29 Janeiro 2015
Quando se fala de genocídios, deportações em massa, assassinatos em escala industrial; quando aos nossos olhos de póstumos espectadores são apresentadas imagens de homens, mulheres, meninas e meninos (muitos) conduzidos para a morte (de poucos), é difícil reprimir o impulso de questionar: “Mas por quê não se rebelaram?”. Frente a uma evidente superioridade numérica das vítimas em relação aos seus algozes não é fácil entender a suposta renúncia, ou pior, passividade de quem está para ser assassinado. Nasce dessa nossa incredulidade, dessa nossa incapacidade de imaginar o inimaginável a ideia que as vitimas renunciaram a dignidade e a honra.
A reportagem é de Wlodek Goldkorn, publicada pela revista L’Espresso, 27-01-2015. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
A pergunta: “Por quê vocês não se rebelaram?” ressoa na sala do tribunal de Jerusalém durante o julgamento de Adolf Eichmann, dirigido pelo procurador Gideon Hausner às testemunhas que sobreviveram ao Holocausto. Nasceu um livro polêmico, não privado de rancor: “A banalidade do mal” de Hannah Arendt.
Concomitante à Jornada da memória (em 27 de janeiro de 1945 Auschwitz foi libertada do exército vermelho) a editora Giuntina publicou um pequeno e precioso livro. Não fala do Holocausto, pelo menos não diretamente. É intitulado “Pró Armênia. Vozes judaicas sobre o genocídio armeno” (sob autoria de Fulvio Cortese e Francesco Berti) com prefácio de Antonia Arslan. Na página 33 do exemplar se encontra uma frase que, embora tendo sido escrita 45 anos antes do julgamento de Eichmann, lida hoje, clamorosamente regressa a questão posta por Hausner: “À pergunta do porque não se rebelaram é fácil responder”. O autor é Lewis Einstein, diplomata americano, especialista sobre a Turquia, morto em 1967 com noventa anos de idade. E o texto, um dos quatro do libro, escreveu em 1917, dois anos após o massacre que custou a vida de um milhão de seres humanos, culpados apenas por terem nascido armenos.
Einstein explica as razoes pelas quais as vitimas não se rebelaram assim: “O País inteiro estava sob a mira de armas e com a lei marcial, a resistência organizada se tornava impossível”. Exatamente a razão pela qual somente uns poucos judeus, algumas décadas depois, se rebelaram aos nazistas. Mas o diplomata vai além: conta como em “Izmit (...) o bispo vestido com suas mais belas vestes sacerdotais, conduziu o seu rebanho, cantando o hino que cataram os filhos de Israel quando fugiram do Egito”. A fuga do Egito era uma marcha para a liberdade. Aqui, pelo contrário, o autor conta o texto e a tradição bíblica e acrescenta: “E assim partiram, quase sempre ao encontro da morte”. Em outras palavras: nenhum algoz tem o direito de tirar a dignidade da vítima, se a vítima da sua dignidade permanece consciente.
Os armênios foram exterminados em dois massacres sucessivos. O primeiro em 1893-1894, por obra do sultão Abdul Hamid II. Os armênios foram acusados de fomentar a desordem e de trabalhar para a destruição do império otomano. Foram assassinadas 200 mil pessoas. O segundo massacre, o verdadeiro genocídio, no sentido de que uma cultura inteira foi erradicada junto dos seus portadores e dos seus símbolos materiais (casas, igrejas, cemitérios) sobre o planalto de Anatólia, remonta em 1915. A primeira guerra mundial estava em andamento.
A Turquia, governada por nacionalistas que aparentemente queriam modernizar o país era inimiga da Russia e nos campos de batalha do Czar existiam muitos soldados armênios. Na Constantinopla dos armênios, cidadãos turcos não eram confiáveis. Era necessário então livrar-se deles. A reconstrução da historia e do contexto no qual o massacre acontece está no livro, obra de Raphael Lemkin, judeu polonês, advogado, inventor, de 1944, da palavra genocídio desaparecida em Nova York em 1959 (no seu funeral participaram apenas 7 pessoas). Os seus estudos sobre o que significa o assassinato e a aniquilação de uma população inteira vem desde o inicio dos anos 1920, quando liam-se crônicas do processo ocorrido em Berlim com um jovem armênio condenado por ter assassinado Mehmet Talaat, ex ministro do governo turco, considerado o principal responsável do destino imputado aos seus concidadãos.
O sofrimento dos armênios – relatando sob forma de romance por Antonia Arslan (autora do prefácio deste livro) no “The Lark Farm” (do qual os irmãos Taviani fizeram um filme homônimo) – neste libro são narradas por Aaron Aharonson, sionista, agrônomo talentoso e homem que na Palestina estava contra os turcos a serviço dos britânicos. No seu texto fala sobre “trens lotados com 60-80 armênios em vagões de carga”. E depois, com um toque digno de um escritor refinado, apresenta o caso de um homem de 45 anos, elegante, que é capturado em Constantinopla junto a um menino de 3 anos e levado ao chefe de polícia.
Os armênios não terminaram em câmaras de gás, diferentemente dos judeus. Encontraram a morte durante as longas marchas das suas cidades e vilarejos até o deserto. Eram submetidos a toda forma possível de prepotência; entre estupros a mulheres, assassinatos arbitrários, mortos pela fome, por causa da fome ou pela falta de água. Um extermínio mais artesanal se relacionado àquele dos judeus. Mas um extermínio do qual não se escapa, eis uma outra coincidência, aos olhos dos alemães, aliados dos turcos (o russo André Mandelstam fala sobre isso no livro), tanto que serviu como exemplo para Hitler sobre como o mundo está apto a tolerar e esquecer tudo.
O historiador da Universidade de Tel Aviv Raz Segal, de 39 anos, que há anos estuda os paralelos e as diferenças entre vários genocídios, fala: “O extermínio dos armênios marca o verdadeiro inicio do século XX. É a limpeza étcnica em nome da pureza da Nação Estado que com a violência erradica qualquer diversidade. A mesma ideia foi declinada pelos nazistas em um sentido mais amplo e ainda mais radical. Mas com o Holocausto e a catástrofe dos judeus, essa ideia infelizmente não morreu na Europa. Basta pensar nos Bálcãs e no massacre de Srebrenica”. Daquele massacre de mais de 8 mil muçulmanos desamparados, assassinados pelos sérvios, temos este ano o seu 20° aniversário. Um outro aniversário para recordar, nesse dia da memória.
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Dos armênios ao Holocausto, Século XIX, o século dos genocídios - Instituto Humanitas Unisinos - IHU