduziu a doutrina da indissolubilidade do matrimônio.
O que o senhor não reescreveria daquele artigo?
Para dizer a verdade, eu o reescreveria como o escrevi. Se há algo de inexato, ou de alterado, ou de meu, ou mesmo de falso que eu tenha escrito e que não se encontra nos documentos conciliares, fico bem contente em conhecê-lo e, eventualmente, esclarecê-lo. Mas o próprio Brugger não assinalou qualquer imprecisão histórica. No meu artigo, reiterei várias vezes que os padres conciliares, de fato, não queriam pôr em discussão a indissolubilidade do matrimônio, ou aprovar o divórcio (lê-se isso nas páginas 25, 26, duas vezes, 30 e 31 do meu texto), e, mesmo assim, abrem uma exceção.
Como é definida a indissolubilidade pelo Concílio de Trento?
É preciso lembrar que o Concílio não fala da indissolubilidade "absoluta" do matrimônio, mas de um ensinamento da Igreja, conforme à doutrina do Evangelho e à tradição apostólica; e que a Igreja não erra em pronunciá-lo. E mais: não se diz como ele é proposto. Isto é, se de modo imutável e absoluto, ou como doutrina revelada, ou somente deduzido com a razão. Os padres não aceitam a especificação do cardeal de Lorraine, Charles de Guise, de que a indissolubilidade é per scripturas, já que, a partir da revelação, não está claro. Em síntese, o cânone 7º sobre o matrimônio condena aqueles que acreditam que a Igreja erra ao definir o matrimônio como indissolúvel etc. Portanto, aqueles que defendem que a Igreja erra na definição se encaixa na sanção. Os gregos que, ao invés, não o afirmam não são incluídos na condenação.
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''Os greco-católicos romenos podiam celebrar segundas núpcias até 1873'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU