26 Março 2014
A Agenda de Desenvolvimento pós-2015 da ONU não deveria simplesmente estender os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM ou reformulá-los, mas sim focar-se nas reformas sistêmicas globais e garantir um ambiente internacional favorável ao desenvolvimento sustentável.
A reportagem é de Yilmaz Akyuz, publicada pelo Inter Press Service, 24-03-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Os ODM estão baseados numa visão de desenvolvimento centrada no contribuinte com um foco na pobreza e assistência. Eles não acolhem um amplo segmento da população no mundo em desenvolvimento, em particular nos países de renda média, que ficam de fora dos limites estabelecidos pelos ODM, e que ainda têm suas aspirações de desenvolvimento não realizadas.
Há o acordo de que o desenvolvimento constitui muito mais do que a soma total dos ODM ou de qualquer coleção arbitrária de um número limitado de metas específicas. Porém, não é possível alcançar um acordo internacional sobre todas as dimensões importantes do desenvolvimento econômico e social e da proteção ambiental.
Qualquer acordo internacional sobre tais objetivos específicos de desenvolvimento naturalmente seria seletivo, omitindo muitas dimensões às quais vários países possam atribuir importância especial.
Não há gotejamento automático do crescimento econômico para o desenvolvimento humano e social.
Assim, em vez de se focar sobre objetivos seletivos específicos nas áreas do desenvolvimento econômico e social e da proteção ambiental, deveríamos ter como objetivo a criação de um ambiente internacional favorável que permita a cada país perseguir objetivos desenvolvimentistas segundo suas próprias prioridades com as políticas de sua própria escolha.
O crescimento econômico sustentável é absolutamente necessário para o progresso na questão social. País algum conseguiu alcançar melhorias constantes nos padrões de vida e nos indicadores de desenvolvimento humano sem passar por um período acelerado de crescimento econômico.
Sem isso, o progresso no desenvolvimento humano e social dependeria, claro, de mecanismos externos e internos de transferências, ou seja, ajuda e redistribuição dos gastos públicos, respectivamente. Dado haver limites para tais transferências, o progresso social não pode ir muito longe sem um ritmo adequado de geração de renda e trabalho.
A industrialização é essencial para a redução das lacunas na renda, na produtividade, na tecnologia e de formação profissional com as economias mais avançadas, visto que há limites para o crescimento e desenvolvimento nas economias dependentes de commodities e de serviços.
Sabemos também que não há um gotejamento automático do crescimento econômico para o desenvolvimento humano e social. As políticas e instituições são necessárias para traduzir o crescimento econômico em desenvolvimento social.
A criação de emprego é a chave para as melhorias nos padrões de vida e para o desenvolvimento humano. Mas o crescimento econômico não está, necessariamente, associado à criação de postos de trabalho num ritmo necessário para absorver, de forma completa, a força de trabalho em crescimento. Portanto, precisa-se de políticas ativas para oferecer oportunidades seguras e produtivas de trabalho.
A equidade é um ingrediente importante de coesão social e de desenvolvimento. A prevenção da desigualdade desenfreada na distribuição de renda exige intervenção nas forças de mercado, políticas orientadas e corretivos.
A industrialização e o desenvolvimento não podem ser deixados para as forças de mercado apenas e, muito menos, para os mercados globais. O desenvolvimento de sucesso não está associado nem com a autarquia nem com a plena integração nos mercados mundiais dominados por economias avançadas, mas sim com integração estratégica no comércio, no investimento e nas finanças projetadas para usar os mercados estrangeiros, a tecnologia e as finanças na busca do desenvolvimento industrial nacional.
Para ter sucesso, os países em desenvolvimento precisam ter um espaço político adequado. No entanto, o espaço político destas nações é consideravelmente mais estreito do que aquele desfrutado pelas economias avançadas hoje no curso de sua industrialização. Isso por causa da tendência – por parte daqueles que chegaram no topo – de “chutar a escada depois de lá chegar” e de negar aos demais o tipo de políticas que eles perseguiram ao longo de seu desenvolvimento.
Faz-se necessário reformar acordos multilaterais e bilaterais para permitir, aos países em desenvolvimento, o mesmo espaço político-econômico que as economias avançadas tiveram no curso de sua industrialização e desenvolvimento.
Os países em desenvolvimento também desfrutam de muito menos espaço ambiental do que aquele das economias avançadas no curso de sua industrialização, e portanto enfrentam maiores dificuldades no crescimento e desenvolvimento sem comprometer o bem-estar das gerações futuras.
Assim, igualmente se faz necessário agir no nível internacional a fim de aliviar as dificuldades ambientais relacionadas com o crescimento econômico e com o desenvolvimento nestes países e de compensar os custos infligidos sobre eles pela deterioração ambiental resultante de anos de industrialização das economias avançadas.
Por fim, há a necessidade de se ter um ambiente econômico global favorável de desenvolvimento. Precisamos de mecanismos que evitem as repercussões adversas e choques nos países em desenvolvimento advindos de políticas das economias avançadas ou dos impulsos desestabilizadores dos mercados financeiros internacionais.
Um espaço político adequado e um ambiente econômico global favorável ao desenvolvimento exige ação no nível internacional em vários frontes:
– Rever as regras e acordos multilaterais buscando melhorar o espaço político nos países em desenvolvimento para a busca do crescimento econômico e desenvolvimento social.
– Ficar atento ao regime de propriedade intelectual internacional buscando facilitar o alcance tecnológico e melhorar os padrões de saúde e educação, além da segurança alimentar, nos países em desenvolvimento.
– As políticas industriais, macroeconômicas e financeiras dos países em desenvolvimento são severamente restringidas por tratados bilaterais de investimentos e por acordos de livre comércio assinados com as economias avançadas. Estes acordos são projetados com base numa perspectiva empresarial, corporativa, e não numa perspective de desenvolvimento, além de darem poder considerável para investidores estrangeiros e empresas nos países em desenvolvimento. Eles precisam ser revisados ou desfeitos.
– Remover termos desfavoráveis aos países em desenvolvimento dependentes de commodities presentes em contratos com empresas/corporações transnacionais para capacitá-los a acrescentar mais valor a suas commodities e obter mais receitas a partir das atividades relacionadas a elas.
– Introduzir mecanismos multilaterais para disciplinar as políticas nas economias avançadas para prevenir consequências adversas a países em desenvolvimento, incluindo subsídios agrícolas, restrições a movimentos trabalhistas, transferência de tecnologia, políticas protecionistas e taxas de câmbio.
– Estabelecer mecanismos para trazer maior estabilidade às taxas de câmbio das moedas de reserva e evitar desvalorizações competitivas e guerras cambiais.
– Reduzir os desequilíbrios globais no comércio através do crescimento mais rápido da demanda interna, renda e importações em países com crescimento lento e grandes superávits em conta corrente no intuito de permitir um espaço maior para políticas expansionistas deficitárias nos países em desenvolvimento.
– Reverter a tendência universal da crescente desigualdade de renda deveria ser uma meta global. Isso exige reverter a queda secular na participação do trabalho na renda da maioria dos países.
– Regular sistematicamente as instituições financeiras importantes e os mercados, incluindo bancos internacionais, agências de notação e mercados para os derivados de commodities buscando reduzir a instabilidade internacional financeira e a instabilidade dos preços das commodities.
– Estabelecer procedimentos imparciais e ordenados para a dívida soberana internacional a fim de prevenir o colapso dos países em desenvolvimento que enfrentam a balança de pagamentos e crises da dívida.
– Garantir uma justa e equitativa alocação do carbono utilizável entre as economias avançadas e os países em desenvolvimento, levando em conta as contribuições cumulativas das economias avançadas para a poluição atmosférica.
– Introduzir impostos internacionais em áreas tais como a de transações financeiras ou a energética para gerar fundos de cooperação ao desenvolvimento bem como para financiar os custos da mitigação da mudança climática e da adaptação nos países em desenvolvimento.
– Reformar a governança econômica internacional de maneiras compatíveis com a participação e o papel, cada vez maiores, dos países em desenvolvimento na economia global. Reexaminar o papel, a responsabilidade e a governança de instituições especializadas tais como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio, além do papel que a Organização das Nações Unidas – ONU pode desempenhar na governança da economia global.
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Indo além dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU