21 Outubro 2014
Escândalos de corrupção envolvendo políticos são o assunto que mais consome páginas de jornais e minutos na TV. Em tempos de campanha eleitoral, ganham ainda mais centralidade: nos programas políticos dos candidatos, nos debates, nos comentários na mídia e nas redes sociais, em reuniões de família e mesas de bar.
O comentário é de Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 20-10-2014.
A corrupção é de fato indignante: é desvio de dinheiro público, é comportamento antiético, conspurca o Estado. Ver políticos, secretários e gestores bebendo champanhe em Paris, passeando de jatinho ou comprando apartamentos que custam milhões de reais --tudo com nosso dinheiro-- de fato revolta. No entanto, a maneira como os casos de corrupção têm sido apresentados, na verdade, mais oculta do que revela o problema.
Geralmente, os escândalos de corrupção estão relacionados a superfaturamento de obras e serviços contratados pelo Estado. Quando "estouram", imediatamente aparecem os "políticos corruptos" e o destino do dinheiro desviado por estes, mas quase nunca isso vem acompanhado de preocupação semelhante em mostrar o conjunto de atores, instituições e processos envolvidos no negócio.
Com tantos órgãos fiscalizado- res e leis que constroem um enorme emaranhado institucional para impedir que a contratação de obras e serviços pelo Estado seja passível de corrupção e que, ao mesmo tempo, garantem a livre competição entre os fornecedores, por que será que a corrupção persiste? Para responder a essa questão, é preciso abordar assuntos sobre o quais não se fala.
Não se fala, por exemplo, na prática corrente de grupos empresariais que atuam nas obras e serviços públicos de dividir entre si tais obras e serviços, combinando previamente preços e, assim, garantindo mercados cativos, como o de coleta e destinação de lixo, transporte, energia... a lista é gigante. Não se fala, também, do controle das políticas públicas por estes grupos, quem terminam definindo que projetos e políticas serão executados, onde e como, e, evidentemente, ganhando as licitações para implementá-los.
Não se fala do grau de privatização do Estado brasileiro --não no sentido de repasse da prestação de serviços para empresas privadas, mas no sentido do controle dos processos decisórios sobre sua implementação. Não se fala nos uísques caros e passeios de jatinhos que rolam nas "amizades" pessoais entre as lideranças destes grupos e políticos e gestores de praticamente todos os partidos, absolutamente necessárias para garantir a perpetuação de seus contratos, de suas concessões, de seus monopólios.
Pouco se fala, aliás, de práticas cotidianas da cultura brasileira, como "molhar" a mão do guarda, acertar "por fora", que de tão banais nem parecem corrupção, mas são.
A corrupção não acaba porque, infelizmente, ela depende menos da existência de políticos corretos --que, sim existem!-- que de um modelo de relacionamento do setor privado com o Estado brasileiro --do qual o financiamento de campanhas é um dos mecanismos--, que hoje perpetua relações de privilégios e benefícios privados para empresas, partidos políticos e indivíduos.
Falar em corrupção sem entrar nessas questões é apenas construir uma cortina de fumaça útil para não expor os verdadeiros beneficiários de todo o butim.
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A falácia da corrupção - Instituto Humanitas Unisinos - IHU