Por: André | 14 Setembro 2015
A alavanche de pessoas que fogem da guerra e da miséria aumenta diariamente e atinge as margens e fronteiras da Europa em uma tentativa desesperada para se ver a salvo. A maioria vem da Síria, onde uma guerra civil descarnada provocou a morte de mais de 200 mil pessoas nos últimos cinco anos e o deslocamento dentro e fora das fronteiras desse país de 12 milhões de pessoas, a metade da população síria.
A reportagem é de Amy Goodman e Denis Moynihan e publicada por Democracy Now!, 11-09-2015. A tradução é de André Langer.
Outros emigrantes vêm da África Subsaariana. Eles fogem da pobreza e dos conflitos armados em seus países. Assim como os sírios, estas pessoas conseguem chegar à Líbia, país que atualmente se encontra em um virtual estado de anarquia, e se arriscam a cruzar o Mediterrâneo em embarcações tão perigosas quanto sobrecarregadas de passageiros. Milhares se afogaram. Paradoxalmente, muitos desses migrantes dirigem-se para os mesmos países que venderam as armas que são utilizadas nas guerras das quais fogem.
Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, referiu-se à crise migratória em seu discurso sobre o estado da União Europeia, pronunciado esta semana em Estrasburgo, França: “Não falo de 40 mil nem de 120 mil. Falo de 160 mil. Esse é o número de refugiados que os europeus devem abrigar e que devem acolher com os braços abertos”. Junker utilizou em seu discurso a expressão em inglês “take in arms”, referindo-se obviamente à ideia de dar um abraço protetor, mas a palavra “arms”, paradoxalmente, significa também “armas”. Outra europeia que viu de perto o sofrimento dos refugiados utiliza a palavra inglesa nesse outro sentido.
“São nossas armas que destroem esses países e dizimam as suas populações”, disse Annette Groth em Democracy Now! Groth faz parte do Parlamento Alemão e é a porta-voz de direitos humanos do partido alemão Esquerda. Ela retornou recentemente de uma viagem à Hungria, onde foi testemunha dos milhares de imigrantes que se encontram retidos na estação de trens de Budapeste: “A Alemanha é o terceiro maior exportador de armas, e temos relações muito boas relações com países como a Arábia Saudita ou o Catar, apesar da grande oposição a isto, e o meu partido sempre se opõe, assim como o verdadeiro movimento pacifista. O nosso governo ainda está entregando armas à Arábia Saudita, que, por sua vez, apóia o Estado Islâmico, os jihadistas. De que estamos falando?”
O Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (SIPRI) analisa e oferece informações sobre o comércio de armas em nível mundial. Um relatório recente do SIPRI destaca: “O volume do comércio internacional de armas convencionais registrado entre 2010 e 2014 foi 16% maior que o registrado entre 2005 e 2009. Os cinco maiores exportadores entre 2010 e 2014 foram: Estados Unidos, Rússia, China, Alemanha e França”. Entre os cinco principais receptadores desses carregamentos de armas figuram a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, dois aliados dos Estados Unidos que, segundo afirmam múltiplos relatórios, estariam apoiando de maneira significativa o Estado Islâmico, que é o principal inimigo na guerra civil na Síria e no Iraque. Somam-se a tudo isso as últimas notícias sobre o fato de que a Rússia intensificou sua ajuda militar ao regime do presidente sírio, Bashar al-Assad, o Reino Unido participou diretamente de ataques aéreos na Síria e a França está se preparando para fazer o mesmo.
Embora muitos países europeus estejam aceitando refugiados (o primeiro-ministro finlandês colocou inclusive à disposição a sua casa de hóspedes), superando assim amplamente qualquer tipo de boas-vindas que o governo de Obama tenha oferecido, nada disso resolve o problema. O que é preciso resolver são os conflitos no Oriente Médio. Mas, é possível que isso aconteça se os Estados Unidos (e Rússia, Alemanha e França) continuarem vendendo grandes quantidades de armas aos beligerantes países da região? O rei King Salman, da Arábia Saudita, visitou a Casa Branca na semana passada e garantiu uma nova injeção de mísseis e das chamadas bombas inteligentes, além do arsenal que normalmente os Estados Unidos proporcionam ao seu país aliado, rico em petróleo.
“No Oriente Médio há mais armas que pão”, disse Annette Groth, do Parlamento Alemão. “Lembro de uma conversa que tivemos com o embaixador dessa região há uns três anos. Ele nos olhou, a mim e aos outros parlamentares, e nos disse: ‘É hora de o Ocidente pegar de volta as armas que nos trouxe’. Isso é muito, muito verdadeiro e muito simples”.
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A crise migratória: braços abertos para dar as boas-vindas e armas para matar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU