Por: Jonas | 25 Março 2015
“Se nós educarmos crianças utilizando Software Livre, conseguiremos homens e mulheres que entendem como natural compartilhar, pesquisar e modificar todos e cada um dos programas que utilizam”, afirma Enrique Amestoy, que ao mesmo tempo problematiza: “Quem são os proprietários da fibra ou cobre que utilizamos para acessar a Internet? E quando acessamos as redes sociais, quem são os grupos econômicos e políticos por trás do Facebook, Twitter ou Google? A quais lógicas de mercado e políticas correspondem?”. O artigo é publicado por Rebelión, 20-03-2015. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Como dissemos em outras oportunidades, o uso de Software Livre (1) é uma condição essencial no caminho da conquista da Soberania Tecnológica. Respeitar os usuários, as comunidades, compartilhar, ter a liberdade de pesquisar um software, modificá-lo e distribui-lo são, sem dúvida, elementos básicos e fundamentais no caminho da soberania. É uma condição necessária, mas é o suficiente?
Fazendo uma brevíssima revisão histórica, podemos definir SOBERANIA como a capacidade de um povo ou nação definir suas leis, eleger seus governantes e que seu território seja respeitado.
Em 1576, Jean Bodin nos seis livros da República, define soberania como o “poder perpétuo e absoluto da República” e soberano aquele que tem o poder de decisão. Em 1762, Jean-Jacques Rousseau define soberania como a capacidade do povo soberano de tomar as decisões. Estas ponderações dariam lugar à Revolução Francesa e seu pensamento é base das democracias modernas. A Constituição Francesa de 1793 destaca que a “soberania reside no povo”. No direito internacional moderno, a soberania é um conceito chave, referente ao direito de um estado exercer seus poderes.
Em fins do século passado, introduz-se o conceito de Soberania Alimentar como “o direito dos povos a alimentos nutritivos e culturalmente adequados, acessíveis, produzidos de forma sustentável e ecológica, e seu direito de decidir sobre seu próprio sistema alimentar e produtivo” (2).
Nesse sentido, entendemos que da mesma forma que um Estado implementa estratégias de saúde, educação, defesa de sua soberania territorial, controlando, por exemplo, fronteiras ou sua soberania alimentar, definindo políticas agrárias; é necessário que se definam políticas para obter 100% do controle do software que utiliza para sua gestão, administração ou para suas comunicações.
Imaginemos um Estado ou um bloco regional como a Unasul utilizando para sua gestão e suas comunicações, exclusivamente, o Software Livre. Estaria determinado a conhecer totalmente o que todos e cada um dos programas realizam. Seriam definidas políticas públicas em matéria de escolha de software para a educação, como, por exemplo, é feito pela Argentina com o Sistema Operativo (3) Huayra (4) que integra os mais de 4,5 milhões de netbooks que o governo entregou para crianças e jovens no sistema educacional ou na Venezuela com o uso de Canaima (5,6), um sistema operativo utilizado nas estações de trabalho da Administração Pública, desde 2011, e na educação, na qual já foram entregues mais de 3,5 milhões de computadores a crianças da educação básica. Huayra e Canaima se baseiam integralmente em Software Livre.
Se nós educarmos crianças utilizando Software Livre, conseguiremos homens e mulheres que entendem como natural compartilhar, pesquisar e modificar todos e cada um dos programas que utilizam. Romperemos a lógica de que é “natural” procurar o “botão verde” ou “círculo azul”, abaixo, à esquerda, para utilizar o menu do Sistema Operativo que hoje é majoritariamente utilizado nos computadores pessoais e postos de trabalho de todo o mundo e que é controlado pela grande multinacional estadunidense.
Contudo, sempre existe um porém. O que acontece quando conectamos esses computadores às redes? Quem são os proprietários da fibra ou cobre que utilizamos para acessar a Internet? E quando acessamos as redes sociais, quem são os grupos econômicos e políticos por trás do Facebook, Twitter ou Google? A quais lógicas de mercado e políticas correspondem?
Podemos ter o total controle dos dados que acessamos ou armazenamos na “nuvem” (tema que abordaremos em outra nota), quando não temos a capacidade de acessar, pesquisar e/ou modificar os programas que os controlam? A chamada “neutralidade da rede” (tema que também abordaremos em outra coluna), que em geral define que a velocidade de acesso a Internet não pode depender do quanto pagamos por isso, pode ser controlada e defendida por usuários ou Estados? São conhecidos os acordos entre empresas como a Telefónica e a Claro em vários países que dão preferência ao acesso a empresas ou a redes com as quais possui acordos econômicos, em detrimento a outros sistemas ou websites. Como faz o Uruguai, por exemplo, com 100% da fibra ótica soberana nas mãos da ANTEL (7) (que chega a todos os lares do país, desde a gestão do ex-presidente Pepe Mujica), para se conectar com seus vizinhos Argentina e Brasil, onde os donos da fibra são corporações transnacionais e onde as condições são postas por estas últimas?
Sem intenção de ser retórico: consegue com o uso de Software Livre defender a Soberania Tecnológica?
Notas
1. https://www.gnu.org/philosophy/free-sw.es.html
2. Declaração de Nyéleni, Selingué, Mali 2007
3. http://es.wikipedia.org/wiki/Sistema_operativo
4. http://huayra.conectarigualdad.gob.ar/
5. http://canaima.softwarelibre.gob.ve/
6.http://es.wikipedia.org/wiki/Canaima_%28distribuci%C3%B3n_Linux%29#Canaima_Educativo
7. Instituição Estatal de Comunicações do Uruguai
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O Software Livre é o suficiente para nos tornar independentes tecnologicamente? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU