04 Novembro 2015
São duas pessoas que tinham sido escolhidas pelo Papa Francisco. E, portanto, estavam inscritas quase de ofício no novo curso de Jorge Mario Bergoglio. Por isso, a prisão de Lucio Anjo Vallejo Balda, expoente de peso do Opus Dei, e de Francesca Imaculada Chaouqui, jovem relações públicas da Ernst & Young, surpreendeu quase todos.
A reportagem é de Massimo Franco, publicada no jornal Corriere della Sera, 03-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Do lado de fora, pareceu um golpe na imagem do próprio pontífice. Ambos, o monsenhor e a sua protegida, tinham sido membros da comissão de inquérito sobre as finanças vaticanas, instituída em julho de 2013. Ela era presidida pelo maltês Joseph Zara, diretor-executivo da Market Intelligence Services Co Ltd.
Mas, dentro dos sagrados muros, sabia-se ao menos há um ano que a sua relação e a sua rede de contatos estavam desacreditados também aos olhos de Francisco.
Ainda em novembro de 2014, um expoente vaticano que conhecia muitos segredos confidenciava as perplexidades generalizadas sobre o comportamento do Mons. Vallejo Balda e da jovem lobista. "Eles tiveram acesso a documentos confidenciais, e há o risco de um Vatileaks econômico", dizia-se já na época.
Por outro lado, durante meses, eles tiveram acesso total a Casa Santa Marta, o hotel onde o papa escolheu residir. Eles garantiam contatos e informações confidenciais, servindo-se de sites e jornais complacentes. E tentavam cativar outros, oferecendo-se como mediadores. Defendiam que podiam ter contatos diretos com o papa. E, provavelmente, no início, algo de verdade devia haver: ele exibiam uma complacência típica daqueles que se sentem introduzidos no "lugar certo".
Na euforia que se seguiu à renúncia de Bento XVI e à chegada do primeiro latino-americano ao sólio de Pedro, tudo parecia possível. Os ventos de novidade escondiam as zonas obscuras, as relações entre velho e novo poder, o transformismo e a determinação dos lobbies financeiros mais influentes e secretos a conceder o mínimo ao imperativo da transparência.
Sob esse aspecto, a dupla Vallejo-Chaouqui é a metáfora de uma mudança de contornos às vezes ambíguos e de uma certa dificuldade de Francisco de conhecer exatamente o emaranhado dos bastidores vaticanos e de reconhecer as pessoas mais confiáveis.
É uma área cinzenta estendida e traiçoeira, da qual o monsenhor do Opus Dei, que se apressou para separar as suas responsabilidades das de Vallejo Balda agora que ele se encontra em uma cela da Gendarmeria Vaticana, só surgiu por excesso de protagonismo ou de esperteza.
Evidentemente, o seu modo de agir e o da sua companheira foi tão não ritual que pareceu, mais do que um sinal do novo pontificado, uma ostentação desajeitada e talvez até reluzente de poder. Chamou muito a atenção, nesse aspecto, a "festa" dada pela dupla no terraço da Prefeitura para os Assuntos Econômicos, com vista para a Praça de São Pedro, no fim de fevereiro de 2014.
Estavam sendo canonizados João XXIII e João Paulo II. E, enquanto a multidão das pessoas comuns se amontoavam dentro da colunata de Bernini, um segmento do chamado "mundo VIP" saboreava um bom vinho e comia, olhando aquela humanidade de cima.
Um encontro patrocinado, sem o conhecimento do então "ministro da Economia", o cardeal Giuseppe Versaldi. Monsenhor Balda distribuía a Comunhão aos convidados, tirando as hóstias de copinhos de papel; unindo o sagrado e o profano, sem ser atravessado por uma única dúvida.
E Chaouqui recebia os convidados como uma espécie de dona de casa. Naquela varanda, havia a marmelada político-religiosa da Roma velha e nova, do poder econômico do passado e do presente: novamente, a metáfora involuntária de uma revolução inevitavelmente contraditória.
"É um tapa, um tapa", parece que Francisco comentou quando lhe deram a notícia daquele rito muito mundano, camuflado de ocasião religiosa: ele representava tudo o que ele tinha tentado combater desde o primeiro dia.
O pontífice fez com que Vallejo Balda fosse convocado e lhe pediu contas do que tinha acontecido. O que se seguiu chegou como uma cascata. Fala-se de uma entrada proibida no Vaticano para Chaouqui há meses já. De um Francisco entristecido, mas forçado a ganhar tempo, porque ele era informado de que os suspeitos podiam vazar os documentos da comissão da qual eram membros.
No pano de fundo, pairava o temor de que a expulsão possível de Chaouqui do círculo papal pudesse ser considerada apenas como a vingança de um ambiente misógino; e a convicção de que Vallejo Balda devia ser desmascarado com provas impugnáveis. Mas a dúvida é se a reviravolta não chegou tarde demais.
A tentativa de frear outras "revelações" que prometem deturpar não só a imagem, mas também a identidade da "nova Igreja" de Bergoglio semeia perplexidade. E, no fim, volta-se para o ponto de partida: a seleção do grupo dirigente no Vaticano, a opacidade das questões econômicas e a guerra nunca acabada para assumir o seu controle.
Por isso, não deveríamos nos admirar se, no fim, a prisão de Vallejo Balda tivesse repercussões também na gestão das finanças da Santa Sé; e aumentasse as hostilidades ao "ministro da Economia", George Pell.
No início, parece que ele e Vallejo Balda foram acusados de ter a "síndrome do justiceiro": agiam de acordo para varrer tudo o que não se encaixasse nas suas lógicas. Depois, a sua aliança se rompeu, provavelmente por ambições divergentes e, no caso do prelado do Opus Dei, frustradas.
Assim, Vallejo Balda teria começado a consumir as suas vinganças, fazendo vazar notícias contra Pell, odiado por quase todo o Vaticano pelos métodos resolutos. As indicações enviadas há alguns dias pelo papa para lembrar que, à espera da reforma da Cúria, ainda valem as regras de antes e que quem as administra é o secretário de Estado, cardeal Piero Parolin, ressoa como a confirmação do redimensionamento de Pell: dentre outras coisas, um dos inspiradores da carta com que os conservadores credenciaram um resultado do Sínodo pré-constituído por Bergoglio: uma acusação intolerável.
Mas os dois acusados são peões de um jogo maior e mais sujo: outra tentativa espetacular para desestabilizar um papado, explorando os erros cometidos em nome da renovação, para desdizê-lo completamente. Uma manobra turva.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A sombra de um novo Vatileaks - Instituto Humanitas Unisinos - IHU