30 Outubro 2015
"O discurso do Senador redeiro sinaliza para um movimento de se dar novo significado à esquerda brasileira, cooptada pelo lulopetismo que, por um lado, rejeita ideias moderadas no discurso sempre presente do "nós contra eles" (principalmente em épocas eleitorais), e por outro afaga o mercado quando dele necessita", escreve Romulo Rodrigues de Carvalho, engenheiro, em artigo publicado por Brasil Post, 27-10-2015.
Eis o artigo.
Não. Não se está aqui querendo fazer uma análise categórica sobre em que espaço do campo ideológico a Rede Sustentabilidade se encontra. Será nas ações da vida parlamentar e na proposição de projetos à sociedade que se poderá realizar uma avaliação criteriosa a este respeito. Como Marina mencionou num evento recente, "A Rede é um projeto em construção". Todavia, há pontos a serem observados.
No evento em que a bancada da Rede foi apresentada ao país, a fala do Senador Randolfe Rodrigues, ex-PSOL, talvez nos dê um grande sinal sobre os caminhos futuros do partido de Marina Silva. Ele disse:
"O modelo do Socialismo, dito real, do século XX ... resultou, por alguns (casos), em autoritarismo, principalmente no Leste Europeu, e por outros (casos), em apropriação do Estado, não como coisa pública, mas como patrimônio privado. (...) É nesta crise, Marina, que tu vens para nos convidar e nos liderar para esse desafio de construir o novo no país ... com nova perspectiva de esquerda, com nova perspectiva progressista."
O discurso do Senador redeiro sinaliza para um movimento de se dar novo significado à esquerda brasileira, cooptada pelo lulopetismo que, por um lado, rejeita ideias moderadas no discurso sempre presente do "nós contra eles" (principalmente em épocas eleitorais), e por outro afaga o mercado quando dele necessita.
Esse comportamento dúbio, que nem aceita claramente as ideias moderadas da Social-democracia [1], nem as rejeita, talvez tenha sido uma das falhas que afastou a esquerda brasileira do pensamento que moldou países europeus como Dinamarca, Suécia [2] e Noruega por décadas.
Do pensamento da Terceira Via do Partido Trabalhista Britânico que, apesar de muito criticada, foi capaz de derrubar o reinado pós-Tatcheriano e furar o muro do conservadorismo inglês por quase uma década e meia.
Do pensamento social-democrata do Partido Socialista Francês, com o qual o economista Thomas Piketty, ícone da esquerda mundial, mantém relações muito próximas.
Do pensamento da esquerda liberal (social-liberal) americana (Partido Democrata), sempre próxima a pautas progressistas importantes.
Mas a lista não para por aí. Os anos do lulopetismo afastaram ainda a esquerda brasileira do incentivo à inovação e ao empreendedorismo responsável. Do pensamento econômico moderno e da responsabilidade fiscal.
Para uma fatia razoável dela, toda e qualquer inflexão a favor do livre-mercado excluirá categoricamente conquistas sociais e direitos trabalhistas. Ledo engano de quem ainda não aprendeu a "pensar fora da caixa".
Como foi publicado num belo ensaio recentemente, no debate ideológico brasileiro, Pikkety, o agora conselheiro do partido espanhol Podemos, e Paul Krugman, Nobel de Economia e pensador renomado da esquerda americana, seriam considerados direita neoliberal.
Mas esse cenário está mudando
O professor Márcio Sales Saraiva, intelectual ligado à Rede Sustentabilidade, nos alerta que ideias renovadoras do pensamento ideológico chegaram muito atrasadas ao Brasil e que por muito tempo a esquerda brasileira ficou isolada da esquerda mundial.
Todavia, com o processo de globalização da informação, essa situação de atraso vem sofrendo profundas modificações, pois a esquerda brasileira está sendo forçada a pensar em conjunto com o mundo, mesmo que ainda haja alguma resistência.
Pessoas que sempre deram seus votos à esquerda estão atentas a isso. Muitas delas ainda anseiam por uma representação política progressista nesse sentido: que busque conciliar a estabilidade econômica, o incentivo ao empreendedorismo e a inclusão social.
Todavia, os principais candidatos a ocupar este espaço são inviáveis: ou não se encaixam pelo discurso ideológico radical (PSOL), ou pela falência moral e pelo discurso ambíguo (PT) ou pela prática partidária cada vez mais longe da centro-esquerda, e em alguns momentos até mesmo conservadora (PSDB).
E daí surge a Rede.
A Rede que defende a inclusão do social;
A Rede que defende os direitos humanos;
A Rede que defende os direitos da minorias;
A Rede que defende os direitos dos animais;
A Rede que defende a erradicação da pobreza;
A Rede que defende um sistema de educação público e universal em todos os níveis;
A Rede que defende a universalização e melhoria dos serviços de saúde;
A Rede que defende o desenvolvimento sustentável;
E sim, a Rede que apóia o empreendedorismo e a inovação. A liberdade encontrada na capacidade criativa do indivíduo, desde que com responsabilidade socioambiental. Nas palavras de Marina, "o empresariado moderno que defende a sustentabilidade e pratica a sustentabilidade".
Por todas essas pautas, a Rede pode vir a ser a esquerda moderada - inclusiva, progressista, trabalhista, ambientalista e pró-empreendedorismo - que o Brasil ainda não conheceu. A esquerda capaz de furar a bolha do conservadorismo que assola a sociedade brasileira. A esquerda capaz de enfrentar Cunhas, Malafaias, Olavos e Bolsomitos. A esquerda que ouve e respeita uma diversidade tão ampla de vozes: de socialistas democráticos a sociais-liberais. A esquerda que pensa no progresso olhando para o futuro e tendo como referência o passado, e não olhando para o passado em detrimento do próprio futuro.
O tempo nos dirá se a Rede ocupará mesmo esse espaço. Mas para o bem do país, dos progressistas, das minorias, dos direitos humanos e do que sobrou da esquerda brasileira, que assim seja. Quem sabe nascerá daí uma futura Frente Ampla [3]. Talvez, apenas talvez, seja isso que Marina Silva queira dizer com "estar à frente".
Notas
[1] Social-democracia é uma ideologia política de esquerda surgida no fim do século XIX por partidários do marxismo que acreditavam que a transição para uma sociedade igualitária deveria ocorrer sem uma revolução, mas sim por meio de uma gradual reforma legislativa. Ao longo da história, sociais-democratas afastaram-se da ortodoxia marxista, adotando discursos moderados de reforma do Capitalismo através de regulamentação dos mercados e da construção de uma sistema robusto de Bem-Estar Social.
[2] A Suécia, por exemplo, é um país do norte europeu governado majoritariamente pelo Partido Operário Social-Democrata da Suécia desde 1917. Aparece ano após ano no topo das listas de países com melhores indicadores sociais e econômicos.
[3] Frente Ampla: Agremiação política uruguaia de centro-esquerda que levou Tabaré Vazquez e José Mujica ao poder, vencendo três eleições consecutivas que culminarão em 15 anos de governo com fortes tendências sociais-democratas. Até o presente momento, o governo Frente Ampla foi capaz de impulsionar a legalização da maconha, do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo num diálogo constante com movimentos sociais e com a sociedade, além de manter as estabilidades política e econômica, levando o país a ficar no topo do ranking do índice de democracia da Revista The Economist.
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O possível despertar de uma nova centro-esquerda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU