16 Abril 2015
No dia 20 de outubro de 2000, o operário Paulo Ricardo Rosa da Silva trabalhava na construção de uma loja do supermercado Zaffari em Porto Alegre quando despencou de um andaime. O cinto de segurança de Paulo Ricardo estava puído e os andaimes da obra já haviam sido interditados por fiscais do trabalho. O operário, que era contratado de uma empresa terceirizada de pré-moldados, morreu na hora. Deixou filho, mulher e pais que dele dependiam.
O comentário é de Maria Cristina Fernandes, publicado pelo jornal Valor, 16-04-2015.
Três anos depois, quando a mãe seria escolhida para o Ministério das Minas e Energia, Paula Araújo Rousseff seria aprovada, aos 27 anos, em concurso para procuradora do Ministério Público do Trabalho. Ao ingressar na procuradoria, seus colegas já haviam aberto inquérito que levaria a gerenciadora da obra a entrar em acordo para pagar as multas que lhe eram devidas, e o grupo Zaffari, que se recusava a assumir suas responsabilidades de contratante, a ser condenado pelo acidente.
Nove anos depois da morte de Paulo Ricardo, porém, as obras contratadas pelo grupo continuavam a descumprir as normas de segurança pelas quais o Zaffari havia sido condenado. Foi então que Paula, um ano antes de Dilma Rousseff vencer sua primeira eleição presidencial, entrou com uma ação civil pública contra o grupo.
No documento, assinado em parceria com um colega de procuradoria, a filha da presidente pediu que o grupo cumprisse 21 requisitos de segurança nas obras que contrata, sob pena de multa diária, e pagasse uma indenização de R$ 1 milhão pelo dano causado ao conjunto de seus trabalhadores. Em setembro do ano passado, o Tribunal Regional do Trabalho confirmou a decisão de primeira instância e condenou o grupo a pagar tanto multa diária quanto indenização.
Se o projeto de lei que tramita na Câmara para regulamentar a terceirização do trabalho já tivesse sido aprovado, a ação da procuradora Paula Rousseff poderia vir a ter mais dificuldades em ser acolhida pela Justiça. O texto aprovado em primeiro turno mitiga a responsabilidade da contratante no cumprimento das obrigações trabalhistas da empresa terceirizada.
A seção gaúcha do Ministério Público do Trabalho é uma das mais ativas do país. No cultivo da tradição do Estado de origem do varguismo, a procuradoria gaúcha foi uma das primeiras a se posicionar publicamente contra a votação em primeiro turno do projeto em tramitação na Câmara.
A tradição lastreia a família da presidente. Depois de deixar o presídio Tiradentes em 1972, Dilma foi morar com o sogro, o advogado trabalhista Afrânio Araújo. Foi de lá que aguardou a libertação de seu segundo marido, Carlos Franklin Paixão de Araújo, do presídio edificado numa ilha que se avista da casa, às margens do rio Guaíba.
Araújo herdou a banca de advocacia do pai e tem, além de Paula, mais um filho procurador do trabalho. Está divorciado de Dilma desde 2000 mas se mantém como uma das pessoas mais influentes na vida da presidente.
É da casa do Guaíba que o advogado fala, por telefone, sobre o projeto de lei da terceirização: "É a pior derrota dos trabalhadores desde a morte de Getúlio [Vargas]".
Aos 77 anos, Araújo escreve, sem data para acabar, um livro sobre Getúlio. Divide a história do Brasil antes e depois do santo de sua predileção. E costuma atribuir a conformação social (CLT), política (código eleitoral) e econômica (intervenção do Estado) ao Brasil DG.
Vê a Consolidação das Leis do Trabalho sob bombardeio desde que foi criada, mas diz que nem a ditadura militar foi capaz de fazer a ofensiva de agora. Araújo explica a explosão dessa bomba no governo de sua ex-mulher pela soma de três fatores: crise econômica, enfraquecimento do Executivo decorrente das denúncias de corrupção e Congresso mais conservador desde a década de 1960.
Com ações a perder de vista em seu escritório contra processos de terceirização, Araújo prevê grandes batalhas judiciais em torno do tema, mas diz que a reversão, de fato, só virá quando o dia a dia de quem trabalha for modificado pelas novas regras. A melhorar as condições de trabalho de quem já é terceirizado, o projeto preferiu nivelar os celetistas por baixo. "Quando as pessoas forem atrás do seu décimo-terceiro, de suas férias e do FGTS e descobrirem que não tem empresa responsável por nada disso, apenas laranjas, vão se revoltar".
A julgar pelo quórum dos manifestantes que foram à rua ontem a ficha ainda vai demorar a cair.
As centrais sindicais se dividiram reproduzindo o racha que se viu na Câmara, onde apenas PT, PCdoB e PSOL votaram unidos contra o projeto. O braço político da Força Sindical, o Solidariedade, foi o relator do projeto posto em votação no mesmo dia em que um ex-assessor do gabinete de uma liderança do partido soltou ratos na sessão da CPI da Petrobras.
Lula falou sobre o projeto com uma semana de atraso. A hesitação vem de uma liderança na berlinda que, poucas horas depois, veria o tesoureiro do seu partido ser preso.
No início do seu primeiro mandato, o ex-presidente, que hoje fala em Getúlio quase tanto quanto Araújo, também ensaiou mexer na CLT. Num jantar com jornalistas em 2004, Lula chegou a dizer que a multa de FGTS e as férias de 30 dias poderiam vir a ser discutidas. O presidente da CUT à época, Luiz Marinho, reagiu: "Lula deve ter bebido vinho demais".
Poucos dias depois vieram as denúncias contra Waldomiro Diniz, que serviram de antessala para o mensalão. Lula deixou pra lá a CLT e valeu-se de sua liderança mais para ameaçar com sindicatos na rua do que, efetivamente, para mobilizá-los. De lá para cá as pessoas foram à rua por muitas razões, mas nenhuma delas a chamado de lideranças políticas ou sindicais.
Os tucanos viram faíscas no projeto de terceirização e pisaram no freio, mas os dois partidos que polarizaram a eleição presidencial não dão mais as cartas. Aquelas entregues à mãe da procuradora Paula Rousseff em outubro de 2014 já foram rasgadas.
O ministro pemedebista Eliseu Padilha mostrou ontem, em visita a uma associação patronal em Porto Alegre, quem dá as cartas. Ao discorrer sobre a terceirização a uma plateia em constante litígio com a procuradoria regional do trabalho, o ministro tranquilizou-a sobre os limites presidenciais no veto ao projeto.
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"A pior derrota desde a morte de Getúlio" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU