Bonhoeffer, o cristão que desafiou Hitler

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

09 Abril 2015

"Digam-lhe que este é o fim para mim, mas também o início. Junto com ele, acredito no princípio da nossa fraternidade universal cristã que se eleva acima de todo interesse nacional e acredito que a nossa vitória é certa..." Assim dizia Dietrich Bonhoeffer, no dia 8 de abril de 1945 – um dia antes do seu enforcamento –, na mensagem confiada a um companheiro de prisão e destinada ao amigo George Bell, bispo anglicano de Chichester, conhecido em 1933. Era uma saudação que tinha sido enviada no domingo, a partir do coração de um homem livre, imerso no mundo e no senhorio de Jesus Cristo, um cristão consciente de um destino de eternidade.

A reportagem é de Marco Roncalli, publicada no jornal Avvenire, 07-04-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Era um domingo quando ele as pronunciou, e Bonhoeffer estava em viagem rumo ao campo de concentração de Flossenburg. No dia seguinte, depois do amanhecer, ele foi imediatamente executado: nascido em Breslau, em 1906, não tinha nem sequer 40 anos.

Houve também uma testemunha ocular que contou aquelas últimas sequências de vida, há 70 anos. Era o médico do campo. Alguém que não sabia nada dele. E que deixou por escrito outras palavras capazes de nos comover: "Através da porta entreaberta em uma sala dos barracos, eu vi o pastor Bonhoeffer, antes de vestir o seu uniforme da prisão, ajoelhar-se no chão para rezar a Deus com fervor. Fiquei profundamente tocado pelo modo com que esse homem amável rezava, tão devoto e seguro de que Deus ouvia a sua oração".

E ainda: "No lugar da execução, ele disse outra breve oração e, depois, subiu os degraus para o patíbulo, corajoso composto. A sua morte se seguiu depois de poucos segundos. Nos quase 50 anos de profissão médica, eu nunca tinha visto um homem morrer tão totalmente submisso à vontade de Deus".

Bonhoeffer, "teólogo, cristão, contemporâneo", para usar a síntese do seu biógrafo Eberhard Berthge, certamente foi um dos raros homens da Igreja que – sem esquecer uma fugaz simpatia em 1920 pelo nacionalismo, que ele logo conseguiu afugentar –, bem cedo, caiu diretamente na arena política e na resistência ao Mal hitleriano.

Bonhoeffer, porém, foi o homem que, acima de tudo, motivou com o seu ser cristão aquelas suas escolhas. Como ele escrevera em 1934 a Valdemar Ammundsen, o bispo dinamarquês diretor do Weltbund für internationale Freundschaftsarbeit der Kirchen (Federação Mundial para a Promoção da Amizade Internacional entre as Igrejas): "Aqui, mesmo justamente na nossa posição em relação ao Estado, deve-se falar de modo totalmente franco, por amor a Jesus Cristo e à causa ecumênica. Deve ficar claro – por mais terrível que seja – que, diante de nós, está esta decisão: ou nacional-socialistas ou cristãos".

A partir dessa data até a morte, passariam por Dietrich outros 12 anos pontilhados por escritos densos (muitos publicados apenas recentemente), que dão conta do seu compromisso no Kirchenkampf, na luta entre a Igreja confessante antinazista e a Igreja dos Deutsche Christen (os cristão-alemães defensores do nacional-socialismo), mas que também oferecem uma visão histórico-política e as diretrizes de um debate teológico-cultural bem além da sua figura.

Um período repleto de cartas, especialmente a partir do início dos anos 1940, para testemunhar uma vasta rede de interlocutores e de conhecimentos, mas também uma ampla irradiação de pensamento sob a premissa de uma profunda reflexão existencial.

Bem documentada, por exemplo, na antologia que chegou às livrarias (Scritti scelti 1933-1945, Ed. Queriniana, 920 páginas), dedicada justamente ao "último Bonhoeffer", trabalho que conclui a série dos 10 volumes das obras meritoriamente editada pela Queriniana. Onde encontram espaço tantos elementos do seu compromisso.

A questão ecumênica, que absorveu Bonhoeffer tanto no plano do diálogo entre as Igrejas, quanto no da elaboração teológica. O aprofundamento bíblico, central, do período no seminário clandestino de Finkenwalde ao da prisão berlinesa de Tegel – 18 meses até outubro de 1944 –, antes de ser internado em Buchenwald. E, ainda, a reflexão sobre a ética cada vez mais urgente (com a escolha pessoal da conspiração) e a questão do seguimento de Cristo em uma condição histórica embebida em violência. Ou a reflexão sobre o significado de uma fé pessoal conjugada no mundo tornado adulto que eliminou a hipótese do "Deus tapa-buracos".

Páginas e páginas inervadas por uma fé consumida para dar concretude à Palavra dentro da história, para servir a verdade que "continua sendo sempre o maior serviço que se possa tributar ao amor na comunidade de Cristo". Apenas o suficiente para explicar o pastor teólogo do debate com a modernidade, da fidelidade à terra, da obediência ao Evangelho, da caritas ancorada na transcendência, que se faz conspirador, convencido de que a Revelação envolve, mais do que uma fé, uma religião e também exige uma responsabilidade pessoal para assumir os destino de cada pessoa. Se necessário, assumindo a Cruz. Pelos outros. Por amor.