10 Julho 2015
Nos seus primeiros sete séculos, o cristianismo foi se constituindo por diferenciação primeiro do judaísmo, depois dos ambientes culturais circunstantes, mesmo fora do Império Romano. Desse modo, nasceram doutrinas, formas de vida, lugares e manifestações de culto, instituições que, progressivamente, chegaram a se sobrepor à sociedade no seu conjunto, até coincidir com ela.
A opinião é de Marco Rizzi, professor de literatura cristã antiga da Università Cattolica del Sacro Cuore, em artigo publicado no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 05-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Em uma cuidadosa veste editorial, foram publicados recentemente pela editora Carocci os quatro volumes de uma Storia del cristianesimo [História do cristianismo], obra de uma grande equipe de estudiosos coordenada por Emanuela Prinzivalli.
Na sua abordagem e nos seus conteúdos, eles também permitem que se faça um balanço sobre uma disciplina que, em muitos aspectos, pode parecer fugidia.
Por um longo tempo, de fato, aquela que agora é definida como "história do cristianismo" foi considerada uma disciplina teológica, chamada a mostrar o desdobramento do plano providencial de Deus nas vicissitudes humanas.
Seu objeto e protagonista eram a Igreja, chamada a difundir o Evangelho e a se expandir até os confins da Terra. A partir de Eusébio de Cesareia, a história eclesiástica veio absorvendo em si toda a "história universal" dos antigos, porque Igreja e mundo estavam destinados a coincidir.
Significativamente, o conflito historiográfica que, na época da Reforma, contrapôs católicos e protestantes se centrava em qual era a "verdadeira" Igreja em continuidade com a era apostólica.
Só durante o século XVIII, com os historiadores de formação iluminista, começou a se abandonar o visual teológico, para estudar as instituições eclesiásticas, já plurais, como um fenômeno histórico puro. Ainda no início do século XVIII, Gottfried Arnold, na sua História imparcial das Igrejas e das heresias, subverteu o paradigma tradicional, argumentando que a verdade cristã original (qualquer que ela fosse) devia ser buscada, ao contrário, nas formas religiosas marginalizadas e reprimidas pelas Igrejas históricas.
Mesmo que essa visão pecasse de unilateralidade, o percurso posterior dos estudos se caracterizou cada vez mais, por um lado, pela aproximação metodológica da história do cristianismo às outras disciplinas históricas e, por outro, pela consciência da pluralidade intrínseca das manifestações do cristianismo desde as suas origens.
É a profunda mutação descrita no último fascículo da Rivista di Storia del Cristianesimo (Ed. Morcelliana) sobre o tema "Escrever a história: narrativas do cristianismo ao longo dos séculos".
Os volumes da editora Carocci parecem coerentemente inseridos nessas perspectivas e, ao mesmo tempo, com a mais recente produção historiográfica. Contudo, o seu caráter de manual, com a necessidade de fornecer um quadro sintético, mas, ao mesmo tempo, o mais possível completo também mostra algumas dificuldades dessa abordagem.
De fato, se não é mais a teologia ou o monopólio eclesiástico que define o objeto da história do cristianismo, qual é a especificidade que o define? No caso do volume dedicado à era antiga, editado pela própria Prinzivalli e organizado tematicamente, em vez de cronologicamente, foi mais fácil, talvez, dar uma resposta, pois, nos seus primeiros sete séculos, o cristianismo foi se constituindo por diferenciação primeiro do judaísmo, depois dos ambientes culturais circunstantes, mesmo fora do Império Romano.
Desse modo, nasceram doutrinas, formas de vida, lugares e manifestações de culto, instituições que, progressivamente, chegaram a se sobrepor à sociedade no seu conjunto, até coincidir com ela.
Por esse motivo, nos volumes dedicados à Idade Média e à era moderna, editados, respectivamente, por Marina Benedetti e Vincenzo Lavenia, aparecem capítulos dedicados ao direito, à estética e às artes, à cultura literária e à científica, que, à primeira vista, podem parecer surpreendentes.
Sem dúvida, são o produto de uma sociedade intrinsecamente cristã ou ainda largamente cristão, mesmo depois da Reforma e das guerras religiosas; mas, por isso, podem se encaixar com pleno direito em uma história do cristianismo ou não se trataria de uma extensão imprópria, que corre o risco de recolocar os acontecimentos históricos em um visual, se não teológico, ao menos unilateral e onicompreensivo?
O quarto volume, dedicado à era contemporânea e editado por Giovanni Vian (ex-autor, com Gian Luca Potestà, de uma breve e bem-sucedida Storia del cristianesimo pela editora Il Mulino) aparece, a esse propósito, o mais equilibrado e eficaz. Ele ilustra como, a partir da era revolucionária e napoleônica, o cristianismo, nas suas diversas Igrejas e formas, tornou-se cada vez mais global e, ao mesmo tempo, marginal por causa da secularização.
O olhar se amplia da Europa para o mundo, e o cristianismo volta a se definir, em certa medida, por diferenciação do contexto em que, antigamente, parecia estar mais enraizado e do qual iniciou a obra missionária que o levou realmente aos extremos confins da Terra.
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O cristianismo e as suas histórias. Artigo de Marco Rizzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU