08 Mai 2014
Os efeitos da mudança climática já não são uma ameaça distante, um problema que se possa postergar. Tal como alertaram os cientistas da ONU há alguns meses, a elevação do nível do mar, a acidificação dos oceanos, as secas e as inundações estão deixando suas marcas em todo o mundo. E os EUA, o segundo país – depois da China – que mais gases de efeito estufa emite, está muito mais consciente do problema desde que, nesta terça-feira, a Casa Branca divulgou um relatório que alerta para as consequências do aquecimento em seu território: dependendo de onde vivam, os norte-americanos terão mais dificuldade de acesso à água, sofrerão mais chuvas torrenciais ou terão suas colheitas comprometidas
A reportagem é de Cristina F. Pereda e Elena G. Sevillano, publicada pelo jornal El País Brasil, 6-05-2014.
O relatório, elaborado ao longo de quatro anos por mais de duas centenas de cientistas e várias agências governamentais, pretende expor a literatura científica disponível sobre um problema que preocupa todos os líderes mundiais. Especialmente à medida que se aproxima o encontro decisivo que eles têm no ano que vem em Paris, onde a cúpula do clima deverá substituir – e melhorar – o protocolo de Kyoto e determinar uma nova divisão mundial de emissões. O chamado Informe Nacional do Clima é o terceiro encomendado pela Casa Branca. Entretanto, nenhum dos outros dois presidentes apoiou as suas conclusões como fez ontem Barack Obama: o presidente deu várias entrevistas na televisão para falar das mudanças climáticas.
Estariam os EUA pretendendo substituir a Europa na liderança da luta contra o aquecimento global? Manuel de Castro, catedrático da Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha) e um dos autores do último informe do IPCC (o painel de especialistas da ONU), diz que ainda é cedo para garantir isso – “no ano que vem em Paris teremos uma excelente ocasião para comprová-lo”, diz – mas avalia que o fato de Obama “transformar em bandeira” o relatório “poderia fazer crer que o assunto será levado mais a sério”. O presidente tem, isso sim, “muitos interesses jogando contra, começando pelas reservas energéticas fósseis que, aparentemente, irão convertê-los em autossuficientes”. Ainda não se pode afirmar que os EUA queiram se colocar à frente da ofensiva global contra as mudanças climáticas, mas se quisessem fazê-lo, a União Europeia não disputaria o posto com eles como antes. Depois de meses de negociações entre os Estados, Bruxelas aprovou em janeiro um compromisso ambiental para 2030 menos ambicioso do que o atual, o que foi interpretado como um retrocesso na sua liderança internacional em matéria de mudanças climáticas.
Foi de Washington, em contrapartida, que ontem se lançou o que seus autores consideram “o maior sinal de alarme” sobre a urgência com que os EUA devem responder ao desafio climático. “Já não estamos falando de uma realidade futura. As mudanças climáticas afetam todas as regiões do país”, afirmou John Holdren, diretor do Escritório de Ciência e Tecnologia da Casa Branca. O assessor defendeu que o novo relatório, “o mais exaustivo e com maior autoridade acerca de como as mudanças climáticas estão afetando os EUA e como o farão no próximo século” fornece dados às autoridades para decidir quais medidas devem tomar. Dados que servem para que a mudança climática seja menos abstrata para o norte-americano médio, explica ao telefone Lou Leonard, vice-presidente de mudanças climáticas de WWF nos EUA. “O relatório manda a mensagem de que o aquecimento já está acontecendo, e que se nota aqui, no quintal de cada cidadão”, acrescenta.
Em 2012, mesmo ano em que os EUA sofreram os efeitos do furacão Sandy, a região central do país era vítima de uma das piores secas da sua história, um terço da população experimentou temperaturas superiores a 38 graus durante mais de dez dias e 356 recordes de temperatura foram batidos em todo o país. O relatório Nacional do Clima analisa os efeitos desses fenômenos em oito regiões, documentando suas consequências no âmbito da saúde, do transporte, da água, das infraestruturas, da economia, da energia e da agricultura.
“Durante as últimas décadas detectamos os campos nos quais as mudanças climáticas tiveram impacto; agora, pela primeira vez, podemos conectar todos eles”, explica Jerry Melillo, presidente do Laboratório de Biologia Marinha e assessor de Obama. As mudanças climáticas “afetam a solvência e a capacidade do sistema de transporte” dos EUA e, segundo o documento, acirrarão esses efeitos em função de “inundações em aeroportos, baías, portos, túneis e linhas de trem”, e continuarão desafiando a rede de produção de energia do país e ameaçando a saúde das pessoas por causa dos “incêndios, piora da qualidade do ar, problemas de saúde mental e doenças transmitidas pela comida, pela água ou por mosquitos”.
A Casa Branca defende que o estudo servirá para convencer os céticos. Obama precisa do seu apoio, especialmente entre os republicanos da Câmara de Representantes, para aprovar medidas que permitam responder aos desafios climáticos o quanto antes. O plano de 2013 da Casa Branca contra as mudanças climáticas propunha investimentos em infraestruturas como estradas, pontes e inclusive hospitais que tenham seu funcionamento garantido durante furacões ou enchentes.
O relatório assinala que durante as últimas cinco décadas as precipitações torrenciais aumentaram 71% na região nordeste, 37% no centro do país e 27% no sul. As altas temperaturas –com uma elevação média de um grau nos últimos 100 anos– podem chegar a 4,5 graus no final do século. O texto acrescenta que o maior desafio que o país enfrenta é a elevação do nível do mar na costa Leste: a previsão é que suba mais de 10 centímetros antes do fim do século. Os especialistas destacam o esforço que a cidade de Miami terá de fazer para proteger-se, com um projeto multimilionário para evitar os efeitos das inundações. No sudoeste, as longas secas dificultarão a luta contra os incêndios.
A Casa Branca alerta também para os efeitos da mudança climática na economia. Segundo suas estimativas, a reconstrução e os danos causados pelo furacão Sandy têm um custo de 65 bilhões de dólares (144,5 bilhões de reais). Os efeitos da seca e as ondas de calor custaram outros 29,7 bilhões de dólares (66 bilhões de reais) e as consequências da piora do clima em todo o país, outros 10,9 bilhões de dólares (24,23 bilhões de reais). O relatório ainda destaca que o custo de não agir é entre quatro e dez vezes superior ao de investir agora em medidas para mitigar os efeitos da mudança climática.
Miami submersa
Maye Primera
Há o temor de que a cidade já não será a mesma quando o século XXI terminar. E que Miami será uma ruína submersa no Atlântico como consequência da gradual elevação das marés e de um século que começa com a proliferação de milionárias construções com precário planejamento ambiental, a menos de um metro acima do nível do mar. Diante das inundações que a cidade e meia dúzia de condados do sul do Estado da Flórida sofrem atualmente, essa imagem do futuro ganha cada vez mais sentido.
Miami e outras cidades próximas já costumam ficar alagadas, não só na passagem de tempestades, mas nas noites de lua cheia, quando as marés sobem. Na costa leste do sul do Estado, algumas praias e ilhas-barreira começaram a desaparecer e a água salgada começou a vazar pela rede de canais do pântano de Everglades, sobre o qual está assentada grande parte dos novos empreendimentos imobiliários da região. As autoridades locais temem que a elevação do nível do mar possa causar, em um futuro não muito distante, inundações em dois sentidos – a partir da costa e a partir do interior do pântano– e que a água salgada possa chegar a saturar as terras agrícolas e contaminar as reservas subterrâneas de água doce.
No entanto, somente quatro condados do sudeste começaram a preparar um plano para reduzir em 80% as emissões contaminadas que aceleram as mudanças climáticas e para proteger suas comunidades da eventual elevação do nível do mar. O condado de Broward, por exemplo, já está restringindo as construções em zonas de risco que estejam debaixo do meio metro da elevação sobre o nível do mar, e outros condados, como Sweetwater, planejam investir na instalação de bombas para escoar a água na direção ao oceano. Em Miami Beach, uma das áreas de maior risco e que costuma inundar até durante dias de sol, a prefeitura planeja investir 400 milhões de dólares (889 milhões de dólares) em mais de 40 estações de bombeamento e outras melhorias urbanísticas para manter as ruas secas e a salvo.
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Os EUA provam aos seus cidadãos que o aquecimento é real - Instituto Humanitas Unisinos - IHU