Por: Cesar Sanson | 10 Fevereiro 2015
Testemunhas viram as vítimas já rendidas quando foram atingidas e pessoas abordadas por homens em trajes civis e os rostos cobertos.
A reportagem é de Enderson Araújo, editor-chefe do Mídia Periférica, de Salvador, publicado por ponte.org e reproduzido por CartaCapital, 09-02-2015.
Um morador do bairro Cabula, Salvador, desmentiu a versão da Polícia Militar da Bahia, sobre o assassinato de 12 jovens numa suposta troca de tiros, na madrugada de sexta-feira 6. Segundo o homem, que pediu para não ter o nome revelado, os rapazes estavam rendidos e desarmados quando foram executados, a informação é do jornal Correio, de Salvador.
“Nossos contatos com organizações sociais e relatos da comunidade mostram que há indícios de que algumas dessas mortes foram feitas com as pessoas já rendidas”, afirma Átila Roque, diretor da Anistia Internacional, que pediu ao Governo da Bahia uma investigação minuciosa sobre os assassinatos e proteção às testemunhas do caso. O Reaja ou será mort@, articulação de movimentos e comunidades de negros e negras da Bahia, também encaminhou à Secretaria de Segurança Pública da Bahia, um pedido de reunião com a participação da Anistia Internacional e Justiça Global até a terça-feira (10/02)
A reportagem da Ponte teve acesso a três diferentes vídeos dos corpos das vítimas, feitos no Hospital Roberto Santos, para onde elas foram levadas. Três deles têm marcas de bala nas costas, outros três apresentam ferimentos a bala no peito, e um aparece com um curativo em volta de toda cabeça. Num dos vídeos é possível ver um policial fardado gravando imagens dos corpos com seu telefone celular. As imagens são muito fortes, e optamos por não publicar.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública da Bahia, o tiroteio aconteceu por volta das 4h, na Estrada das Barreiras. A Rondesp (Rondas Especiais), da PM, havia recebido uma denúncia de que um grupo planejava assaltar uma agência bancária na região e nove policiais, divididos em três viaturas, foram atender ao chamado. Quando chegaram ao local, os PMs encontraram um veículo e cerca de seis homens próximos a uma agência da Caixa Econômica. Ao se dirigirem ao grupo, eles atiraram contra os agentes e fugiram em direção a um matagal, onde havia outros integrantes da quadrilha escondidos, num total de cerca de trinta pessoas.
Na troca de tiros, além dos 12 mortos, outros três rapazes ficaram feridos e um sargento foi atingido na cabeça de raspão. “É surreal um grupo de 30 homens trocarem tiros com 9 policiais e só atingirem de raspão um sargento”, disse à Ponte outro morador do local.
Em entrevista coletiva, o governador da Bahia, Rui Costa, disse que a princípio não haverá afastamento de policiais por não haver indícios de atuação fora da lei no caso. “Quando uma operação policial que termina com 12 mortos é vista como normal, isso demonstra a falência do sistema de segurança pública”, comentou Roque.
Na comunidade o clima é tenso. “Desde sexta, o comércio está fechando às 17h, hoje ouvimos foguetes o dia inteiro e aqui, quando tem foguete, em algum momento tem tiro”, afirmou à Ponte uma moradora do local, que também pediu para ter a identidade preservada. “Tem gente desesperada aqui, está cheio de polícia na comunidade”.
Outros três jovens negros foram mortos neste final de semana em Salvador em operações da Rondesp (Rondas Especiais).
Na madrugada do domingo 8, houve troca de tiros no bairro de Sussuarana que resultou na morte Bruno Ramos Mendes Santos. No sábado, a Rondesp matou dois rapazes no bairro de Cosme Farias. Em três dias, 15 jovens negros foram assassinados.
A operação em Sussuarana teve início depois que um policial militar foi baleado na rua Direta de Pituaçu. O atirador não foi identificado. Na sequência, viaturas da Rondesp e do Batalhão de Choque entraram na comunidade atrás de suspeitos. Foi quando, segundo os moradores, homens com trajes civis e com as cabeças cobertas por camisas atiraram em Bruno e invadiram casas à procura de alguém. Mais adiante, cerca de 2 quilômetros dali, na Rua São Cristóvão, policiais fizeram abordagens de maneira grotesca com jovens negros, ordenando que ficassem nus para não precisar “ter trabalho” na revista.
A versão oficial da Secretaria de Segurança Pública é mesma em todos os casos: os jovens estavam envolvidos com drogas ou outro crime qualquer, atiraram nos policiais que revidaram em legítima defesa.
Sobre a ação da Rondesp no Cabula, o governador da Bahia, Rui Costa, chegou a dizer em coletiva de imprensa que “todo policial é igual a um artilheiro em frente ao Gol”. E antes de qualquer investigação sobre a conduta dos PMs, o governador já adiantou que não haveria afastamento de policiais por não haver indícios de conduta ilegal na ação dos policiais.
Já a Anistia Internacional apontou que há indícios de execução sumária na operação da PM e pediu para que o Governo da Bahia faça uma investigação minuciosa sobre o ocorrido.
O que aconteceu foi uma verdadeira faxina étnica, um genocídio contra a juventude negra, um problema que a juventude negra enfrenta há muito tempo e que tem sido combatido por diversos movimentos. Uma das reivindicações dos movimentos é garantir que a PL 4471/2012, seja realmente votada no congresso, pois ela vai garantir que as mortes de jovens negros, por autos de resistência, serão investigadas.
A PL 4471/2012 prevê que mortes e lesões corporais decorrentes de ações de agentes do Estado, como policiais, por exemplo, tenham um rito de investigação semelhante ao previsto para os crimes praticados por cidadãos comuns.
A reportagem procurou as secretarias de comunicação do Governo da Bahia e de Segurança Pública e a assessoria de imprensa da Polícia Militar para falar das mortes no Cosme de Farias e da operação no Sussuarana, mas não obteve sucesso.
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Em três dias, PM de Salvador matou 15 jovens negros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU