07 Outubro 2015
O celibato obrigatório constitui para muitos jovens homossexuais que não querem, mesmo que inconscientemente, aceitar a própria orientação sexual um esplêndido lugar onde a questão da sexualidade é removida, apagada, não vivida.
A opinião é do sociólogo italiano Marco Marzano, professor da Universidade de Bérgamo, em artigo publicado no jornal Il Fatto Quotidiano, 06-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Os casos da vida. Cerca de 10 dias atrás, eu inaugurei o meu blog no sítio do jornal Il Fatto Quotidiano com um texto sobre o celibato obrigatório dos sacerdotes, extraído de um artigo dominical da minha investigação sobre a Igreja. Naquele artigo, eu argumentava, dentre outras coisas, que o celibato é uma regra cruel muitas vezes não respeitada pelos sacerdotes e que, entre estes, são muitos os homossexuais.
Essas afirmações, embora compartilhadas por muitos leitores, desencadearam em outros um movimento de raiva. Alguns ironizaram sobre as minhas competências acadêmicas, outros imaginaram uma grave desordem sexual minha, outros me desejaram uma punição divina, outros chegaram até a beira da ameaça física.
Não ouso imaginar a reação desses mesmos leitores diante da "saída do armário" do teólogo polonês Mons. Krzysztof Charamsa. Vestido de padre, com direito a colarinho, ele revelou que "são muitos os sacerdotes homossexuais que não têm a força para sair do armário". Exatamente aquilo que eu tinha escrito apenas alguns dias antes.
Imagino que o Pe. Krzysztof, promissor teólogo de 40 anos, até então em serviço junto à Congregação para a Doutrina da Fé e professor em algumas universidades católicas romanas, frequentou os ambientes clericais poloneses e italianos por muito mais tempo e com muito mais profundidade do que muitos dos nossos leitores aos quais o meu artigo provocou uma dor de estômago. Acredito que se deve confiar mais nele do que em muitos deles.
Além disso, a existência do fenômeno está diante dos olhos de todos aqueles que têm um pouco de familiaridade com os ambientes eclesiais, que frequentaram, como eu fiz nestes anos, centenas de paróquias e muitos sacerdotes.
Muitos destes últimos, de orientação heterossexual, em todos os cantos da península italiana, me revelaram às vezes com tons vagamente homofóbicos a sua profunda preocupação com o crescimento exponencial do número de gays nas fileiras do clero. Foram-me contados muitos episódios e algumas vezes até me foram apresentados ex-namorados "leigos" de alguns padres. Para que eu não tivesse dúvidas.
Os mesmos padres hetero identificam muitas vezes no aumento da tolerância dos bispos – que não se resignam a perder potenciais funcionários e que, portanto, impediriam a expulsão dos homossexuais dos seminários – uma das principais razões do fenômeno. Mas certamente não é a única: o celibato obrigatório constitui para muitos jovens homossexuais que não querem, mesmo que inconscientemente, aceitar a própria orientação sexual um esplêndido lugar onde a questão da sexualidade é removida, apagada, não vivida.
Ao menos por algum tempo. Até quando explode, muitas vezes sob a forma de uma paixão: por um próprio colega de estudos ou por alguém de fora. Criando – por ser vivida como pecaminosa, errada, assustadora – uma maré de danos psicológicos no jovem padre ou seminarista e no ambiente que o circunda. Um ambiente, ao menos nos anos de seminário, rigorosamente masculino. Onde as principais mulheres são as mães, as irmãs e as imagens idealizadas e angelicais das santas e da Nossa Senhora.
Além disso, em virtude de algum interessante enredo psicossocial, esse ambiente produz também aquela "paranoica homofobia" denunciada nessa segunda-feira pelo padre polonês. Vítima e agressor se hospedam nos mesmos quartos: muitos padres homossexuais cultivam uma "paranoica homofobia".
Mas quem sofre as suas flechas é a homossexualidade serena, consciente, alegre, aquela daqueles que vivem as relações afetivas à luz do sol, aqueles que, no máximo, gostariam de se casar, ter uma família e assumir as próprias responsabilidades em relação a um companheiro amado e respeitado.
São esses o objeto da homofobia do ex-Santo Ofício que o Pe. Charamsa denunciou. Que mundo estranho. Não é hora de mudá-lo?
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O lado mais obscuro do celibato. Artigo de Marco Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU