20 Julho 2015
"Falta-nos um projeto nacional, um projeto de país e civilização a ser perseguido por governos em sequência, exatamente o que ocorre com a China, que, na segunda metade do século passado, partiu de patamares bastante inferiores aos nossos de então, para tornar-se a segunda potência econômica do mundo – potência industrial, potência militar, potência tecnológica, potência como mercado consumidor que os países cortejam", escreve Roberto Amaral, em artigo publicado por CartaCapital, 17-07-2015.
Eis o artigo.
Leitor muito dileto reclama-me a constância da palavra ‘crise’ em meus artigos recentes. Explico-me dizendo-lhe que a escolha não é minha, pois simplesmente reflito sobre a realidade na qual nos encontramos no mundo e no País, aqui vivenciando os reflexos dos maus ventos soprados do Norte.
Como sabemos, a recuperação econômica dos EUA dá sinais de estar ‘marcando passo’ e a economia da Europa – e mais precisamente da área do euro – permanece estagnada, na perigosa companhia do Japão.
A crise da União Europeia deve agravar-se com a insolúvel crise grega, alimentada pela ganância do sistema bancário europeu, mais franco-alemão do que tudo, de que a troika (Banco Central Europeu, FMI e UE) é insidiosa procuradora, donde o vai-e-vem de Merkel e Hollande.
As bolsas caem aqui, ali e acolá, o dólar sobe e desce numa gangorra alimentada pela especulação irresponsável, que também responde pela ciclotimia de nossa Bovespa, agravada com os ataques às ações da Petrobras, via ataques à empresa, ataques que visam a desacreditá-la junto ao grande público, junto a investidores e a uma teia sem fim de empresas dependentes de seus serviços, de suas encomendas, de seus produtos, até chegar ao ponto desejado, que é a virtual desnacionalização do pré-sal, fim da política de partilha e destruição das empresas nacionais de engenharia detentoras de know how.
De outra parte, cria-se o clima favorável para dois erros crassos e decerto irrecuperáveis: a suspensão dos investimentos da estatal (que responde por algo superior a 5% de nosso PIB) e a venda de ativos seus. Para quem, numa economia escassa em capitalistas nacionais?
No plano externo a pior das notícias vem da Ásia e de nosso principal parceiro econômico, a China. Após a esperada queda de seu PIB (ainda que tenha caído de um Everest de 10% a.a. para 7% inimagináveis ainda para nós que padecemos entre crescimento zero ou qualquer coisa acima de crescimento zero), a crise da bolsa de Xangai pode significar outros abalos para cuja prospecção parecem ineficientes as lentes dos Chicago boys de plantão.
O certo é que, por força de tudo isso e muito mais, despencam os preços das commodities no mesmo ritmo em que cresce o protecionismo travestido de barreiras aduaneiras e sanitárias europeias e norte-americanas aos nossos produtos primários, a galinha dos ovos de ouro de nossa balança comercial.
A retração chinesa determina a queda tanto do preço quanto do volume de importações de minério de ferro (a Vale anuncia haver reduzido sua produção em 25 milhões de toneladas), e isso é uma péssima notícia para nossa economia, que já não vem bem. Que fazer, caro leitor, senão falar na maldita ‘crise’?
Pois a ‘crise’, pintada com cores diversas ao sabor da distorção ideológica, é a matéria-prima dos jornalões que também a alimentam criando um clima coletivo de insegurança que se reflete (ou é o contrário?) no mau humor de um tão desconhecido quanto indefectível e poderoso senhor chamado de ‘mercado’, diretor dos rumos ou a ausência de rumo da economia brasileira.
E, como a economia vai mal (nisso todos apostam) o empresariado não investe (na verdade ele só investe nos tempos das ‘vacas gordas’, e sempre com recursos dos bancos públicos que ora minguam) e porque não investe, reduz as compras e as vendas, e assim a economia não se reanima. E porque não se reanima não há porque esperar investimentos, donde... Já vimos esse filme, ninguém gostou mas permanece nas telas em reprises sempre mais desagradáveis. Estranho, não?
A política de juros altos – inexplicável na conjunção com a alta dos preços – reduz os investimentos e o consumo e a queda das compras reduz a produção que produz o desemprego, e, assim, um círculo vicioso conhecido vai alimentando a disfunção sistêmica, oferecendo a contribuição cabocla para o fantasma da inflação, ao tempo em que aprofunda os efeitos da crise global, por seu turno agravada pela impossibilidade de a indústria brasileira fazer face aos preços dos produtos industrializados chineses, donde, como se tudo isso já não fosse bastante, o agravamento da crise do setor industrial, agora como nunca arredio a investimentos em produtividade, pesquisa, ciência, tecnologia e inovação.
O Brasil jamais acreditou, de fato, na lição chinesa de construção de um projeto nacional de potência, e vem caminhando sem convicção, aos trancos e barrancos, vivendo ciclos de desenvolvimento que se encerram em ciclos de estagnação, ciclos de coesão e projetos nacionais que se encerram em ciclos de retração.
Falta-nos um projeto nacional, um projeto de país e civilização a ser perseguido por governos em sequência, exatamente o que ocorre com a China, que, na segunda metade do século passado, partiu de patamares bastante inferiores aos nossos de então, para tornar-se a segunda potência econômica do mundo – potência industrial, potência militar, potência tecnológica, potência como mercado consumidor que os países cortejam.
Nosso primeiro e efetivo esforço visando ao mercado interno vamos registrá-lo nos governos Lula, responsáveis por haver promovido o ingresso, no mercado de consumo, de algo como 40 milhões de brasileiros. Desaprendemos que a única coisa que gera riqueza é desenvolvimento e que só desenvolvimento produz desenvolvimento. Parece um jogo de palavras mas apenas na aparência, pois ciência, tecnologia e educação requerem grandes e sistemáticos investimentos públicos e privados, do que o empresariado e a grande imprensa precisam ser convencidos.
Aliás, esse empresariado e essa imprensa precisam mesmo é de acreditar num projeto Brasil, que não seja apenas um majestoso Porto Rico, mas uma nação que tenha incorporado ao seu destino a riqueza de sua população, com desenvolvimento autônomo.
Tudo somado, temos a crise política que, antes de descambar para a crise social, ameaça o transbordamento para a crise institucional alimentada e açulada por uma grei reacionária e antidemocrática que, relembrando os piores tempos do udeno-lacerdismo, investe na desestabilização do governo, agravando a crise econômica e desestabilizando a administração, para afinal, eis o objetivo de médio prazo, atingir o mandato legítimo da presidente Dilma.
Daí, o sonho da neo-direita: se FHC fracassou no seu propósito de ‘varrer a era Vargas’, o PSDB de Aécio sonha hoje em varrer da política o que identifica como petismo ou lulismo.
Assim, da crise econômica para a crise política, apontando para uma crise institucional que, se sabemos como será o possível ingresso nela, ninguém sabe, nem as pitonisas, como será a saída. Afinal, qual é a saída para o imbróglio?
Se não há, ainda, uma frente progressista organizada para a defesa e o avanço das conquistas sociais das últimas décadas, incluída a herança trabalhista de Vargas, há, fogosa e irresponsável, uma frente golpista, estruturada, agindo organicamente, pois lhe é impossível o convívio com a emergência das massas.
Seu espectro é vasto e compreende desde segmentos do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal, a grande imprensa, até partidos políticos, destacadamente o PSDB e seus satélites, até setores da base do governo, como a quase maioria do PMDB, liderada pelos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. Este, aliás, noticiam os jornais, já estaria em conluios não negados pelo inefável Gilmar Mendes visando ao impeachment da presidente da República.
Se há uma Frente Golpista, que se organize uma Frente Democrática, uma Frente Nacional, popular e democrática para fazer face à ascensão política e ideológica da direita, que já pervade o tecido social, muito em face da inércia dos progressistas.
Uma frente nacional, porque voltada para os interesses do País, a começar pela sua soberania econômica e política; ampla ideologicamente de sorte a abarcar todo o sentimento democrático do País; política mas não partidária nem eleitoral; não partidária mas aberta aos partidos; popular porque nascida de baixo para cima.
Uma Frente assim concebida e estruturada poderá defender, com o respaldo das grandes massas:
1) O aprofundamento da opção democrática, o que implica a defesa do mandato da presidente Dilma. O Não ao golpismo é também um vigoroso chamamento à democratização dos meios de comunicação de massa, à reforma do Poder Judiciário, à reforma política, e, porque profundamente política, a uma reforma fiscal destinada a refazer o sistema que hoje pune o trabalho e beneficia o capital improdutivo;
2) os direitos dos trabalhadores, isto é, o direito inalienável ao emprego; a política de proteção do salário e as demais conquistas já incorporadas ao patrimônio trabalhista;
3) a soberania nacional, compreendendo não só a soberania sobre nosso território e espaço aéreo e nossa extensão marítima, mas também a defesa de nossas riquezas, das empresas nacionais públicas e privadas;
4) as reformas estruturais e populares, como: a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma do ensino e a universalização do ensino público gratuito de alta qualidade, o desenvolvimento cientifico e tecnológico de alto nível e descentralizado;
5) a continuidade da política externa ‘ativa e altiva’, que privilegia o diálogo Sul-Sul, e iniciativas como a criação dos BRICS e os processos de integração latino-americana em curso, como Unasul e a Celac.
São apenas cinco pontos para a reflexão.
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Falta ao Brasil um projeto nacional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU