18 Setembro 2015
Deus se fez homem em Jesus de Nazaré, mas através de uma mulher que foi sua mãe em tudo, mulher de fé e de justiça desde o nascimento desse filho até a cruz. E essa é uma mensagem de esperança para os homens e as mulheres de todos os tempos e de todos os lugares.
A opinião é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 17-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O olhar de Deus sobre as realidades criadas avalia como "belo e bom" (tov) tudo o que veio a existir graças à palavra e ao espírito. O Papa Francisco, concluindo as suas catequeses sobre o matrimônio cristão e a família, quis reiterar mais uma vez: Deus criou o universo através da sua palavra, enquanto o seu espírito pairava sobre o informe e sobre o vazio.
Ora, naquela ação de Deus no sexto dia, portanto, no ápice do cumprimento da sua vontade, há a criação do humano, do "terrestre" (Adam) tirado da terra (adamah): "E criou o adam à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou" (Gênesis 1, 27). A criação que Deus quer como "muito boa" (tov meod) é a do terrestre, homem e mulher, que Deus abençoa e aos quais confia a tarefa de habitar e cuidar da terra. Homem e mulher, portanto, são seres em aliança, não um sem o outro, nem um acima do outro.
Mas se essa era e continua sendo a criação segundo a vontade de Deus, na história ela se realizou de modo dramático: o homem contra a mulher, a mulher contra o homem, de modo que a primeira inimizade se manifesta justamente no casal. Certamente, a Bíblia tenta revelar essa realidade através de imagens míticas, que trazem o sinal da cultura do tempo e do lugar, mas a intenção é a de evidenciar que a responsabilidade do mal está no homem e na mulher quando se sujeitam à alienação da idolatria, que sempre é um falso antropológico.
No relato bíblico, a serpente tenta a mulher, e esta, por sua vez, induz o homem à tentação de não reconhecer o limite humano, mas a leitura desse texto deve ser feita com inteligência, sem literalismos nem fundamentalismos. É inegável que, a partir desse relato, emergiu a imagem da mulher tentadora, inspiradora do mal, mas tal leitura, como denuncia o Papa Francisco, é um lugar comum, até mesmo ofensivo. Devemos reconhecer que juízos similares sobre a mulher estão presentes em textos bíblicos: bastaria ler alguns trechos sapienciais, dentre os quais o Eclesiástico (25, 24): "Foi pela mulher que começou o pecado, e é por culpa dela que todos morremos", mas é significativo que Paulo corrige e reformula precisamente essa expressão: "Já que a morte veio através de um homem ('terrestre'), também por um homem vem a ressurreição dos mortos" (1Coríntios 15 ,21), atribuindo a responsabilidade do pecado não à mulher apenas, mas a toda a humanidade e proclamando a salvação, a ressurreição por causa de um homem, Cristo, chamado da morte pelo seu Pai, o Deus vivo.
Apesar dessa afirmação cristã em que o homem e a mulher são iguais na própria dignidade, continua sendo verdade que na cultura patriarcal continuou se julgando a mulher como tentadora. Como negar que muitos homens continuam se expressando desse modo ainda hoje, em uma sociedade secularizada e sem Deus? A mensagem evangélica proclamou a igual dignidade do homem e da mulher: os Evangelhos são um testemunho sem incertezas da atitude de respeito, de amor, de honra, de dignidade reconhecidos por parte de Jesus em relação às mulheres que foram suas discípulas e às quais foi dirigido o primeiro anúncio pascal.
Justamente por isso a Igreja soube exaltar Maria de Nazaré, a humilde mulher de fé e obediência radical, declarando-a mãe do Senhor, não só porque deu-lhe à luz humanamente, mas também porque o gerou espiritualmente em si como mulher de fé, de espera, de caridade.
Na vida cristã, diz Paulo, "não há mais nem homem nem mulher", isto é, essa diferença não pode ser motivo de oposição ou de separação. Em Cristo, o homem e a mulher são iguais em dignidade, têm a mesma vocação à filialidade divina, a serem "partícipes da natureza divina".
Certamente, como diz o papa, "há espaço para uma teologia da mulher que esteja à altura dessa bênção de Deus", e na Igreja ainda há um longo caminho a se fazer para que a mulher seja valorizada na dignidade que a une ao homem e na diferença que marca ambos. No entanto, é urgente, embora cansativo, chegar a esclarecer melhor como a mulher também tem uma vocação específica própria na Igreja, na família, na sociedade: ela é portadora de uma especificidade ou está destinada a se achatar na imagem do homem? Essa guerra, esse antagonismo entre homens e mulheres deve continuar, ou a ferida da diversidade pode ser uma bênção para ambos?
Deus se fez homem em Jesus de Nazaré, mas através de uma mulher que foi sua mãe em tudo, mulher de fé e de justiça desde o nascimento desse filho até a cruz. E essa é uma mensagem de esperança para os homens e as mulheres de todos os tempos e de todos os lugares.
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Quando até o papa condena o mito de Eva tentadora. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU