10 Abril 2015
“Os discípulos Pedro e João correndo ao Sepulcro na manhã da Ressureição”, óleo sobre tela por volta de 1898 pelo pintor suíço Eugène Burnand, em exposição no Musée D’Orsay, em Paris. |
"A cura tem a ver com nos movermos para uma nova vida, não ficarmos pendurados a uma vida que se passou", é a reflexão de Kathleen Hirsch, professora no Boston College, diretora espiritual na Bethany House of Prayer e assessora de retiros, em artigo publicado no sítio Crux, 07-04-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
No Domingo de Páscoa, a minha igreja esteve enfeitada de maneira tão bela que eu não consigo lembrar uma outra vez em que ela esteve assim, tão linda, com pequenos ramos de flores – junquilhos, jacintos, hortênsias – por sobre o altar. Acima deles estava a cruz e ela, também, se encontrava coberta de lírios brancos – um feito que deve ter exigido o esforço de vários membros bem preparados escolhidos dentre os fiéis.
Mas, evidentemente, este já era um dia de feitos espetaculares. Um, porém, em particular que me foi ensinado quando eu ainda era criança. Com o passar dos anos, esta história me levou da credulidade inquestionada da aceitação diferencial à descrença absoluta com um tipo de tolerância teológica sobre um mistério que recusava ceder à razão.
A morte de um ente querido é quase mais do que aquilo que os seres humanos podem suportar; uma morte violenta reverbera para sempre. As mães dos jovens que participam em gangs me dizem isso. As mães dos jovens quenianos: talvez elas haviam se encontrado para tomar um café no dia anterior ao assassinato de seus filhos somente para falar sobre as realizações deles e de seus planos para o futuro. As mães dos adolescentes assassinados dentro da armadilha mortal em que se tornou o voo 9525 da Germanwings… “Sim, eles deveriam estar em casa pelo horário do meio dia”, podem elas estar dizendo consigo mesmas. “Eu não vou me exasperar nesta noite. Então, tudo vai voltar ao normal e nós iremos nos preparar para a Páscoa”.
A morte dos inocentes e da beleza rompe com algo tão profundo em nós que não temos palavras para expressá-lo. A dor no coração descreve a sensação de vazio e deslocamento total. É um mundo que chega a um fim. A família, onde todos se encontram para comer juntos, discutir entre si e fazerem as pazes; onde as fraquezas são toleradas e os sonhos nutridos. Onde podemos ser únicos, preciosos, irrepetíveis.
Para mim, importa lembrar que esta era precisamente a situação na qual os Discípulos se encontravam nos dias após a Crucificação. O mundo que eles haviam criado fora completamente destruído. Antes de tudo, era um mundo frágil, uma comunidade de amigos ligada por uma consciência, uma visão de amor e cura que havia transcendido os regimes brutais da época e que os permitiu florescer mais e mais; era uma visão de amor que os fez maiores do que as particularidades estreitas dos escaninhos seculares e religiosos.
E então tudo isso termina. Os que ficam para trás são vítimas também. Indefesos, impotentes, mas ainda de pés.
Quando todo o nosso mundo fica despedaçado, quando perdemos o nosso filho, a nossa carreira, o nosso parceiro, a saúde, quando as expectativas de como as coisas irão funcionar são abaladas em seus fundamentos, caímos num abismo. É aí onde encontramos os seguidores de Jesus, neste momento crítico. É aí onde nos encontramos.
Por que tudo deu tão errado? Será que eles sobreviveriam? E agora?
Olhemos atentamente para o que acontece em seguida. Aquele que morreu aparece. Como um jardineiro. Como um estrangeiro na estrada.
É Deus novamente – o bem que, em todos os lugares, ficou conhecido através do poder estranho do miraculoso, uma mudança radical nas regras da realidade, na surpresa, no pão e na doença, nos sonhos dos anjos, em arbustos em chamas. É Deus ensinando uma lição suprema: a cura é, antes de tudo, um ato espiritual.
Sempre estamos nesta situação; apenas não é tão comum vê-la assim, tão claramente, como vemos hoje. É uma situação repleta de possibilidades. Àqueles cujos mundos foram recém demolidos, esta percepção pode parecer uma simples saída teológica. Mas a Páscoa ensina que nada verdadeiramente se perde de nós. A parte difícil da lição é que o que se perdeu não vai voltar à sua forma original. A cura e o crescimento residem em nossa aceitação desta condição.
A cura tem a ver com nos movermos para uma nova vida, não ficarmos pendurados a uma vida que se passou. Os discípulos precisaram entrar em acordo com o que eles sabiam sobre o significado da vida. Eles tiveram de se acalmarem, para se lembrarem dos ensinamentos e perceberem que não era apenas conversa fiada.
Era a Verdade, pela qual agora eles tinham de assumir a responsabilidade; precisaram perceber que haviam recebido um legado e uma tarefa.
O Novo Testamento está decorado com histórias de cura e conversão como o altar da Páscoa estava com as flores, começando com aqueles que foram chamados a seguir Jesus. Mas, hoje, creio que a conversão mais significativa dos Apóstolos aconteceu depois que Jesus se foi. Agora eles precisam assumir responsabilidades, escolher se trilharão um caminho juntando os vislumbres que haviam tido, permanecendo fiéis aos seus corações despertos, ou se voltarão jogar as suas redes no mar, alimentando tristeza e desilusão para o resto de suas vidas. A cura implica ver que aquilo que os fez serem novas criaturas precisava ser comunicado por meio deles, de forma que a cura pudesse vir ao mundo.
Se esta minha leitura estiver, um pouco que seja, correta, então a cura é uma rendição em direção às possiblidades. Há sinais aí, em todos os lugares, que nos conduzirão dos nossos bancos nas igrejas para algo que, dificilmente, podemos imaginar.
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Os Apóstolos e a perda de Jesus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU