Por: André | 27 Março 2014
Serpente do mar da Igreja católica, a questão da autonomia das Igrejas locais em relação ao centro romano volta nesses últimos tempos ao primeiro plano, e, às vezes, de maneira surpreendente.
A reportagem é de Aymeric Christiensen e publicada no sítio da revista francesa La Vie, 21-03-2014. A tradução é de André Langer.
Último ressurgimento registrado: “o caso [Fabianne] Brugère”, do nome desta filósofa cuja palestra foi cancelada na quarta-feira, 19 de março, pela Conferência dos Bispos da França (CEF).
Nós já fizemos referência na semana passada à polêmica sobre esta decisão controversa que, como destaca Stéphanie Le Bars em seu blog no Le Monde, “demonstra que as fortes dissensões, atualizadas no debate sobre o casamento para todos, persistem no interior da Igreja católica”.
Para além das razões exatas dessa mudança de programa – quer se trate da pressão de alguns católicos, como foi dito com frequência, ou da divisão real dos bispos entre si sobre a oportunidade desta palestra nesse contexto (um dia de formação é um lugar para abrir um debate?) –, um texto do padre Louis-Marie Guitton, no sítio do Observatorie Sociopolitique da diocese de Fréjus-Toulon, chegou a suspeitar de uma forma de galicanismo por parte da CEF: “No momento em que o Papa Francisco se diz favorável ao exercício de uma verdadeira subsidiariedade na Igreja, é de se temer que os velhos demônios do galicanismo não estejam todos mortos. Os ‘serviços ou comissões’, sejam elas nacionais, não são ‘a Igreja da França’”.
As conferências episcopais podem ser autônomas, ou os bispos (“sucessores dos apóstolos”) devem estar sempre em total comunhão entre si, e a fortiori com o papa? A questão de fundo não é de hoje, e deixou na memória um famoso debate entre o cardeal Joseph Ratzinger e o cardeal Walter Kasper, no início de 2000. O futuro Bento XVI defendeu uma visão de Igreja universal como “uma realidade ontológica e cronologicamente anterior a qualquer Igreja particular singular”, ou seja, um centro e múltiplas comunidades locais; uma visão criticada por aquele que era então o secretário do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos (do qual seria em seguida presidente), defensor da ideia de um primado das Igrejas locais.
Todo o problema eclesiológico consiste em determinar o estatuto exato das Igrejas nacionais sob a forma de conferências episcopais. Contrariamente ao bispo, que preside em sua diocese de maneira autônoma, as conferências episcopais não têm realidade sacramental. Podem, portanto, ter uma autoridade disciplinar concreta, até mesmo uma autoridade doutrinal? Com o risco de levar a uma comunhão fragilizada?
É a opção que parece privilegiar o cardeal Lorenzo Baldisseri, secretário-geral do Sínodo dos Bispos. Ele expressa isso claramente numa entrevista que concedeu ao nosso colega Jean Mercier em nossa edição especial sobre o Papa Francisco: “O processo de descentralização se dá na medida em que damos importância às conferências episcopais e aos outros organismos regionais e continentais. Na Evangelii Gaudium, o papa recorda o Concílio Vaticano II ao afirmar que, de modo análogo às antigas Igrejas patriarcais, as conferências episcopais podem ‘contribuir de múltiplas e fecundas maneiras para que o sentimento colegial se realize concretamente’. Como? Estabelecer que as conferências episcopais possam ser os ‘sujeitos de atribuições concretas, e inclusive de uma certa autoridade doutrinal autêntica’”.
Este parece ser, em todo o caso, o roteiro sobre o qual avança, atualmente, o C8 dos cardeais.
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Podem as Igrejas nacionais ser autônomas? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU