26 Outubro 2015
"No meio de fortes resistências, Francisco recompõe uma antiga disputa". O filósofo Massimo Cacciari atribui ao fundador dos jesuítas, Santo Inácio de Loyola, "esta vitória no Sínodo".
A entrevista é de Giacomo Galeazzi, publicada no joral La Stampa, 25-10-2015. A tradução é de IHU On-Line.
Eis a entrevista.
Readmissão aos sacramentos casos por caso. O que siginifica?
Um compromisso nobre da Companhia de Jesus. O Sínodo seguiu as trilhas de Santo Inácio. Não é fazer um acordo fingindo ignorar as diferenças. É o reconhecimento da complexidade civil e ética do contexto mundano, com a necessidade de acompanhá-la nas avaliações. Não se trata de ceder aos príncípios e comportamentos mundanos. Trata-se de reconhecer a realidade para mudá-la.
Uma estratégia "política"?
Sim. Francisco não se confunde com a ética mundana, mas se coloca no interior dela para influênciá-la. É a linha dos jesuítas na América do Sul, na China, na Índia: sempre atacada pelos reacionários e radicais como Jansenio e Pascal, para os quais o Evangelho é uma espada: ou sim ou não. Na Cúria há hostilidades cujo porta-voz é também Giuliano Ferrara, contra quem leva em consideração as tranformações éticas e comportamentais. Acusam o Papa de ceder, de render-se ao mundo moderno. Não é assim.
O senhor não concorda com estas críticas?
Não. A Igreja é mais complexa que a reforma do Senado ou da minoria do PD. Francisco aplica a compreensão inaciana da contemporaneidade. Não se trata de uma mera tática política como pensam os seus inimigos internos: vem da grande mística humanística. Santo Inácio tinha como referência a Erasmo de Rotterdam e venerava São Francisco. Bergoglio nao escolheu o nome do santo de Assis para se tornar agradável ao moderno ecologismo. Ele sabe dissolver lentamente os nós. Há uma prospectiva de séculos. A Igreja termina com o fim dos tempos. O confronto que emergiu no Sínodo é verdadeiro, real, profundo. Não terminará com o Sínodo. Não é possível prever como terminará. A paciência é a virtude recomendada pelos Padres da Igreja, juntamente com uma obediência não passiva e servil, mas consciente de que a Igreja tem todo o tempo para formar os fiéis para a escuta. Julga-se Franscisco somente desta prospectiva.
O que ameaça o pontificado?
A heterogeneidade dos fins é um perigo sempre presente na história da Igreja. Bergoglio deve afrontar dois tipos de hostilidades à sua ação. Uma oposição reacionária encontra expressão numa frente minoritária que está destinada à irrevelância: são restos do velho aparato que tentam boicotar Bergoglio por espírito de conservação e que estão posicionados em trincheiras devastadas.
Há, no entanto, uma resistência mais inteligente que pude perceber dialogando com alguns bispos. Dizem que, de fato, a comunhão aos divorciados recasados já é realidade e que é uma práxis difundida. Mas temem de colocá-la preto no branco porque a readmissão aos sacramentos poderia esmaecer a sacralidade do matrimônio. Um salto que, para eles, tira a força de um princípio caso não seja colocado num adequado contexto teológico.
A doutrina é somente um pretexto?
Negar a Eucaristia aos divorciados recasados não tem um fundamento dogmático. Baseia-se na tradição. Quem não concorda com a abertura de Francisco denota um excesso de temor e de prudência. Mas ter medo é um erro. No Sínodo se propôs um dissídio secular na Igreja. Francisco é coerentemente um jesuita, na sua acepção mais nobre. No fim, conseguiu trazer consigo a maioria dos padres sinodais.
Agora o Papa é mais forte, mas o êxito do jogo permanece imprevisível. Deve desconfiar do apoio laicista de todos aqueles que querem se apropriar do Papa para o ecologismo ou outras batalhas que nada tem a ver com a profundidade da sua mensagem de fé. Os ateus de esquerda arriscam provocar ao pontificado de Bergoglio os mesmos danos que os ateus devotos e os teocon causaram ao pontificado de Ratzinger.
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"Agora o Papa é mais forte. Vence a estratégia jesuíta articulada com a tradição mística". Entrevista com Massimo Cacciari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU