07 Agosto 2014
A um século da Grande Guerra, multiplicam-se as reflexões sobre o papel das Igrejas no primeiro conflito mundial na aurora do "século breve". Participam dessa memória fóruns de teólogos, de eclesiásticos, de publicações católicas de aprofundamento. Com uma dupla consciência. A de um "tempo" que – como também disse o Papa Francisco – é sempre superior ao "momento" e, definitivamente, sobre o "espaço". E a de um dever da recordação a compartilhar, também em uma leitura purificadora da história.
A reportagem é de Marco Roncalli, publicada no jornal Avvenire, 05-08-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Certamente, esse fazer memória juntos, além de uma reconstrução do papel dos cristãos neutralistas, intervencionistas, pacifistas, obedientes... – entre os apelos à paz de Bento XV e a participação no "massacre inútil", o amor à pátria e os nacionalismos –, leva a posições convergentes ou divergentes, mas sempre merecedoras de atenção.
Muito difundida é a leitura pronta para compreender o fato de que a maioria dos católicos, mesmo depois das discussões sobre a legalidade da guerra, tendo chegado a hora de combater, "calaram e obedeceram", nas palavras do padre Gemelli sobre o caso italiano. Alberto Guasco destaca bem isso na última edição da revista Jesus.
Ao contrário, sobre outros temas, as posições não são nada unívocas. Assim, se o próprio Guasco, na revista paulina, vê no conflito a "mãe" de todos os nacionalismos, genocídios, violações dos direitos do século XX, com efeitos que se arrastam até os nossos dias, eis que, ao contrário, na revista Il Regno, Dom Luc Ravel insiste em outras questões.
O ordinário militar francês, em um recente artigo para a revista dos dehonianos, se pergunta se – embora reconhecendo a coincidência entre o fim da guerra, por um lado, e, por outro, o advento do comunismo na Rússia, do nazismo na Alemanha , do fascismo na Itália – as raízes devem ser buscadas não na guerra, mas na história do pensamento filosófico europeu.
Chegando a escrever: "A gravidade daquela guerra e o seu fardo de mortes nascem diretamente das leis de alistamento obrigatório, inventadas pela Revolução Francesa e contra as quais o Papa Bento XV se insurgirá com violência".
Aderir às várias hipóteses certamente não significa apenas atrasar o relógio da história e da incubação de toda a violência de um século. Passando do "tempo" ao "espaço", não se pode, depois, passar em silêncio a figura de uma guerra pela primeira vez "globalizada", que acabou envolvendo todos: países católicos como a Itália e a Áustria, não clericais como a Inglaterra ou a França, de forte presença protestante, como a Alemanha, ou ortodoxa como a Sérvia, sem esquecer os combatentes que chegaram do além-mar e do além-oceano, da África à Indochina, com as suas fés.
E não por acaso Guasco convida a observar algumas áreas de crise geopolítica dos últimos 20 anos, dos Bálcãs ao oval caucasiano, do Oriente Médio às velhas fronteiras fixadas pela paz de Brest-Litovsk: teatros que parecem remeter a pontos nodais atuais que foram postos por aquela guerra ("como se as consequências remotas do primeiro conflito mundial, mais do que remotas, fossem próximas e futuras").
E, justamente sobre a Grande Guerra e as Igrejas balcânicas, Ivo Banac escreve na última edição da Concilium. Com uma premissa que leva ao século anterior, evidenciando nos modernos processos de integração nacional – com as mudanças trazidas às antigas identidades baseadas na religião dos povos balcânicos e entre os ortodoxos dos Bálcãs orientais – o início das sublevações contra os otomanos, o crescimento de Estados-nação e as demandas para a fundação de Igrejas nacionais autocéfalas independentes do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla.
E com uma consequência: a queda da religião sob a égide do espírito nacionalista e a sua aquisição pela marca secular das modernas ideologias nacionalistas. Para Banac, esses fatores são mais relevantes do que tantos eventos sempre citados.
Interessantes, no mesmo fórum hospedado na revista da Queriniana, são as contribuições de Lucia Scherzberg e de August H. Leugers-Scherzberg, que, além de indagar a recepção do conflito como "lugar da revelação de Deus" (mas com pouco eco na religiosidade cotidiana), revelam como o desejo de ser aceito no Estado nacional alemão foi uma força motriz para o entusiasmo em relação à guerra, mesmo entre os teólogos católicos da Alemanha (daí a dessolidarização em relação aos católicos que estavam do lado dos "inimigos").
Como é óbvio que seja, o que une fóruns e intervenções é, por fim, o holofote voltado sobre Bento XV. John Pollard, na Concilium, analisando os seus esforços para cessar com a carnificina – circunscritos pelas restrições diplomáticas às quais a Santa Sé subjazia –, destaca, junto com o genuíno desejo de justiça e de paz que o levava a condenar as novas técnicas de guerra ou o genocídio armênio, a consecução de objetivos como a consolidação do Império Austro-Húngaro, baluarte contra a Rússia ortodoxa.
Mas àquele que na França foi chamado de "o papa iugoslavo", na Alemanha "o papa francês", na Itália até mesmo "Maledetto XV", Ravel também dedica espaço na sua contribuição à Il Regno. Sondada em todos os seus significados, a presença do clero nas trincheiras e de uma Igreja que, mesmo com os seus capelães, enfermeiros, combatentes, transformou os campos de batalha em campos de apostolado, se interrogou sobre a alma dos soldados, o seu espírito de cidadãos e de cristãos, a sua transformação do amor pela pátria em nacionalismo, a separação entre guerra e valores morais – ei-lo se concentrar no papel do pontífice que, recém-eleito, se une ao partido da "paz justa" e está apenas "do lado de Deus".
Ravel destaca (citando Joseph Ratzinger) como a imparcialidade recomendada por Giacomo della Chiesa era, para ele, tudo, exceto indiferença. Porque Deus não aceita escolher um campo onde, no entanto, Ele é invocado pela vitória.
Daí a referência a Blaise Cendrars ("Deus está ausente dos campos de batalha") ou a Maurice Barres, que, contra lógicas pagãs ou de religiões do sacrifício, não se esquece daquilo que muitos pregadores católicos ou protestantes proclamaram: "Não Deus conosco, mas nós com Deus", ou "Pode-se rezar a Deus, não por aquele exército em vez do outro, mas pela salvaguarda da justiça".
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A Grande Guerra e os cristãos nas trincheiras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU