14 Abril 2014
O período de transição entre a ditadura e a democracia no Brasil ainda não terminou. A estratégia estabelecida pelo general Ernesto Geisel de promover uma abertura lenta, gradual e segura está inconclusa.
A reportagem é de Edelberto Behs, publicada pela Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação - ALC, 09-04-2014.
A análise é do cientista social Anivaldo Padilha, em "conversatório", na quarta-feira, 9, no Instituto de Ética das Faculdades EST, em São Leopoldo.
Anivaldo foi líder da juventude metodista e participou da luta pela democracia no período do regime militar. Foi preso e torturado em 1970, esteve exilado por 13 anos no Chile, Estados Unidos e Suíça.
"Há muito entulho autoritário que tem que ser removido", disse. Apontou resquícios da ditadura que perduram até hoje, como são as policias militares criadas em 1967 na qualidade de força auxiliar das Forças Armadas para combater o inimigo interno - o povo, o trabalhador. O sistema político eleitoral continua o mesmo, cuja estrutura favorece o poder econômico, fonte de toda a corrupção
Padilha integra a Comissão da Verdade que analisa o papel das igrejas durante o regime militar no país. Ele apresentou, no encontro em São Leopoldo, resultados que a comissão conseguiu apurar até o presente momento.
A Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) foi a que talvez mais apoiou o golpe civil militar de 1964. O Instituto Presbiteriano Mackenzie transformou-se no principal centro do Comando de Caça aos Comunistas. Batistas também comemoraram o golpe e a presidência da Igreja Presbiteriana Independente (IPI) manteve estreita relações com militares golpistas.
Bispos e pastores da Igreja Metodista denunciaram fieis publicamente em sermões e em concílios. Em 1968, metodistas fecharam a Faculdade de Teologia, em São Bernardo, e expulsaram a maioria dos estudantes porque tinham convidado o "bispo vermelho", dom Hélder Câmara, como paraninfo de uma turma de formandos.
"A 'comunofobia' permeou igrejas na época", lembrou Anivaldo. Elas legitimaram o golpe e a ditadura postando-se contra o perigo do comunismo e na defesa da civilização cristã ocidental.
Também a Igreja Católica avalizou o golpe. No dia 19 de março de 1964, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, apoiada pela igreja, reuniu 500 mil pessoas em São Paulo. Senhoras católicas da classe média estavam saturadas do governo do presidente João Goulart, afirmou.
O próprio dom Paulo Evaristo Arns, depois um ferrenho opositor ao regime militar e esteio do projeto Brasil Nunca Mais, "foi ao encontro das tropas lideradas pelo general Olímpio Mourão Filho, que veio de Minas Gerais, para abençoá-las", assinalou o líder metodista. Dom Geraldo de Proença Sigaud, de Belo Horizonte, chegou a escrever um catecismo anticomunista.
A imprensa distorcia fatos e realidade, e igrejas justificavam o golpe de 64. O conluio entre o governo militar e a Igreja Católica rompeu-se no governo do general Emílio Garrastazu Médici, com bispos se pronunciando contra a tortura praticada em presos políticos pelos repressores.
Além disso, começavam a soprar os ventos da Teologia da Libertação. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, sob a liderança de dom Aloísio Lorscheider e dom Ivo Lorscheiter, deu sustentação aos bispos que eram radicalmente contra a ditadura.
Padilha manifestou uma preocupação: o caldo que serviu de base cultural para a implantação da ditadura está presente ainda hoje no campo evangélico, afora as históricas. Hoje, não é mais o combate ao comunismo que as move, mas a homofobia, os direitos reprodutivos, os direitos da mulher.
Outro fator analisado por Padilha, e elite brasileira nunca conviveu bem com a democracia. Nos 125 anos de regime republicano, o Brasil teve apenas 34 anos de democracia. Regra tem sido a ditadura, exceção no país é a democracia, mencionou.
Do material analisado pela Comissão constata-se que existe mais pesquisa sobre colaboração de protestantes com a ditadura e pouco material sobre a resistência protestante ao regime militar, o inverso do que acontece com fatos envolvendo a Igreja Católica.
No conversatório, Padilha mencionou protestantes engajados no combate ao regime de exceção, lembrando os nomes dos presbiterianos Paulo Wright e Ivan Mota Dias, da metodista Heleni Guariba, mortos sob tortura; dos jovens metodistas Celso e Fernando Cardoso da Silva; do missionário estadunidense presbiteriano Richard Shaull, um dos que plantaram as sementes da Teologia da Libertação em solo brasileiro; do luterano Breno Schumann, morto em misterioso acidente de trânsito.
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