Por: André | 14 Mai 2014
“Nada nem ninguém me impedirá de servir a Jesus Cristo e à sua Igreja lutando junto com os pobres por sua libertação”. A frase é do sacerdote católico Carlos Mugica e é a mesma que os padres do Grupo pela Opção pelos Pobres escolheram como lema para comemorar neste dia 11 de maio, os 40 anos do seu martírio. Em 1974, Mugica, reconhecido militante peronista e do Movimento de Sacerdotes para o Terceiro Mundo (MSTM), referência inevitável dos pobres nas favelas de Buenos Aires, caía assassinado a tiros na frente da porta da igreja de São Francisco Solano, em Villa Luro, Capital Federal. A frase foi dita por ele no dia 09 de outubro de 1971, pouco depois de sofrer um atentado a bomba, e se completava com uma afirmação premonitória: “Se o Senhor me concede o privilégio que não mereço, de perder a vida nesta empresa, estou à sua disposição”.
Fonte: http://bit.ly/1opC0nE |
A reportagem é de Washington Uranga e publicada no jornal argentino Página/12, 11-05-2014. A tradução é de André Langer.
“Agora temos que estar mais do que nunca ao lado do povo”, disse Mugica a uma enfermeira do Hospital Salaberry de Buenos Aires quando estava agonizando. Estava com 43 anos. Ele havia antecipado a sua sorte dias antes em uma reunião com moradores da favela de Retiro (a mesma que hoje leva seu nome), onde escolheu morar. “(José) López Rega vai me matar”, disse referindo-se ao chefe da organização terrorista.
Carlos era membro de uma família rica. Seu pai (Adolfo Mugica) foi chanceler do governo de Arturo Frondizi e sua mãe (Carmen Echangüe) veio de uma família de fazendeiros bonaerenses. Ele abandonou os estudos de Direito aos 21 anos para seguir sua vocação sacerdotal. Foi ordenado padre em 1959 e foi trabalhar um ano em Resistencia, junto com o bispo Juan José Iriarte. De volta a Buenos Aires, exerceu seu trabalho em paróquias portenhas e fundou a capela Cristo Operário, na favela de Retiro. Esse foi o lugar de referência mais importante, ao qual é vinculado e onde é reconhecido pelos moradores como “mártir” popular, condição que a Igreja institucional ainda não assume formalmente.
O ano de 1968 marcou profundamente a vida do padre. Mudou-se para a França a fim de estudar e ali travou amizade com o também padre Rolando Concatti, um dos fundadores do MSTM. Nessa oportunidade também viajou para Madri onde conheceu e conversou com Juan Domingo Perón a quem acompanharia em seu regresso à Argentina, em 1973. Em 1970, quando foi preso o padre Alberto Carbone, também membro do MSTM, acusado de cumplicidade no assassinato do general Pedro Eugenio Aramburu, Mugica foi um dos seus principais defensores diante da opinião pública. O “padre vileiro” já era uma figura pública reiteradamente solicitada pelos meios e suas opiniões contrastavam muitas vezes com as dos bispos.
Durante o governo de Perón, em 1973, Mugica aceitou um cargo ad honorem no Ministério de Bem-Estar Social, cujo titular era José López Rega, mas 10 meses depois renunciou porque, segundo disse, não podia cumprir sua missão de servir os pobres das favelas devido às suas divergências políticas com o titular da carteira.
Após a morte de Mugica, sua figura foi resgatada pelos setores progressistas da Igreja, pelo peronismo e pelas organizações populares, especialmente pelos moradores das favelas. Seu enterro foi uma grande manifestação popular. A hierarquia católica guardou distância da sua figura, usando como pretexto a vinculação que o padre tinha com os Montoneros, vários de cujos jovens integrantes surgiram da Juventude Universitária Católica, da qual o padre era assessor. Mas a contradição entre Mugica e a hierarquia católica baseava-se em duas perspectivas opostas sobre a Igreja e sua missão no mundo. Grande parte dos bispos argentinos era muito conservadora, mesmo contra o que estava acontecendo no mundo católico com a renovação impulsionada pelo Concílio Vaticano II e, na América Latina, a partir da Conferência Geral dos Bispos realizada em Medellín (Colômbia, 1968), na qual as palavras chaves eram libertação e opção pelos pobres.
Apesar dos seus debates com os bispos Mugica sempre permaneceu no marco da institucionalidade eclesiástica. Em uma entrevista à revista Siete Días em 1972 afirmou que, “seguindo as diretrizes do Episcopado, penso que devo agir a partir do povo e com o povo: viver profundamente o compromisso, conhecer profundamente as tristezas, as inquietações, as alegrias do meu povo, senti-las na própria carne. Todos os dias vou a uma favela de Retiro, que se chama Comunicaciones. Ali aprendo e ali ensino a mensagem de Cristo”.
No momento do assassinato, e devido às críticas políticas que Mugica havia feito aos Montoneros depois do retorno de Perón ao país em 1973, pretendeu-se atribuir a eles a sua morte. A informação foi desmentida pelos Montoneros e todos os dados apontam a Aliança Anticomunista Argentina (Triple A) como a autora material do homicídio.
Tanto os padres da Opção pelos Pobres, como, em geral, os chamados padres vileiros situam-se na mesma orientação pastoral de Mugica. José María Di Paola, um padre dedicado atualmente ao trabalho nas favelas de Buenos Aires, disse que “estamos agradecidos pelo grande legado que Mugica nos deixou, que viveu o sacerdócio de uma maneira entusiasta, saindo da sacristia para relacionar-se com outros campos, como o sindical ou o universitário; e que decidiu morar nas favelas, entre os mais pobres”.
No início da assembleia episcopal desta semana em Pilar, o presidente da Conferência Episcopal, arcebispo José María Arancedo, mencionou Mugica como “vítima de um assassinato”, mas tomou cuidado para não chamá-lo de “mártir”. Disse, não obstante, que “foi um sacerdote que viveu sua fé e seu ministério em comunhão com a Igreja e a serviço dos mais necessitados, que ainda se recordam dele com gratidão, carinho e dor”.
Após seu assassinato, o sacerdote foi enterrado no cemitério de Recoleta. Em 1999, contando com o apoio de Jorge Bergoglio, então arcebispo de Buenos Aires, seus restos foram transladados para a Paróquia Cristo Operário, na Villa de Retiro, onde ainda permanecem e são venerados.
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A atualidade de Carlos Mugica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU