06 Novembro 2015
O policial que matou o menino Eduardo, de 10 anos, com um tiro de fuzil na cabeça no passado mês de abril no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, agiu em legítima defesa. A conclusão é do inquérito realizado pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil e isenta de qualquer responsabilidade os agentes envolvidos na suposta operação contra narcotraficantes que acabou com a morte de Eduardo, que brincava na porta de casa a apenas cinco metros da arma de guerra do seu assassino.
A reportagem é de María Martín, publicada por El País, 05-11-2015.
Terezinha Maria de Jesus, mãe do menino, recebeu a noticia na terça-feira por jornalistas. Estava sozinha num quarto do hotel do Rio e entrou numa crise de choro e raiva. Ela teve vontade de “quebrar tudo”. “Eu não vou deixar passar, vou pedir uma nova investigação. Eu prometi ao meu filho que sua morte não ficaria impune”, disse Terezinha ao EL PAÍS.
O laudo da Polícia Civil, que demorou sete meses em ser concluído, entende que os policiais entraram em confronto com traficantes do complexo de favelas e erraram o tiro que atingiu a criança. O policial que atirou estaria a cinco metros de Eduardo, segundo a investigação.
Terezinha insiste em que aquele dia o único tiro que ela ouviu foi o que acabou com a vida de seu filho, uma morte que abalou o país e evidenciou, mais uma vez, as práticas da polícia em comunidades teoricamente pacificadas como é o caso do Alemão. “Eu nunca teria deixado ele sair se estivesse tendo um tiroteio. Ele mesmo, quando havia tiro, me avisava: ‘mãe vamos para o quarto’. Foi um crime absurdo, meu filho estava de costas. Estou sendo condenada”, diz Terezinha.
Após o estrondo do disparo, Terezinha saiu de casa e encontrou os restos do seu filho esparramados. Ela não esquece daquela imagem, assim como o confronto que ela protagonizou com os policiais e que motivou sua mudança do Rio para sua terra natal, o Piauí, por segurança. “Eu parti para cima do policial e o agredi ao tapa. Gritei que tinha matado meu filho e ele me respondeu, com seu fuzil na minha cabeça, que igual que tinha matado ele poderia também me matar, porque o menino era filho de bandido. Nunca vou esquecer aquilo. Posso estar em qualquer lugar do mundo, que nunca esquecerei a cara daquele policial”, relata Terezinha que perdeu toda a expressão do rosto.
O próprio Estado do Rio indenizou em seguida Terezinha por danos morais e materiais ao considerar a responsabilidade policial. "Foi um erro que ninguém admite", disse na época o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB). Nenhum policial, no entanto, foi indiciado. Nessa mesma semana, também no Complexo do Alemão, Elizabeth Alves de Moura Francisco, de 41 anos, foi baleada dentro de casa com dois tiros nas costas.
Terezinha considera-se morta desde aquele 2 de abril e relata o abandono do pai de Eduardo após receber a indenização, tentativas de suicídio, pesadelos, e mudanças de casa por medo de ser encontrada. “Dois homens e uma mulher apareceram no cemitério perguntando pelo túmulo do meu filho e o vigia me avisou. Ficaram rondando minha casa e tive que me mudar por medo”, relata.
Com a ajuda da Anistia Internacional, Terezinha vai pedir uma nova investigação. Por enquanto, a entidade vai levar o caso para o Ministério Público do Estado para que a morte do Eduardo não seja mais uma, em uma cidade onde de 2010 a 2013 morreram 1.275 pessoas em intervenções policiais, segundo dados da ONG. “A Anistia não está fazendo um favor a Terezinha, ela é uma heroína em um país onde essas mortes são invisíveis. Só a coragem das mães tem evitado a impunidade. A gravidade da conclusão do inquérito policial é a de se institucionalizar o dano colateral como parte da luta contra o tráfico. Toda nossa investigação aponta que não havia confronto quando ele foi alvejado, e mesmo tendo tiroteio nesse momento não justificaria o uso de armas de guerra, de baixíssima precisão e altíssimo impacto, em uma comunidade. Essa conclusão é uma aberração. Admitindo isso estamos dando carta branca aos policiais”, afirma Atila Roque, presidente da Anistia Internacional no Brasil.
Terezinha está no Rio antes de embarcar para uma viagem internacional de 17 dias, organizada pela Anistia Internacional, na qual levará seu caso à Suíça, Holanda, Inglaterra e Espanha. “Vou levar a realidade do Rio de Janeiro lá fora. Para que todo o mundo saiba que aqui matam inocentes, que aqui a gente não tem nome. Aqui [pela favela] somos chamadas de piranhas e vagabundas”, assegura Terezinha. Ela acredita que, no final, não só Deus trará Justiça. “Eu serei uma mulher vitoriosa, os culpados não vão escapar”.
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“Eu prometi ao meu filho que a sua morte não ficaria impune” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU