Por: André | 28 Julho 2014
Um cristão hinduísta. É assim que podemos definir John Martin (foto), monge beneditino de Shantivanam, um ashram [comunidade hindu] cristão do sul da Índia. Seguindo os passos dos pioneiros do diálogo entre cristãos e hindus, que foram os padres Henri Le Saux e Jules Monchanin, o monge John Martin revisita a mensagem de Cristo à luz da milenar sabedoria da Índia. Autor de vários livros sobre o tema – Vós sois a luz (Les Deux Océans, 2010), Além das religiões (2011), Um novo canto da Criação, uma releitura do Gênesis inspirado nas cosmogonias bíblica e hindu (2013) –, ele percorre atualmente a Europa para trazer uma palavra que vai muito além do contexto exclusivo das religiões cristãs e hinduístas. Exibe uma palavra resolutamente positiva; à semelhança do nome que ele escolheu na sua dupla iniciação: o monge John Martin Sahajananda é, de fato, "aquele que encontra sua alegria com os simples".
Fonte: http://bit.ly/1uoltV5 |
A entrevista é de Virginie Larousse e Julien Leloup e publicada no Le Monde des Religions, 16-07-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Você nasceu de um pai católico e uma mãe hindu. O que finalmente o levou a abraçar o cristianismo?
Minha mãe era hindu, mas ela se converteu ao catolicismo quando se casou. A nossa família era muito pobre: meus pais eram de poucos estudos e tiveram sete filhos para alimentar. Hindus disseram à minha mãe que, se éramos pobres, era porque ela tinha abandonado a sua religião. Isso a mergulhou em uma profunda crise espiritual. Ela, provavelmente, se sentia culpada. Ela morreu em um profundo estado de confusão, tendo voltado, provavelmente, à sua religião primeira em seu coração. Eu estava preocupado com a sua salvação e queria saber mais sobre o hinduísmo. Eu aí descobri uma verdade profunda, uma sabedoria... e tomei consciência de que a sua salvação não estava em perigo! Estudar o hinduísmo, de alguma forma, me ajudou a entender mais profundamente a mensagem de Cristo.
Conte-nos como.
Jesus disse: "O Pai e eu somos um" (João 10,30), significando assim a sua unidade absoluta com Deus. Essa ideia da não-dualidade perpassa totalmente a cultura védica, 500 anos antes do nascimento de Jesus! Exceto que a tradição indiana diz que esta experiência – de ser um com a divindade – é aberta a todos, e não somente a um profeta. Os escritos dos padres Jules Monchanin e Henri Le Saux me tocaram profundamente, assim como os do padre Bede Griffiths, que os sucedeu em Shantivanam. Como um estudante de filosofia, eu conhecia a noção de advaita, que é fundamental no hinduísmo: significa que tudo é um, que não há dualidade e o Brahman, o absoluto, é a única realidade. O advaita se esforça à busca da unidade para além da aparente diversidade. No entanto, Bede Griffiths desenvolveu a noção de advaita cristão. Ver o cristianismo sob o prisma do advaita foi, para mim, uma abertura revolucionária.
Para esses padres fundadores, que foram Henri Le Saux e Jules Monchanin, conciliar sua fé na mensagem evangélica com seu amor da cultura indiana provocou vivos tormentos interiores. Como você vive esse duplo engajamento?
Monchanin e Le Saux foram os pioneiros. Eles foram os primeiros cristãos a explorarem em profundidade a espiritualidade hindu. É mais fácil no nosso tempo. No entanto, muitas vezes é mais fácil dialogar com os hindus do que com os cristãos da convergência entre cristianismo e hinduísmo. Precisamente porque a cultura hindu está mais acostumada a perceber a unidade na diversidade. Além disso, enquanto os judeus e os muçulmanos consideram blasfematória a ideia de que Jesus é um com Deus, os hindus não têm nenhum problema com isso.
Que contribuições mútuas o cristianismo e o hinduísmo podem dar?
É comum dividir as tradições espirituais em duas categorias: as sábias e as religiões proféticas. Cada uma destas tradições tem uma compreensão da relação com a divindade que lhe é própria. Nas sábias – budismo, hinduísmo, taoísmo –, Deus é silencioso, intervém muito pouco. É mesmo inexistente no budismo. Ao contrário, nas religiões proféticas, é muito ativo. Pessoalmente, acho que o hinduísmo se concentra muito no amor de Deus, o objetivo último é tornar-se um com a divindade, em detrimento do amor ao próximo. No cristianismo, é o contrário: a ênfase é sobre o amor ao próximo, em detrimento da relação com Deus. Ambas as tradições podem aprender umas com as outras para encontrar um equilíbrio entre a relação com Deus e com o próximo. Além disso, o lado revolucionário da mensagem de Jesus foi justamente unir o amor radical de Deus com o amor, igualmente radical, ao próximo. É por isso que Cristo encarna, na minha opinião, a plenitude da verdade. Mas a Igreja tende a ignorar a união com Deus. Para mim, a verdade encontra-se para além do cristianismo e do hinduísmo. Precisamos ir além religiões.
Este convite não é paradoxal, vindo de um monge beneditino?
O cristianismo é uma religião muito exclusiva. Só se pode ir ao paraíso, se se tem fé em Cristo, e, no catolicismo, a salvação passa pela Igreja. Como se Deus só pudesse se ocupar com os cristãos! Eu me sinto muito desconfortável com esta maneira de pensar. Precisamos urgentemente ampliar o conceito de religião. As religiões são muitas vezes sistemas de crenças que unem algumas pessoas e dividem outras. Elas têm a tendência de manter as pessoas em um estado de dependência, ao passo que a verdadeira religião deve nos ligar a Deus. Quando eu digo que devemos ir além das religiões, quero dizer que devemos ir além dos sistemas de crenças para irmos na direção da verdade.
Inegáveis tensões opõem, na Índia, hindus e cristãos, às vezes de maneira muito violenta. Qual é o futuro para o diálogo Inter-religioso?
Na minha opinião, os cristãos devem parar completamente de tentar converter os hindus, porque essa é a fonte do conflito. É o que eu expliquei no meu livro mais recente, Uma missão sem conversão. Querer converter significa que não vemos a verdade no outro. Além disso, a Boa Notícia do cristianismo é vista como uma má notícia para os hindus. Eles consideram, com efeito, que cada qual pode fazer a experiência da união com o divino, enquanto que no cristianismo, este último parece ser reservado ao Cristo. No entanto, se Jesus disse: "Eu sou a luz do mundo" (Jo 8,12), ele também disse à multidão: "Vocês são a luz do mundo" (Mt 5,14). Hoje, o cristianismo apresenta apenas uma meia verdade sobre Cristo, o que faz com que não seja mais visto como um libertador, mas como um opressor. É urgente que a própria Igreja católica redescubra a plenitude da verdade de Jesus. É nisso que repousa o futuro do cristianismo.
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“Precisamos ir além das religiões”. Entrevista com o monge John Martin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU