05 Mai 2015
"Eu normalmente tento ressaltar o significado que o autor do texto bíblico tentou expressar, em vez de pegar uma frase dele e discorrer sobre ela. Às vezes, requer-se um pouco de exegese para se chegar à mensagem do autor, mas uma homilia não é uma aula", escreve Thomas Reese, jornalista, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos EUA, de 1998 a 2005, em artigo publicado pela National Catholic Reporter, 30-04-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
O Papa Francisco disse a 19 novos sacerdotes no começo da semana passada para se certificarem de que “as vossas homilias não sejam chatas”.
Esta exortação, feita em 26 de abril durante uma ordenação sacerdotal para Diocese de Roma, me fez refletir sobre a minha própria experiência de pregação e escuta a homilias. Eu não me considero um grande homilista e jamais iria me pôr a dizer a um outro sacerdote como pregar.
Quando era um jovem padre, eu considerava o ato de pregação um verdadeiro desafio. Nunca gostei de falar em público, e nunca fui bom nisso na escola. Eu sequer posso contar uma piada ou uma história sem estragar tudo. A aulas de pregação no seminário não foram tão úteis quanto poderiam ter sido. Aos poucos, aprendi a pregar pregando.
Ficar de pé em frente a uma igreja cheia é uma experiência assustadora. As pessoas aí estão todas à espera de que eu diga algo profundo e inspirador, e eu não tenho certeza de que possuo algo válido de ser dito. Não sou um homem santo; a minha fé não existe sem um monte de dúvidas. “O que estou fazendo aqui?”, pergunto-me seguidamente.
O momento em que mais oro é quando estou prestes a fazer uma leitura bíblica. Eu me curvo diante do altar eu rezo: “Deus, ajudai as pessoas a extraírem algo a partir disso. Elas necessitam de vossa ajuda, pois minhas palavras não serão o suficiente”. É como um dos meus professores dizia: “Deus pode até mesmo usar o queixo de um jumento” (Juízes, 15,16).
Quando era um jovem padre, eu fiz uma promessa para mim mesmo de que jamais usaria as palavras numa homilia que não fizessem sentido para mim. Consequentemente, eu em geral evito frases como: “salvar almas”, “a graça de Deus” e “transubstanciação”, pois não tenho certeza do que elas significam. São abstrações que não me tocam. Por outro lado, “amor, compaixão e misericórdia” são palavras com as quais eu consigo me conectar.
Também prometi a mim mesmo que jamais diria alguma coisa do púlpito que eu não acreditasse ou que não quisesse, ao menos, acreditar. Eu não fingiria ser mais do que sou.
O Papa Francisco disse isso de uma forma mais positiva, ao falar aos que estavam sendo ordenados para se certificarem de que “as vossas homilias não sejam chatas, que as vossas homilias cheguem justamente ao coração das pessoas porque saem do coração de vocês, para que aquilo que vocês dizem a eles seja aquilo que vocês tenham no coração”.
Pregar exige autenticidade. O Povo de Deus é muito paciente com os sacerdotes, mas intuitivamente ele sabe quando as palavras não vêm do coração. Isso não significa que o sacerdote está “descendo da montanha com uma inspiração de Deus”. Pelo contrário, muitas vezes significa que o sacerdote está se debatendo na montanha, como o resto do Povo de Deus.
Uma das coisas que tínhamos de aprender no seminário era basear as nossas homilias nas leituras bíblicas do dia. Antes do Concílio Vaticano II, o padre poderia pregar sobre o catecismo ou outros tópicos não relacionados às leituras, mas isso não mais é incentivado hoje.
Acho útil pregar com base nas leituras bíblicas do dia, pois elas evitam com que eu fique pregando sempre sobre a mesma coisa. Seguir a sequência de leituras da Igreja nos força a refletir sobre todo o Evangelho, e não somente as partes de que gostamos. Igualmente, a linguagem dos Evangelhos é simples, o que evita com que eu me torne abstrato demais.
Ter um conjunto regular de leituras também permite que os leigos leiam sobre as Escrituras no começo da semana antes de virem à missa de domingo. Dessa forma, as Escrituras podem falar-lhes diretamente antes de ouvirem as reflexões do sacerdote. Nenhum outro exercício espiritual é mais frutífero do que rezar sobre as leituras das Sagradas Escrituras de domingo antes de ir à missa.
Acho que as leituras bíblicas sempre inspiram alguns pensamentos que eu posso partilhar, mesmo se eu esteja simplesmente repetindo o que já se encontra nas leituras bíblicas.
Eu normalmente tento ressaltar o significado que o autor do texto bíblico tentou expressar, em vez de pegar uma frase dele e discorrer sobre ela. Às vezes, requer-se um pouco de exegese para se chegar à mensagem do autor, mas uma homilia não é uma aula – as leituras bíblicas têm de estar relacionadas com a comunidade.
Uma coisa que sempre me rende cumprimentos é a introdução das primeira e segunda leituras de domingo. Acho que ajuda as pessoas a escutarem as leituras se eu, antes de tudo, explicar-lhes o contexto. Muitas vezes é útil saber o que estava acontecendo antes da seção que está sendo lida e interpretada. Isso significa não apenas repetir o que está na leitura, mas dispor o cenário de forma que, quando as pessoas ouvem a leitura, elas entendam mais e melhor o que se passa.
Muitos defendem que um padre não deveria usar um texto escrito no momento da pregação, devendo falar sem notas ou texto. Dessa forma, dizem, a pregação é mais pessoal.
Eu concordo, porém não consigo fazer isso exceto nos dias de semana, quando prego apenas por uns poucos minutos. Centrar os olhos num texto e não olhar às pessoas é desastroso, mas sem algo preparado para ler no domingo, eu me perco. Sempre leio-o várias vezes antes, de forma que eu possa manter um contato visual com a comunidade durante a pregação. Mesmo assim, não confio que a minha memória esteja boa o suficiente para deixar o texto de lado.
Eu particularmente preciso de um texto para me manter na linha de pensamento e fazer as transações de um ponto para outro. Sem um texto preparado, eu acabo divagando e esquecendo o que eu deveria ser dito. E mais, depois que termino de escrever a minha homilia, posso me levantar e fazer outra coisa. Sem um texto escrito, acabo me preocupando com ela até o momento em que termino de pregar.
Eu finalmente superei a minha culpa por usar um texto escrito quando vi o padre jesuíta Walter Burghardt pregar. Ele era considerado um dos maiores pregadores católicos nos EUA; Burghardt usava um texto e o seguia até o fim. Aliás, eu o ensinei a usar um computador para escrever as suas homilias, mas esta história fica para uma outra oportunidade.
O papa diz aos sacerdotes para não serem chatos, enfadonhos. Eu acrescentaria: sejam breves e claros.
Pregar não é fácil. Graças a Deus que o povo é paciente e perdoa. Se você escutar a uma boa homilia, certifique-se de cumprimentar o sacerdote. Precisamos deste incentivo.
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Papa Francisco diz "não" a homilias chatas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU