Por: André | 17 Junho 2015
A virada que aconteceu nas eleições de 24 de maio formalizou-se no sábado com a posse dos novos prefeitos em todo o país e a efetivação das alianças pós-eleitorais. O Partido Popular perdeu seus principais feudos.
A reportagem é de Flor Ragucci e publicada por Página/12, 14-06-2015. A tradução é de André Langer.
Novos rostos, novas ideias e novas formas tomaram posse nas principais cidades espanholas. No sábado, 13 de junho, tomaram posse os 8.122 prefeitos e, após duas semanas de intensas negociações entre partidos, formalizou-se a mudança produzida pelas urnas em 24 de maio passado. Pela primeira vez na história democrática da Espanha, o Partido Popular (PP) ficou sem o comando de importantes cidades como Madri e Valência e, pela primeira vez também, são candidaturas cidadãs que entraram pela porta dos principais consistórios do país.
Madri, Barcelona, Valência, Zaragoza, La Coruña e Cádiz estarão, a partir de agora, nas mãos de novas plataformas que aglutinam partidos de esquerda – entre eles o Podemos – e movimentos sociais. O PP só conseguiu manter o poder em 18 das 34 capitais de província que tinha, conservando alguns de seus tradicionais feudos – Málaga, Burgos, Santander e Logroño –, mas perdendo enclaves tão representativos como Madri, Valência, Valladolid e Sevilha. O Partido Socialista (PSOE) passou de oito municípios para um total de 17, graças às alianças com outros partidos em cidades como Sevilha e Las Palmas e, apenas em Soria governará com maioria absoluta.
Dia de festa para alguns e de luto para outros. Nos municípios que durante mais de 20 anos eram controlados pelo PP, um ato que até agora passou despercebido – a investidura dos novos prefeitos – transformou-se em um momento de gala que ninguém quis perder. Com cobertura especial dos meios de comunicação em todas as cidades e milhares de pessoas acompanhando os juramentos em telões às portas dos ajuntamentos, o solene protocolo cobrou um aspecto espetacular.
E que ninguém duvide que se trata de um momento histórico para a política espanhola, nem os que chegam nem os que se vão. “A esperança e a expectativa entram hoje nos ajuntamentos”, declarou Pablo Iglesias durante a posse de Manuela Carmena, a nova intendente de Madri. “Teremos uma nova prefeita que vai nos fazer recuperar a dignidade”, garantiu no sábado o secretário-geral do Podemos na sua chegada ao Consistório, onde também afirmou que dirigentes como Ana Botella, Rita Barberá e Esperanza Aguirre “fazem parte do passado”.
A líder da coalizão de esquerda Agora Madri, Manuela Carmena, começou seu primeiro discurso como regedora da capital agradecendo à população: “Estou cheia de esperança. Somos servidores dos cidadãos de Madri, não podemos esquecer que estamos a seu serviço”, disse. “Queremos governar escutando, que nos chamem pelo nome de batismo, que nos tutelem e sempre na linha que eles nos digam”, remarcou a nova intendente.
A ex-juíza conseguiu desbancar o Partido Popular do trono que ocupou durante 24 anos, graças à aliança com os socialistas. Os nove vereadores do PSOE apoiaram neste sábado os 20 do Agora Madri para superar os 21 obtidos por Esperanza Aguirre – a até sábado prefeita pelo PP –, apesar das tentativas desesperadas desta de oferecer a intendência ao candidato do PSOE, Antonio Miguel Carmona, contanto que evite que Carmena assumisse seu lugar.
Em Barcelona, Ada Colau foi a anfitriã da festa preparada na Praça Sant Jaume, sede do Ajuntamento e do Palácio da Generalidade catalã, para dar as boas-vindas como prefeita. Às 17h, o número um da candidatura de unidade popular Barcelona em Comum (BC) tomou posse de seu novo cargo com o apoio dos demais partidos de esquerda (Esquerda Republicana, os socialistas e a CUP), alcançando assim a maioria absoluta. Após duas semanas de discussões com republicanos e socialistas – principalmente em torno da questão soberanista –, Colau conseguiu somar 21 apoios entre os 41 membros que compõem a plenária.
Não apenas os parlamentares estavam presentes no emblemático salão Consell de Cent do Ajuntamento, mas centenas de entidades sociais e de bairro da cidade também participaram da cerimônia, convidados – em um gesto inédito – pela candidatura de Colau. “Para nós era muito importante que estivessem aqui tanto nossas autoridades políticas, como as autoridades sociais. Porque aqueles que defendem o bem comum no dia a dia são realmente os imprescindíveis”, declarou a nova prefeita durante o seu discurso de posse.
Assim como Manuela Carmena, Colau enfatizou a necessidade de um trabalho coletivo e sua vontade de cumprir o que já é um lema para a “nova política” na Espanha: “mandar obedecendo”. “Estamos aqui para que nunca mais haja cidadãos de primeira e de segunda categoria”, recalcou a nova intendente e terminou recordando muito seriamente aos barcelonenses: “Expulsem-nos se não fizermos o que prometemos”.
Outra posse muito esperada foi a de Joan Ribó, da coalizão de esquerda Compromisso, que – com o apoio de socialistas e da candidatura popular Valência em Comum – assumiu em Valência. Estourando garrafas de champanhe as pessoas acompanharam o ato na Praça do Ajuntamento, celebrando o final de uma era de esbanjamento e corrupção. Sua eleição põe fim a 24 anos no poder de Rita Barberá, do PP, que no dia anterior renunciou à sua ata de vereadora para evitar ter que presenciar a posse de seu principal rival na Legislatura anterior.
Ribó foi um exemplo a mais durante a jornada do sábado de uma mudança que, ao menos nas formas, é rotunda. Assim como alguns de seus homólogos no resto do país, o novo prefeito valenciano recusou exibir a vara de comando que, tradicionalmente, o governante em fim de mandato entrega e preferiu falar com seus simpatizantes. “Não quero nem a vara nem o comando. Prefiro a conversa com os moradores, trabalhar ombro a ombro com os movimentos de bairro, respeitando todas as maneiras de pensar”, manifestou em seu primeiro discurso como intendente.
A Andaluzia também jogou na rua toda a sua “graça” e com cantos e danças flamencas recebeu o novo prefeito de Cádiz, José María González, candidato pelo Por Cádiz sim se Pode, marca do Podemos nesta capital. Em um dos bastiões que o Partido Popular tinha no sul, a chegada ao poder do novo partido cidadão representa também um impacto muito grande. González deixou claro que, para o seu governo, “as pessoas estarão em primeiro lugar” e prometeu um Ajuntamento “com paredes de vidro”, metáfora muito usada durante o dia de investiduras.
O PP perdeu também a prefeitura de Sevilha, mas, desta vez, para os socialistas, que recuperam uma cidade tradicionalmente governada por eles; e, já no centro do país, o PSOE arrebatou outro feudo do partido de Rajoy, a cidade de Valladolid, graças aos votos das plataformas cidadãs Valladolid toma a Palavra e Valladolid sim se Pode. Palma de Mallorca também foi cenário de mudança, não só porque os populares abandonaram o consistório depois de 20 anos, mas porque – em um fato insólito – das negociações destas semanas resultou um governo alternado entre os socialistas e a coalizão de esquerda MES, onde cada um estará no comando por dois anos.
No norte da península, as chamadas “marés atlânticas” varreram com a maioria absoluta o PP, que só conseguiu o poder em Ourense. O PSOE governará em Vigo e em Lugo. Em La Coruña, Santiago e Ferrol os novos prefeitos provêm das candidaturas cidadãs das marés, herdeiras do movimento indignado. O novo regedor de La Coruña, Xulio Ferreiro, também se somou à reivindicação de uma nova democracia no conteúdo e na forma e saiu à praça para entregar à população o bastão de comando, símbolo da intenção de mudança que acaba de se instalar nas principais cidades da Espanha.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A Espanha se renova nas grandes cidades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU