27 Outubro 2015
Foram a ausência de uma abordagem histórica e a de um ponto de vista feminina de autoridade que, muitas vezes, mantiveram o debate do Sínodo longe da realidade, que o ancorou, em grande parte, nas questões doutrinais que afetam somente de forma limitado os fiéis.
A opinião é da historiadora italiana Lucetta Scaraffia, membro do Comitê Italiano de Bioética e professora da Universidade La Sapienza de Roma. O artigo foi publicado no jornal Il Messaggero, 26-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Foi uma afirmação clara do papa no Sínodo, praticamente por unanimidade em quase todo o documento final, com uma vitória por pontos sobre o parágrafo mais controverso, aprovado, no entanto, pelos dois terços dos votantes.
Um resultado devido também à capacidade daqueles que redigiram o novo texto – finalmente utilizando uma linguagem quase normal, em vez do maçante "eclesialês" – de conciliar opiniões diferentes no olhar evangélico comum. Mas não só.
Muito se deve precisamente ao papa, à sua presença humilde e atenta durante todo o Sínodo, ao fato de ele ter se misturado entre nós sem qualquer cerimônia durante a pausa para o café, ao fato de ele ter depositado o seu casaco na chapelaria retirando com simplicidade o número para retomá-lo na saída, como todos.
Um comportamento que esclareceu logo um fato, apesar daquilo que vozes malignas faziam circular: Bergoglio não tinha nenhuma intenção de prevaricar, de forçar as decisões dos Padres sinodais. Assim, enquanto do lado de forma sucediam-se furos midiáticos dirigidos para denegrir o seu esforço e o de todos os participantes, dentro do Sínodo as feridas cicatrizavam, as opiniões diferentes no debate se suavizavam, porque emergia a vontade compartilhada de defender a família e de pensar o bem da Igreja.
É claro, o debate – vivo e, em certas ocasiões, até mesmo conflitante – existiu, e essa é uma grande notícia: depois de décadas, ouviu-se, pela primeira vez em uma reunião eclesiástica dessa importância, a força vital desencadeada por um verdadeiro debate. Sentiu-se a força da realidade, da verdade: pontos de vista diferentes, altos eclesiásticos provenientes de continentes muito diferentes, confrontam experiências verdadeiras e iluminaram problemas diferentes, mas também sentiram que estavam movidos por um desejo comum. Um desejo de tornar a Igreja mais viva, mais capaz de enfrentar as situações complexas e dolorosas que o mundo lhe impõe, uma Igreja mais corajosa e capaz de sair ao ar livre.
No debate do Sínodo, porém, duas foram as ausências: a da história e a das mulheres. A formação eclesiástica, tão centrada na teologia, muitas vezes faz com que os Padres se esqueçam que os princípios defendidos como absolutos são, ao contrário, fruto de decisões tomadas no decurso do processo histórico, ligados a determinadas condições e não a dogmas indiscutíveis: só um Padre citou o Concílio de Trento, ao qual se deve a atual sistematização da teologia da família. Tornando presente, justamente, que em Trento – em meados do século XVI – os Padres tinham sido mais concretos ao abordar a questão, menos apegados aos princípios, mas mais atentos à realidade das famílias.
As mulheres, depois, eram muito poucas e, teoricamente, não poderiam sequer falar, nem mesmo nos grupos de trabalho. Por sorte, na realidade, fomos ouvidas, e alguma coisa daquilo que dissemos até passou no documento final. Mas certamente não se pode considerar isso como uma contribuição suficiente: o problema da família só poderá ser enfrentado a sério, na vida real, quando as mulheres forem ouvidas, elas que são o coração da vida familiar, mas também, nas últimas décadas, causa da crise que a família está vivendo.
Porém, pela primeira vez – deve-se repetir e enfatizar – algumas vozes femininas foram ouvidas, e vestígios do ponto de vista das mulheres também foram retomados no documento final.
Foram a ausência de uma abordagem histórica e a de um ponto de vista feminina de autoridade que, muitas vezes, mantiveram o debate longe da realidade, que o ancorou, em grande parte, nas questões doutrinais que afetam somente de forma limitado os fiéis.
Mas, em todo o caso, foi um debate verdadeiro, vital, que restituiu a imagem e a realidade da Igreja como instituição viva, onde se debate, até se briga, como nas famílias verdadeiras. E, depois, se sente a alegria da reconciliação, que não é cedimento ou derrota, mas descoberta de que aquilo que une é mais importante do que aquilo que divide.
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A história e as mulheres não estavam no Sínodo. Artigo de Lucetta Scaraffia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU