17 Novembro 2015
A previsão do FMI é que a economia brasileira irá encolher 3% neste ano e 1% em 2016. Há uma boa chance de que, no futuro, esses números sejam as principais marcas desses dois anos.
A resenha é de Felipe Gutierrez, publicada por Folha de S. Paulo, 14-11-2015.
O PIB é a medida dominante do desempenho da economia e a maneira mais comum de avaliar se o país está bem. A ideia de um único índice como um número que sumariza o desempenho de toda a economia de uma nação é recente. E também é errada, argumenta o historiador da economia e ambientalista Dirk Philipsen, da Universidade Duke (EUA).
Ele publicou o livro "Little Big Number" [Pequeno grande número"] para descrever como o PIB foi inventado, como esse cálculo conquistou rapidamente a supremacia da macroeconomia e por que, no entendimento de Philipsen, trata-se de um número de pouca qualidade.
A primeira vez que se calculou qual era a renda de uma nação foi em 1933, nos EUA. Já era nítido que o país estava em uma grande depressão, mas não havia uma medida do tamanho da diminuição da atividade.
Um economista de origem russa chamado Simon Kuznets comandou os estudos e estimativas e os publicou em um relatório chamado "Renda Nacional 1929-1932".
Kuznets já vinha se esforçando para tentar fazer um cálculo do total dos produtos e serviços de um país em um período, mas foi a pressão política de senadores dos EUA que permitiu recursos e especialistas para que fosse possível criar um índice que traduzisse a economia em uma única medida.
"Apesar de as pessoas não o saberem então, ["Renda Nacional 1929-1932"] representou um passo gigantesco em direção a uma articulação de objetivos econômicos. Não é exagero dizer que hoje, toda a economia mundial segue o script básico que foi inicialmente redigido nesse relatório", escreve Philipsen.
O PIB foi apresentado ao mundo em janeiro de 1934, no Senado dos EUA. Não demorou muito para que o Produto Interno Bruto se tornasse o dado ao qual se dá mais importância entre todas as informações econômicas que um país gera.
O cálculo das contas nacionais ajudou os EUA na Segunda Guerra –o número foi usado pelos norte-americanos para saber o quanto sua indústria bélica aguentaria produzir.
Em 1944, quando se formalizou a criação do Banco Mundial e do FMI, o PIB já era uma referência para os países desenvolvidos. Em 1954, todas as nações capitalistas adotaram a medida, seguindo uma resolução da ONU. Havia se passado 20 anos de sua estreia.
Distorções
O problema é que o número favorece a quantidade de transações de maneira indiscriminada. Philipsen dá exemplos de itens essencialmente ruins que são positivos para o PIB: liquidar os ativos de um negócio infla a economia no curto prazo, mas é um algo que deve ser evitado. Uma batida de carro movimenta o PIB, assim como um vazamento de óleo, mas são acontecimentos essencialmente negativos, argumenta.
Além disso, há muito que ele deixa de fora. Se um casal cuida de seu próprio filho, o PIB não se mexe. Mas se o mesmo trabalho for feito por uma babá, a economia cresce.
O principal problema, no entanto, é que o número fácil de entender, que ora cresce 7%, ora diminui em 3%, tornou-se quase que o único objetivo a ser perseguido. "O número deixou de ser uma descrição da economia e virou uma prescrição do que deve ser feito", diz o autor, em entrevista à Folha.
O autor concede que a questão que o livro se propõe a discutir tornou-se mais urgente, mas não é nova. Ela já foi colocada no passado por outros economistas, inclusive Kusnetz.
Philipsen cita o criador do PIB, que já em 1937 escreveu que era necessário criar um índice que "subtraia custos implícitos na civilização econômica".
A questão é colocada logo na introdução, para ser repetida ao longo do texto: "A nossa medida mais relevante de desempenho não diz nada a respeito da qualidade de vida ou mesmo se nossas atividades são viáveis. Ela só nos diz quantas coisas foram produzidas e quanto dinheiro foi trocado de mãos. E o resultado é que diferentes culturas no mundo inteiro promovem, literalmente, o crescimento cego e irracional –e cada vez mais perigoso".
Citando o economista Thomas Piketty, ele diz que a era de crescimento dos PIBs nacionais será finita, e que em 20 anos isso será nítido para todos, mas até lá isso trará problemas.
Alternativas
No fim do livro, o autor cita iniciativas que contemplam as deficiências que ele enxerga no cálculo do PIB. Ele as separa em categorias: uma delas são números mensurados em dinheiro, assim como o atual, mas mais espertos; outras são indicadores de qualidade de vida não-monetários.
Entre os primeiros que aparecem no livro estão o GSI (genuine savings indicator), do Banco Mundial, e uma série de PIBs "verdes" que subtraem do resultado final as atividades que torpedeiam a capacidade do ambiente de produzir. Entre os índices não monetários está a pegada ecológica, que mede quantos mundos seriam necessários para manter um determinado padrão de vida.
Uma terceira possível forma de medir a economia seria uma mistura de formas monetárias e não-monetárias, como o Índice de Desenvolvimento Humano, das Nações Unidas, e o Índice de Felicidade (HPI, "Happy Planet Index"), de um centro de pesquisas londrino chamado New Economics Foundation, que foi imaginado para ser usado em composição com números monetários.
Porém trocar a métrica é enormemente difícil, diz Philipsen. Para ele, a ideia de que um PIB robusto resolve todos os problemas (ambientais, sociais, de justiça etc.), embora errada, é arraigada nas cabeças de quase todos.
"Quando você, como um brasileiro, e eu, como um americano, falamos sobre 'a economia', temos um entendimento comum, e ele é 100% baseado no que é medido pelo PIB. É algo tão internalizado que não conseguimos imaginar relações internacionais, comércio, finanças, desempenho econômico fora desse regime. E há interesses para que isso continue assim, mas há boas alternativas que podem, ao menos em teoria, substituir esse indicador."
THE LITTLE BIG NUMBER
AUTOR Dirk Philipsen
EDITORA Princeton University Press