10 Julho 2014
"É ridículo pretender que Marx não existiu, ou que não tem importância. Ele foi um dos contrapontos com que dialogaram (às vezes até inconscientemente) os construtores da teoria econômica a partir do final do século XIX", afirma Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda (Governos Costa e Silva e Médici), economista e ex-deputado federal, em artigo publicado pela Folha de S. Paulo, 09-07-2014.
Eis o artigo.
Desde a crise econômica de 2008, voltamos a discutir as ideias de Marx. Relembro aqui texto que escrevi em 2007 com algumas adaptações:
Marc Bloch, um dos maiores historiadores franceses, disse a um amigo, pouco antes de ser fuzilado pelos nazistas em 1944: "Eu também sou marxista, mas não tenho nenhuma necessidade de dizê-lo; sou marxista como sou cartesiano".
Hoje somos todos "marxistas", exatamente como somos cartesianos, kantianos, weberianos, keynesianos, einsteinianos e assim por diante. Para qualquer animal inteligente na segunda década do século XXI, Marx é necessário, mas não suficiente.
Os dois gigantes que estavam em Marx, o teórico e o revolucionário vão pouco a pouco tomando distância entre si. De sua imensa obra teórica ficarão sólidos resíduos, incorporados definitivamente à consciência da humanidade e que irão perdendo a sua identidade por submergirem no que se supõe ser o estoque das "verdades" que conhecemos.
A sua obra revolucionária, ao contrário, continua a empalidecer porque a experiência mostrou que o "marxismo" implementado distingue-se muito pouco da "ditadura dos intelectuais proletarizados", como queria Bakunin.
É ridículo pretender que Marx não existiu, ou que não tem importância. Ele foi um dos contrapontos com que dialogaram (às vezes até inconscientemente) os construtores da teoria econômica a partir do final do século XIX. Por outro lado, o potencial criado pela hipótese do materialismo histórico acabou aprisionando, numa órbita em torno de Marx, quase todos os construtores da sociologia. Eles tentaram fugir à imensa força de atração de Fausto dialogando com ele! Essa tradição continuou até nossos dias. Como se pode entender diferentemente a obra de Croce, Raymond Aron, de Wright Mills, de Mannheim, de Ortega y Gasset ou mesmo de Schumpeter?
A obra de Marx só não conheceu a mais completa absorção pela corrente do pensamento universal porque, depois de 1917, foi falsificada e transformada na religião oficial do Império soviético. Em lugar da sociedade sem classes, eles construíram um mundo fantástico de opressão e de obscurantismo, como só intelectuais sabem fazer. A experiência mostrou que a vontade de poder, o desejo de submeter o outro homem, está no próprio homem e que ele só pode ser controlado por um regime autenticamente político.
A miséria humana não é produto da propriedade privada, pelo menos não exclusivamente. Os "intelectuais proletarizados" nunca entenderam, de fato, as dificuldades que cercam a organização de uma economia moderna. É por isso que o mundo comunista se dissolveu. A "Igreja" faliu. Agora qualquer um de nós pode ser "marxista", sem medo de ser feliz!
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Marx, hoje - Instituto Humanitas Unisinos - IHU