20 Março 2015
Comparando-se ao grão de trigo, Jesus aborda com confiança e esperança o tema da sua morte, porque a vê como o dom da sua vida, um dom que será fecundo e que fará nascer uma colheita inteira de discípulos.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 5º Domingo da Quaresma - Ano B. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: «Concluirei uma nova aliança ... e não mais lembrarei o seu pecado» (Jeremias 31,31-34)
Salmo: Sl 50(51) - R/ Criai em mim um coração que seja puro.
2ª leitura: «Aprendeu o que significa a obediência ... e tornou-se causa de salvação eterna» (Hebreus 5,7-9)
Evangelho: «Se o grão de trigo que cai na terra morre, produzirá então muito fruto» (João 12,20-33)
A hora da glória
O evangelho proposto hoje é desconcertante. De fato, quando os discípulos anunciam a Jesus que os Gregos desejam vê-lo, sua resposta parece absolutamente deslocada; é como se falasse de outra coisa. Busquemos descobrir a coerência deste texto. Para isso, notemos, em primeiro lugar, a insistência na geografia. O evangelista assinala que o episódio situa-se em Jerusalém, a cidade que mata os profetas, mas que é também a «metrópole dos povos». Lembra que Filipe é de Betsaida, fazendo questão de precisar ser esta uma cidade da Galiléia, «a Galiléia dos pagãos» (Mateus 4,15). Filipe, sendo galileu, está bem situado para servir de mediador entre Jerusalém e os Gregos, os estrangeiros. O texto assinala imediatamente que estes tinham vindo para a celebração da Páscoa. O quadro cultural e étnico está, portanto, muito bem delineado (os pagãos, a Galiléia, Jerusalém, a judaica). E o quadro temporal também: a Páscoa. Jesus vai anunciar que esta, de qualquer forma, é a última Páscoa da série que havia começado no Êxodo: «A hora chegou de o filho do homem ser glorificado.» É a hora em que os tempos se cumpriram e tudo o que o primeiro Êxodo significava e profetizava será desvelado. A Páscoa antiga não é suficiente para os Gregos, pois eles pedem outra coisa: ver a Jesus. Eles, por aí, antecipam de qualquer forma a Hora que vem chegando e que irá revelar Jesus em toda a sua glória.
Como se tem repetido, o tema da glorificação comporta uma espécie de «publicidade»: a glória é a manifestação da verdadeira face de Deus, até aqui velada ou deformada. Por que esta deformação? Ela vem de uma mentira encastelada no fundo das nossas consciências, a mentira que o livro do Gênesis põe na boca da serpente: Deus, quer dizer o Ser que nos faz existir, não é amor, mas avareza, egoísmo. Os pagãos, todos os homens, vão agora fazer sua a verdade sobre Deus, verdade que vem dos Judeus e é precisamente por isso que o episódio se situa em Jerusalém. Deus vai receber, portanto, a sua devida glória. E isto se realiza pela glorificação do Cristo. Mas é aí que as coisas se complicam: a Glória do Pai e do Filho vai se manifestar pelo seu contrário, a ignomínia da cruz. Para o evangelista, ser levantado da terra significa a uma só vez estar suspenso na cruz, ser posto em evidência, exposto aos olhares de todos e conhecer uma «elevação» que coloca o Cristo acima de toda criatura. De modo implícito, temos a serpente de bronze, fonte de cura para todos os que levantam os olhos para ela (Números 21,8; João 3,14 e 19,37; Sabedoria 16,5-7; Zacarias 12,10). De toda forma, Jesus se fez serpente, figura dos nossos males e aflições. Por isso é que se fala de «cruz gloriosa». Mas por que seria necessário ter a glória de Deus vindo até nós sob o aspecto da decadência?
A imagem do Deus invisível
Se o conflito dos irmãos inimigos ocupa tanto espaço na Bíblia, é porque este é o drama maior da história humana. Cristaliza-se na hostilidade recíproca entre o judeu e o pagão. Esta hostilidade se concretiza na sujeição ou no assassinato do adversário, no ódio cego e no desprezo. Se a Bíblia permanece atual, é exatamente porque este litígio sangrento está longe de ter terminado: guerras, opressões, revoltas, são as matérias privilegiadas dos nossos jornais. Deus, que é a nossa origem e a nossa verdade, entra neste universo desapossando-se de todo o prestígio, de todo o poder; tomando o lugar das nossas vítimas. O Cristo dá a sua vida, manifestando com isso que Deus é dom de si mesmo e não vontade de dominação. Esta é a última verdade sobre Deus, a sua glória: Ele é Amor. Só podemos dizer que existimos de verdade na medida em que aceitamos ser criados à sua imagem e semelhança, ou seja, colocando os nossos passos nos passos do Cristo, que é «o ícone do Deus invisível». Olhando-O, estamos vendo o próprio Deus, assim como Ele é. Ao termo da nossa estrada criadora, não haverá mais conflito possível: Paulo repete não haver mais nem Judeu nem Grego. Esta é a hora da glória: os Gregos também são convidados a ver Jesus, a olhar para aquele que, juntos, todos temos transpassado. Se devemos extrair de tudo isso uma regra de conduta, podemos nos perguntar onde estão hoje os nossos Gregos? Onde, os nossos Judeus? Onde estão os que pregamos na cruz do nosso desprezo?
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Entre dois povos, entre duas Páscoas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU