28 Agosto 2014
Antônio Nobre foi o primeiro em falar no III Encontro Pan Amazônico realizado em Lima, Peru, 6 e 7 de agosto. Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), conta nesta conversa sobre a magia da Amazônia, em que consistem os seus segredos e por que a mudança climática e o desmatamento a ameaçam seriamente.
A entrevista é de Ramiro Escobar, publicada pelo El País, 23-08-2014.
Antônio Nobre foi o primeiro em falar no III Encontro Pan Amazônico realizado em Lima, Peru, 6 e 7 de agosto.
Ele fala de uma maneira apaixonada e tem uma qualidade incomum para um cientista: sabe relacionar os dados com os relatos, a explicação com a emoção. Antonio Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), conta nesta conversa sobre a magia da Amazônia, em que consistem os seus segredos e por que a mudança climática e o desmatamento a ameaçam seriamente.
Eis a entrevista.
Já estamos no “dia após de amanhã” da mudança climática?
Estamos numa situação tão grave, que a comunidade cientifica (que normalmente não costuma concordar entre si), tem formado um bloco de convicção homogênea sobre o tema. A mudança climática não é mais uma projeção.
Como se manifesta esta gravidade na Amazônia?
No desmatamento, que remove a capacidade da floresta de se manter. A floresta amazônica tem feito isso por milhares de anos, em condições adversas. Mas hoje, a sua capacidade tem se reduzido. Antes havia duas estações amazônicas: a úmida e a mais úmida.
Que eram bastante reconhecíveis.
Agora temos uma estação úmida moderada e uma estação seca. E a seca tem um efeito muito perverso. Porque, quando não chove, a seca demasiada torna as árvores inflamáveis, e quando o fogo inicia já não existe mais floresta tropical.
Os jatos verticais e o pó de fadas
No entanto, a Amazônia ainda tem cinco segredos.
É algo que os povos nativos sempre souberam, mas a nossa civilização não percebeu. Nos últimos 30 anos, a Ciência revelou estes cinco segredos.
O primeiro é como a floresta amazônica mantém a atmosfera úmida mesmo distante 3.000 quilômetros do oceano...
… e fazer com que a chuva chegue até a Patagônia.
E até os Andes, por 3.000 ou quase 4.000 quilômetros. Em outros lugares mais distantes do oceano, como o deserto do Saara, por exemplo, a água não chega. Na América do Sul isto não acontece devido ao primeiro segredo: os jatos de água verticais.
Qual o segredo deste segredo?
As árvores amazônicas são bombas que lançam ao ar 1.000 litros de água diariamente. Retiram a água do solo, a evaporam e a transferem para a atmosfera. Toda a floresta amazônica leva 20.000 milhões de toneladas de água para a atmosfera, a cada dia. O rio Amazonas, o mais caudaloso do mundo, leva para o Atlântico 17.000 milhões de toneladas no mesmo lapso de tempo.
Incrível, como foi descoberto?
Medindo. Com torres de estudo, com satélites que detectavam esse transporte de vapor, um vapor invisível.
Produzido pelas árvores quase magicamente.
A magia vem no segundo segredo. Se o ar da Amazônia é muito limpo por conta deste tapete verde que cobre a terra, como é possível que exista tanta chuva? O oceano tem um ar limpo também, não chove muito acima dele. Os cientistas descobriram um mistério.
Qual?
Para formar uma nuvem, que são apenas gotas de água em suspensão, tem de transformar o vapor, reduzindo a temperatura. Mas se não há uma superfície, sólida ou líquida, de partículas para as /“sementes de nuvens/”, este processo não chega começar.
O que a floresta faz então?
Gera o que chamamos /“poeira de fadas/”. São cheiros que exalam das árvores e que se oxidam na atmosfera úmida para precipitar uma poeira finíssima, muito eficiente para formar a chuva.
Parece um conto.
É que a floresta manipula constantemente a atmosfera e produz chuvas para si mesma, algo quase mágico. Os gases que saem das árvores são como perfumes e se volatizam.
Algo como uma grande fragrância sustentável.
É um oceano verde, diferente do azul. O azul não tem esse mecanismo porque carece de árvores. Tem algas que, produzem um pouquinho, mas não como o verde.
A magia da Amazônia e os seus segredos
Vamos para o terceiro segredo.
Vamos. Na Amazônia, o ar proveniente do hemisfério norte cruza o Equador, entra na floresta, e vai até a Patagônia. Até lá chega esse ar úmido que vem do Atlântico Equatorial.
Com os ventos alísios.
Sim, com os ventos alísios que trouxeram as caravelas dos europeus, 500 anos atrás. Mas acontece que os alísios do oceano sul fluem para o norte. O que é que faz que esse vento vá contra a tendência da circulação global? Dois físicos russos, com os quais atualmente eu colaboro, resolveram esta questão estudando o efeito do vapor do jato vertical amazônico.
Mais uma vez o jato vertical.
Eles descobriram, pela física fundamental dos gases, que essas condensações de vapor impulsionam o ar dos oceanos para dentro do continente e criam uma espécie de /”buraco de água/”. É como uma bomba biótica. A floresta traz a sua própria umidade do oceano.
E ainda tem mais…
O quarto segredo é a transferência desta umidade amazônica para outras regiões: Os Andes no Peru, os páramos na Colômbia... Se você observar o mapa-múndi, verá que existe um cinto úmido que passa pelo Equador, pela África e pelo Sudeste Asiático.
É a linha do Equador.
Certo, mas dentre as linhas de trópicos, o do Câncer ao Norte e o do Capricórnio no Sul, estão todos desertos. O deserto do Atacama chileno e o de Namíbia na África. No entanto, esta região onde se concentra o 70% do PIB da América do Sul: de Cuiabá a Buenos Aires; de São Paulo até os Andes, é úmida! A pesar de se localizar na linha dos desertos.
Qual é o mistério ali nessas áreas?
Chama-se de rios voadores. É uma grande massa de ar úmido bombeada pela Amazônia contra os Andes, que são como uma parede de até mais de 6.000 metros de altura, que a envia de volta para as áreas onde deveria haver deserto. É por isso que na Bolívia ou no Paraguai, chove.
Finalmente, o quinto segredo.
O quinto segredo é que, se desenharmos num gráfico todos os furacões que tem acontecido na historia, - a NASA já o fez- na zona das florestas equatoriais não se tem um só registro. E essa região é a que possui mais energia, porque a radiação solar é muito intensa.
Deveria haver ciclones, como na Índia e no Paquistão.
Não tem porque o dossel da floresta, onde estão as copas das árvores, é rugoso e faz com que os ventos sejam forçados a dissipar a sua energia, acalmando assim a atmosfera.
Mas há tormentas.
Claro que há, mas não costumam ser destrutivas. Onde estão as florestas não existem secas, nem excesso d’água, nem furacões, nem tornados. É como uma /“apólice de seguros/” contra os eventos atmosféricos extremos.
A guerra contra a ignorância
Agora, os cinco segredos estão em risco...
O problema chama-se de desmatamento. Se retirarem o fígado de um bêbado, será muito difícil ele lidar com o álcool. É isso o que está acontecendo com a Amazônia. Estamos tirando um órgão do sistema terrestre.
Então a Amazônia não é o pulmão, mas o fígado do planeta?
É o pulmão, o fígado, o coração... É tudo! Essa bomba biótica é um coração que bombeia constantemente. A poeira de fadas funciona também como uma vassoura química diante de contaminantes como o dióxido de enxofre. O melhor ar é o da Amazônia.
E, no entanto, continuamos destruindo-a.
Se você vai com um motosserra, um trator ou com fogo, a Amazônia não tem defesa. As intervenções do homem podem ser benditas, como a medicina, mas também terríveis, como a motosserra. É por isso que eu proponho um esforço de guerra.
No que consistiria?
Numa concentração para resolver um problema que ameaça tudo. A ciência hoje nos permite saber que a situação é gravíssima. E o que eu proponho é batalhar contra a ignorância, o principal motivo da destruição da floresta amazônica.
As prioridades globais parecem outras.
Em 2008, os bancos foram salvos em 15 dias. Gastaram-se trilhões de dólares nisso. A crise financeira não é nada, comparada com a crise ambiental.
O que está acontecendo? Estamos embriagados com a civilização?
É uma embriaguez primitiva. Quando você vai ao médico e ele diz que você tem uma doença avançada, o que você faz? Continua fumando? O sistema terrestre é um organismo, e está muito doente. A poluição é o ato humano mais degenerativo.
Podemos salvar a Amazônia dessa doença?
Eu acredito que, se temos uma capacidade “similar” à que tivemos para salvar os bancos, sim. Porque ela, a floresta, tem um poder de regeneração impressionante.
Além disso, isso deveria preocupar a todos no mundo.
A atmosfera tem uma coisa chamada teleconexões. Um modelo climático pode demonstrar que as mudanças na Amazônia afetarão até os ciclones na Indonésia.
O maior segredo é acordar então...
E saber que, o que agora fizermos agora, será determinante. As gerações posteriores sofrerão com as más políticas ambientais de hoje. A geração que vive hoje na Terra está na condução de um trem que pode se encaminhar direto ao abismo ou para uma oportunidade de viver muito mais.
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