Por: Cesar Sanson | 06 Janeiro 2014
"O fato relacionado aos povos indígenas que mais chamou atenção no final de 2013 foi a morte do cacique Ivan Tenharim e os acontecimentos de violência e destruição que seguiram e sobre os quais seguem interrogações e dúvidas até hoje. Apesar da repercussão em nível nacional pouco se tem falado sobre a questão de fundo, ou seja, o clima de hostilidade e de preconceito implantado contra os Tenharim, desde que a estrada atravessou seu território em meados da década de 70. Espero contribuir com a reflexão a esse respeito", escreve Egon Heck, Cimi-MS, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.
Eis o artigo.
Numa entrevista de julho de 1975, Eliane Cantanhede afirmou: “Nada tem sido mais dramático para a sobrevivência das tribos indígenas brasileiras que a construção de estradas em seus territórios. Pela estrada vem o branco, o vírus das doenças, os germes da mendicância, da violência, da prostituição” (Veja 16/07/1975).
As recentes violências em Humaitá, AM, tocam numa das feridas das veias e vias abertas na Ditadura Militar no Brasil. Ao ordenarem, em sua estratégia geopolítica e econômica, que se rasgasse a densa floresta amazônica em todas as direções, não apenas se estava abrindo estradas de invasão (chamado de vias da integração, do desenvolvimento, do deslocamento do nordeste da seca para a Amazônia sem gente!), mas caminhos de genocídios de inúmeros povos e comunidades indígenas que estavam sob os traçados das estradas. E foi nesta política que o território Tenharim foi rasgado pela Transamazônica, BR-230, na década de 1970.
Para Egydio Schwade, “a investigação da Comissão Nacional da Verdade sobre a violência sofrida por índios terá que apontar o que ocorreu com os Cinta Larga e Suruí, na região dos rios Aripuanã e Rooswelt, entre Rondônia e Mato Grosso; os Krenhakarore do rio Peixoto de Azevedo, na rodovia Cuiabá-Santarém (conhecidos como Índios Gigantes); os Kanê ou Beiços-de-Pau do Rio Arinos no Mato Grosso; os Avá-Canoeiro em Goiás; Parakanã e Arara no Pará, entre outros, em função dos projetos políticos e econômicos da Ditadura”.
“As investigações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) pela região Amazônica indicam um verdadeiro genocídio de índios durante o período da ditadura militar. Não há como falar em um número exato de mortos devido à falta de registros. Os relatos colhidos, no entanto, apontam que cerca de oito mil índios foram exterminados em pelo menos quatro frentes de construção de estradas no meio da mata, projetos tocados com prioridade pelos governos militares na década de 1970” (Construção de rodovias no governo militar matou cerca de 8 mil índios, por Luciana Lima , iG Brasília, 25/09/2013).
O referido texto, que além de denunciar o massacre de mais de dois mil Waimiri-Atroari pela construção da BR-174 (Manaus-AM a Boa Vista-RR) se refere especificamente às trágicas consequências da construção da Transamazônica para os povos indígenas. “A Transamazônica foi escolhida como prioridade e, por isso, representou uma verdadeira tragédia para 29 grupos indígenas, dentre eles, 11 etnias que viviam completamente isoladas. Documentos em poder da Comissão da Verdade apontam, por exemplo, o extermínio quase que total dos índios Jiahui e de boa parte dos Tenharim. O território dessas duas etnias está localizado no sul do Estado do Amazonas, no município de Humaitá”.
Essa é a hora da verdade. A Comissão Nacional da Verdade, juntamente com a Comissão Indígena da Verdade e Justiça deverão, com urgência, fazer um detalhado documentário sobre as graves consequências da violência e mortes acarretadas a esse povo pela estrada. Registrar o genocídio que acarretou a construção da Transamazônica, o que ela significou para dezenas de povos, dentre eles os Tenharim. É o momento do povo brasileiro conhecer melhor a verdadeira história dos massacres e não ser mais uma vez jogada contra os índios, estimulando o ódio e o preconceito.
Os povos indígenas, maiores vítimas desse modelo desenvolvimentista, têm denunciado reiteradas vezes essas tragédias, dos índios e as estradas. Entidades como o Cimi, vêm a quatro décadas denunciando as consequências dessas rodovias da morte para comunidades e povos indígenas.
A continuidade desse modelo de progresso a qualquer preço, do qual mais uma vez os povos indígenas são as maiores vítimas, fica evidenciado nos grandes projetos como as hidrelétricas de Belo Monte, no Xingu e as planejadas para o Rio Tapajós, dentre outros.
O que a violência de Humaitá revela
A violência que significa uma estrada que passa por um território indígena. Os Tenharim sentiram o golpe que significou a transamazônica atravessando seu território, abrindo-o para a invasão de interesses econômicos, principalmente madeireiras e mineradoras. São mais de três décadas de permanentes agressões aos índios e ao seu território.
Margarida Tenharim denunciou à Comissão Nacional da Verdade as centenas de indígenas mortos por ocasião e em consequência da estrada. Eu vi, diz ela, as mortes de adultos, jovens e crianças... foram muitos. Passaram por cima de nossos cemitérios... Estão querendo guerrear de novo, mas nós vamos lutar pelos nossos direitos. Outra liderança fala da dependência que veio a partir da estrada e mostrar o preconceito e animosidade que persiste: “Ainda hoje tratam nós como bicho”.
Essa situação revela a urgência de se estabelecer normas definitivas, superando a política colonialista e integracionista, aprovando o Estatuto dos Povos Indígenas e o Conselho Nacional de Política Indigenista.
Nota:
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As estradas e os índios - Instituto Humanitas Unisinos - IHU