Por: Cesar Sanson | 16 Junho 2014
Depois de ação violenta da PM na quinta (12), houve conflito entre manifestantes; especialistas dizem que falta de aglutinador e crise de representatividade causam divisão.
A reportagem é de Gisele Brito e publicada pela Rede Brasil Atual – RBA, 14-06-2014.
A poeira tóxica das bombas de gás mal tinha baixado no bairro do Carrão, zona leste de São Paulo, na manhã da última quinta-feira (12) e outra nuvem se pôs sobre a esquerda brasileira. Dois atos estavam marcados para ocorrer nos arredores do estádio da abertura da Copa, um pedindo a readmissão dos metroviários demitidos em consequência da greve da semana passada, convocada pelo sindicato da categoria, outro contra o evento esportivo e o "legado de violações e mortes", protagonizado pelos simpatizantes da frente Se Não tiver Direitos, Não Vai ter Copa. Depois da cruel repressão policial às manifestações, militantes das duas correntes entraram em conflito entre si.
Os atos estavam marcados para as 10h, em locais diferentes e com objetivos distintos. Antes mesmo de começar, o protesto da frente Se Não Tiver Diretos, nas proximidades do metrô Carrão, foi duramente reprimido por quatro baterias de bombas de gás atiradas pela Tropa de Choque da Polícia Militar. Dezenas de pessoas ficaram feridas. Parte dos manifestantes resolveu ir para a frente do Sindicato dos Metroviários, a poucos metros dali, onde os sindicalistas já estavam “sitiados” pela PM, que não permitia que eles acessassem a Radial Leste.
Acreditando não haver correlação de forças para enfrentar a polícia, diretores do sindicato passaram a orientar os manifestantes a entrarem na sede da categoria, mas integrantes do grupo vindo do ato reprimido no Carrão queriam permanecer na rua e dar prosseguimento à manifestação. O objetivo era avançar até o cordão de isolamento em torno do Itaquerão, onde horas depois ocorreria a cerimônia de abertura da Copa do Mundo e o jogo entre Brasil e Croácia.
A situação gerou tensão dos dois lados. Sindicalistas acusavam os militantes da manifestação Se Não Tiver Direitos de “provocadores” que, por sua vez, chamavam os sindicalistas de “entreguistas e pelegos”.
Quando a polícia fechou a rua do sindicato, os metroviários entraram na sede. Apesar de terem mantido as portas abertas e chamado os demais manifestantes para também entrar, a opção dos outros grupos foi por permanecer na rua, no intuito de seguir com o ato. A tensão entre coletivos de militantes e a direção sindical ameaçou criar situações de embate físico.
A cena é uma demonstração da fragmentação dos grupos que se puseram na rua desde junho do ano passado e dá uma ideia do mosaico que é a esquerda brasileira nas propostas e táticas. Na gênese do Se Não Tiver Direitos, há uma crítica à burocratização dentro de partidos e entidades sindicais e acusação de distanciamento das bases. Acompanhando o grupo estavam os adeptos da tática Black Bloc, que não atrai a simpatia dos metroviários e de outros coletivos que atenderam ao chamado para o ato de quinta-feira.
Para cientistas políticos ouvidos pela RBA, a heterogeneidade é uma característica histórica da esquerda, no Brasil e no planeta.
O cientista político do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Carlos Melo dá como exemplo dessa fragmentação o período da ditadura civil militar no Brasil (1964¬-1985), em que havia setores que optaram pela via armada e outros que tentaram a via cultural ou institucional.
Contudo Melo aponta que a ascensão do PT ao poder em 2003 é o fator predominante para o cenário desenhado hoje. “Tem uma natureza da própria esquerda que tem muita fragmentação. Sempre foi assim. Mas hoje em dia tem um problema sério porque o maior partido de esquerda está no poder. E há quem questione se ele é de esquerda. O PT, que era um polo que aglutinava e dava alguma unidade, não faz mais isso. É o partido que esses novos grupos combatem”, avalia.
Para o presidente do Sindicato dos Metroviários, Altino de Melo Prazeres Júnior, os diversos setores da esquerda precisam ter “paciência” para entender os diferentes métodos de luta. Situações como a de quinta-feira são aproveitadas para deslegitimar as bandeiras, abrindo espaço para o fortalecimento de projetos conservadores de direita. “Há diferenças e eu não acho ruim. Só acho que é preciso ter paciência, saber que existem visões diferentes, estratégias diferentes. Mas o pior é que o governo, a polícia e setores da mídia utilizam essas diferenças para mostrar uma visão negativa da esquerda”, afirma.
Para ele, a esquerda precisa pensar em projetos coerentes de massa para disputar a simpatia da população em geral. “A esquerda brasileira tem que pensar que nossa disputa não é só de vanguarda. Se alguém quer levar alguma coisa a sério de verdade, a disputa é da massa, da população em geral. Se você quer influenciar, tem que ter um projeto coerente. A gente não está de brincadeira. Não vai ficar enfrentando a polícia para correr feito tonto. Se é para enfrentar, é enfrentar. Se não tem correlação de forças, que não enfrente”, diz.
Procurados, membros da frente Se Não Tiver Direitos disseram que ainda não fizeram um balanço do evento e preferiram não se pronunciar.
Porém antes de a direita se aproveitar de vácuos deixados pelos rachas da esquerda, ela também precisa se unir. Para a cientista política da Universidade Federal de São Carlos Maria do Socorro Souza Braga, existe um “mito da direita igual”, que não se expressa na dinâmica eleitoral. “Pode ser igual nas bandeiras que defende, mas, na representação partidária, é mais fragmentada que a esquerda. Se se pega o número de representação na Câmara e separa em direita e esquerda, a direita é um absurdo, é muito fragmentada”, pondera.
A diferença, ela acredita, é que a direita não sai do armário. “A direita não se assume como conservadora, como a favor do liberalismo. São raros os grupos que fazem isso. Já a esquerda faz isso muito mais. Assume e defende as origens”, explica.
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Fragmentação da esquerda marca manifestações de rua em São Paulo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU