06 Mai 2014
As finanças islâmicas, que pretendem se definir como éticas, poderiam se beneficiar da crise de confiança que atinge o setor bancário. Mas, para além da atualidade, que relações os crentes das diversas confissões têm com o dinheiro? E o que dizem os textos sagrados a respeito?
A análise é de Virginie Larousse, redatora-chefe da revista Le Monde des Religions, 22-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Aproximando-se da Terra Prometida, Moisés adverte o seu povo: "Vocês sabem que habitamos lá no Egito e de que modo atravessamos aquelas nações. Vocês viram as abominações e os ídolos delas, feitos de madeira, de pedra, de prata e de ouro" (Deuteronômio 29, 15-16). A mensagem parece clara: a riqueza afasta de Deus.
As religiões, monoteístas ou não, são resolutamente hostis ao dinheiro? A questão não é tão certa. De fato, a esse respeito, elas desenvolveram posições muitas vezes variadas – e às vezes não isentas de ambiguidade.
Contrariamente a uma ideia solidamente fixada (especialmente nos países com forte tradição católica), as religiões não lançam o anátema sobre o dinheiro. Ao contrário. Na Bíblia hebraica, a riqueza é sinal da bênção de Deus, como testemunha a história dos patriarcas: Abraão, diz-nos o Gênesis (13, 2) era "muito rico em rebanhos, prata e ouro". Isaac colheu o cêntuplo e "foi ganhando muito, até ficar bem rico" (Gn 26, 13). A abundância é uma demonstração da generosidade de Deus.
E se quisermos acreditar na parábola dos talentos (Mateus 25, 14-30), Jesus não é contrário ao enriquecimento, já que ali se lê o elogio do servo que conseguiu frutificar o dinheiro que o seu patrão lhe havia dado.
No rastro desses irmãos mais velhos monoteístas, o Islã está bem longe de condenar o lucro – o que teria sido no mínimo problemático no contexto do florescente comércio que se desenvolvia na Arábia na época de Maomé. Além disso, o próprio Profeta era um comerciante valente nos negócios e desposou uma rica viúva, Kadija. "Deus concede a Sua misericórdia ao homem generoso nas suas aquisições, generoso nas suas vendas e generoso nas suas transações", afirma um hadith (*).
Que você possa ficar rico!
Mesmo as sabedorias orientais desenvolvem um discurso positivo sobre a riqueza, por razões evidentemente diferentes. No hinduísmo e no budismo, não é à misericórdia de um Deus transcendente – conceito estranho para eles – que se deve a posse dos bens, mas sim ao efeito de um bom karma: o indivíduo que se comportou bem nas suas vidas anteriores obtém um benefício disso na sua existência atual.
Aos olhos dos hindus, ganhar dinheiro não é só legítimo, mas também um dever para quem quiser começar uma família. Além disso, o hinduísmo desenvolve a ideia de que os homens não podem viver em harmonia se não respeitarem o dharma, o conjunto das leis naturais que variam de acordo com o lugar que o indivíduo ocupa na sociedade.
Por exemplo, o dharma do soldado difere do dharma do comerciante. Para um, trata-se de ser um guerreiro corajoso; para outro, de dirigir negócios prósperos, gesto do qual ele não deve se envergonhar absolutamente. Nas religiões chinesas, não existe a noção de karma: a opulência resulta da bênção dos antigos sobre os seus afortunados descendentes.
Além disso, é na China que a relação com o dinheiro, que sempre foi considerada como uma preocupação natural, é particularmente livre de complexos, a tal ponto de que a efígie do deus da riqueza, Cai Shen, é colocada em todos os lugares, dos templos aos restaurantes, assim como nos cartões de Ano Novo – período em que se deseja aos interlocutores: "Felicitações, que você possa ficar rico este ano!".
"Mamon da injustiça"
Isso significa que as tradições religiosas fazem o elogio dos ricos? Absolutamente não! O potencial mortífero do dinheiro é fortemente denunciado por elas. Gerador de injustiça, o dinheiro cria rancor e inveja, divide as pessoas. Judas, talvez, não traiu Jesus por 30 malditas moedas?
Pior, o dinheiro torna-se uma preocupação obsessiva para alguns: "Quem gosta de dinheiro, nunca se sacia de dinheiro. Quem é apegado às riquezas, nunca se farta com a renda. (…) A fartura do rico não o deixa dormir" (Eclesiastes 5, 9-11).
Uma análise que ecoa a de Buda, que vê no desejo a causa de todo sofrimento, e convida aquele que busca o Despertar a dominar a sua própria avidez. "A riqueza é a ruína do homem sem discernimento, não a do sábio em busca do absoluto", resume (Dhammapada, XXIV).
Ora, se existe um desejo que se revela insaciável é justamente o da busca desenfreada de bens. Jesus levou ao paroxismo este aviso: "Ninguém pode servir a dois senhores. Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro" (Mateus 6, 24). Esse dinheiro, Jesus o personifica e lhe dá um nome próprio: é o "Mamon da injustiça" (Lucas 16, 11) – uma palavra que deriva da raiz hebraica âman, que indica a estabilidade, a firmeza. Porque o dinheiro parece ser, à primeira vista, algo em que se pode ter confiança. Vem para preencher a nossa sensação de falta, o nosso medo visceral da morte. O dinheiro é a garantia de uma vida cômoda, livre de problemas.
Ao menos aparentemente, como mostra uma parábola do Evangelho de Lucas (12, 16-20): "A terra de um homem rico deu uma grande colheita. (…) Então resolveu: (…) ‘Meu caro, você possui um bom estoque, uma reserva para muitos anos; descanse, coma e beba, alegre-se!’ Mas Deus lhe disse: ‘Louco! Nesta mesma noite você vai ter que devolver a sua vida. E as coisas que você preparou, para quem vão ficar?’".
Mamon não é senão um ídolo que não cumpre as suas promessas. Diante da morte, não será de nenhuma ajuda. "É mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus", disse Jesus (Lucas 18, 25). E o Alcorão adverte: "Ai do caluniador amargo que acumulou uma fortuna e a contou e recontou! Pensa que a sua sorte o tornou imortal. Ele será lançado no Fogo de Deus" (Sura 104, 1-6).
A pobreza, uma virtude?
Se aqueles que economizam excessivamente não gozam de uma reputação particularmente luminosa, a pobreza, então, é elevado a virtude? No hinduísmo, o crente é convidado a renunciar a todo bem material na quarta idade da vida (a velhice): acredita-se que ele deve deixar a sua casa e pedir o alimento como esmola. E junto aos sufis africanos, a pobreza é a riqueza suprema, contanto que se tenha consentido livremente para seguir esse caminho.
A tradição católica desenvolveu a ideia de que o verdadeiro cristão é pobre, baseando-se em uma interpretação literal do discurso das bem-aventuranças: "Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu" (Mateus 5, 3). Certas ordens religiosas – franciscanos e dominicanos, especificamente – fazem da pobreza um ideal.
Uma visão não compartilhada pelos protestantes, para os quais é moralmente honrável ser rico. A tradição islâmica vai ainda mais longe: comprazer-se com a espoliação é algo próximo da descrença e pode criar tensões sociais, já que o pobre pode ficar com ciúmes do rico.
O Buda também percebe a pobreza como imoral: o sutra do rugido do leão conta a história de um monarca que parou de doar aos pobres, levando a população a cometer furtos e crimes para a própria subsistência.
Mais em geral, a miséria gera sofrimento. Lembremos que o próprio Buda praticou um ascetismo radical antes de conhecer o Despertar. Dando-se conta de que tais práticas austeras não lhe ensinaram nada, deu fim a elas e preconizou um caminho do meio, que consiste em rejeitar tanto o excesso quanto a austeridade abusiva.
As religiões, portanto, convidam a pessoa a relativizar a importância atribuída ao dinheiro, a "profaná-lo", para retomar a expressão do teólogo Jacques Ellul, isto é, a despojá-lo do caráter sagrado de que alguns o revestiram. Embora seja necessário para viver, ele não deve se tornar um fim em si mesmo.
É preciso "dar a César o que é de César, e a Deus, o que é de Deus", como ensina Jesus (Marcos 12, 17). A moeda é cunhada com a imagem de César, consequentemente, é de sua propriedade. O homem, como diz o Gênesis, é à imagem de Deus... e, portanto, Lhe pertence. Ao fazer isso, o Nazareno faz com que vacile o poder do príncipe, eminentemente baseado no dinheiro. Deus é o dono único do mundo, o único em quem o homem deve pôr a sua confiança: "Olhem os pássaros do céu: eles não semeiam, não colhem, nem ajuntam em armazéns. No entanto, o Pai que está no céu os alimenta" (Mateus 6, 26).
Uma mensagem que Maomé reforça, apresentando Deus como o único proprietário de "tudo o que há nos céus e na terra" (Sura 53, 42-48). Os bens nunca pertencem aos homens: eles têm apenas o seu usufruto. Embora as sabedorias chinesas não tenham desenvolvido a visão de um Deus onipotente, elas incitam igualmente à justa medida, àquele "caminho do meio" tão caro ao taoísmo: "Se compreendes que tens o suficiente, és verdadeiramente rico", escreve Lao Tzu no Tao-Te-Ching (aforismo 33).
O empréstimo a juros em discussão
Consequentemente, não é o dinheiro, mas sim o amor pelo dinheiro que as religiões condenam: a acumulação, o excesso, o desperdício ou o uso imoral da riqueza. Isso explica por que o problema do empréstimo a juros – que permite que o rico se torne ainda mais rico... sem fazer nada – atormentou muito cedo os exegetas.
"O dinheiro dado a usura não para de trabalhar, produz incessantemente mais dinheiro. É um trabalhador incansável, que não para nem aos domingos, nem nos dias de festa, que não deixa de trabalhar quando dorme", diz uma coleção anônima do século XIII.
Na Bíblia, só Deus pode criar a partir do nada. A usura, portanto, é vista como uma pretensão do homem de criar valor a partir do nada. O Deuteronômio (23, 20-21) ensina como se comportar: "Não empreste ao seu irmão com juros (…) Você poderá emprestar com juros ao estrangeiro".
Desse modo, os judeus foram capazes de emprestar dinheiro em uma época em que a usura era severamente proibida tanto aos cristãos quanto aos muçulmanos. Aos olhos dos pensadores católicos, não se pode fazer comércio do tempo, que só pertence a Deus. No Islã, a usura teria sido proibida pelo próprio Deus: "Deus permitiu a venda e proibiu a usura" (Sura 2, 275).
Além disso, a sharia proíbe essa prática, mas também proíbe que se façam transações desconectadas da economia real (os bancos islâmicos não adquirem créditos, mas gerenciam bens concretos) ou com fins especulativos (daí a sua reticência em relação ao sistema capitalista) e que se invista em atividades não éticas (álcool, armas, tabaco, jogos).
Certamente, foram imaginados meios para contornar a proibição da usura, tanto da parte católica quanto muçulmana, mas é o protestante Calvino, no século XVI, que mudará a situação. Crescendo na cidade muito comercial de Genebra, ele se baseou na parábola dos talentos (ou aquela muita semelhante das moedas de ouro no Evangelho de Lucas): "Senhor, tu me entregaste cinco talentos. Aqui estão mais cinco que lucrei" (Mateus 25, 20).
Calvino declara que, em um mundo ideal, a usura deveria ser proibida, mas é preciso fazer pactos com a realidade. De fato, católicos e protestantes desenvolveriam uma visão muito diferente em relação ao dinheiro, como analisou Max Weber no seu livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.
Enquanto os católicos se mostraram reticentes em relação à economia de mercado, os protestantes a acolheriam por plebiscito. Com uma ressalva, porém: a dos lucros desproporcionalmente elevados.
A preocupação de moderação encontra-se no hinduísmo, com ainda mais acuidade, razão pela qual se aquele que recebe emprestado não é capaz de pagar a sua dívida ele deverá fazê-lo... na sua vida futura.
A nobreza do dom
O problema, como se vê, não é tanto ter dinheiro, mas sim fazer bom uso dele. O dinheiro não é feito para ser conservado egoisticamente, deve circular e servir aos mais necessitados. Por exemplo, o judaísmo, no Deuteronômio, propõe uma legislação social extremamente audaz, embora pareça que tais prescrições permaneceram letra morta: a última parte da colheita deve ser reservada ao imigrante, ao órfão e à viúva: no ano sabático, a cada sete anos, as dívidas devem ser canceladas.
Ser rico determina uma obrigação de solidariedade que o crente não pode esquecer (aliás, a avareza faz parte dos sete pecados capitais no cristianismo) e que vem para reequilibrar o efeito potencialmente nefasto que o dinheiro pode gerar nas relações sociais.
Essa é a mensagem da história de Zaqueu do Novo Testamento (Lucas 19,1-10). O homem, cobrador de impostos, tem uma má reputação. Mas, para a surpresa da multidão e dele mesmo, é na sua casa que Jesus pede para ser hospedado durante a sua passagem por Jericó.
O rico Zaqueu decidiu, então, dar a metade dos seus bens aos pobres e restituir o quádruplo a quem havia sido lesado por sua culpa. Enquanto o seu status de pessoa rica o havia cortado até então da relação com os seus semelhantes, isso lhe permite, mediante um bom uso, criar laços sociais. "Usem o dinheiro injusto para fazer amigos, e assim, quando o dinheiro faltar, os amigos receberão vocês nas moradas eternas", aconselha Jesus (Lucas 16, 9).
Uma recomendação que tem até força de lei no Islã, no qual o zakat (a esmola legal) faz parte dos cinco pilares da fé – as obrigações de todo muçulmano. Ela permite que se purifique a riqueza favorecendo a justiça social.
A generosidade desempenha um papel fundamental também nas religiões não monoteístas: o hinduísmo e o budismo a consideram portadora de bom karma. Segundo o Buda, o dinheiro não é negativo como tal. É o uso que dele se faz que o transforma em uma fonte de karma bom ou mau: "A grande riqueza que é usada corretamente não está destinada a se perder, mas sim a ser consumada para a felicidade. Ninguém se aproxima da água fresca que se encontra em uma região selvagem para beber. Essa água corre em vão, inutilmente. Semelhante é a riqueza acumulada pelo homem egoísta. Ele não a usa nem para si, nem para doá-la. O homem que tem um pensamento forte e que acumulou uma riqueza a consome e a usa para realizar os seus deveres. Ele alimenta os seus pais e os seus amigos. Ele, que tem um coração nobre, sem culpa, depois da morte, vai para a felicidade celeste" (Aputtaka-Sutta).
A redistribuição das riquezas e a nobreza do dom são um poderoso leitmotiv nos textos sagrados.
Uma surpreendente modernidade
No fundo, o discurso das religiões sobre o dinheiro leva a se interrogar sobre questões fundamentais: o que o dinheiro faz de mim? Que sentido dará à minha vida? De maneira mais ou menos radical (de maneira forte no catolicismo, muito mais temperada na China), as tradições religiosas encorajam o homem a se situar no ser e não no ter. Ensinam que a verdadeira riqueza não é (ou não é apenas) material.
Diz-se muitas vezes que as religiões são superadas pela modernidade, portadoras de uma mensagem de outra época. Nesse âmbito, a ética por elas proposta ressoa com uma surpreendente modernidade.
Nota:
(*) Os hadith designam palavras não corânicas atribuídas ao Profeta, que fazia uma clara distinção entre as suas declarações pessoais e as do Alcorão.
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A riqueza afasta de Deus? Uma análise inter-religiosa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU