27 Janeiro 2015
Novos aspectos da vida de Francisco reemergem do passado; não só fragmentos, desta vez, ou citações indiretas extraídas de obras contemporâneas, mas a segunda mais antiga Vida do Santo de Assis, desconhecida até hoje, contida em um manuscrito aparentemente insignificante e ausente dos catálogos das bibliotecas, por fazer parte de uma coleção privada.
A reportagem é de Silvia Guidi, publicada no jornal L'Osservatore Romano, 27-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um pequeno códice (do formato e 12x8 centímetros) no centro de uma questão historiográfica muito vasta e complexa, em curso, sem solução de continuidade, desde a terceira década do século XIII até os nossos dias, cruz e delícia de gerações de medievalistas: a busca de testemunhos biográficos sobre o Pobrezinho de Assis não coincidentes com a vida oficial, a Legenda de Bonaventura, aprovada em 1263.
Um livro que passou despercebido por muito tempo e que chegou ileso até nós, talvez justamente por causa da sua pobreza: trata-se de um pequeno códice "franciscano em sentido literal, humilde e pobre, sem decorações ou miniaturas", explica-nos, de Paris, o autor da descoberta, o medievalista Jacques Dalarun, a quem pedimos que nos contasse os detalhes de uma pesquisa apaixonante e cheia de surpresas, como uma história de detetive paleográfica.
Eis a entrevista.
Como o senhor encontrou o manuscrito?
Graças ao e-mail de um colega, Sean Field, que leciona na Universidade de Vermont e é – aproveito a oportunidade para especificá-lo – felizmente casado: não é um frei franciscano, como vi escrito na imprensa nestes dias. Sean, sabendo que eu me ocupo há muito tempo com os testemunhos biográficos de Francisco, me assinalou um iminente leilão de um manuscrito que poderia ser interessante. E também graças ao cuidadoso e inteligente trabalho de Laura Light, a estudiosa que preparou a descrição do manuscrito para a casa de leilões norte-americana, que o colocou à venda no ano passado. Eu estava procurando esse texto há sete anos: durante os meus estudos, eu tinha encontrado fragmentos e vestígios dispersos, e tudo levava a pensar na existência de uma espécie de Legenda intermediária de Tomás de Celano, posterior à primeira redação e anterior à segunda Vida que conhecemos, uma obra composta sob o generalato do frei Elias. Encontrar esse texto foi uma confirmação muito, muito preciosa e, obviamente, uma grande alegria. Dizemos que essa descoberta choveu em um terreno pronto para recebê-lo.
Quando o senhor percebeu que o texto latino à sua frente na tela do seu computador não era apenas um florilégio umbro do fim do século XIII sobre a vida de Francisco, mas uma obra inédita de Tomás de Celano?
Decifrando o prólogo. No site, também havia imagens do manuscrito, não da mais alta qualidade, mas mesmo assim legíveis, embora com um pouco de dificuldade. A própria Laura Light, na sua descrição do códice, citava os meus estudos, referindo à possibilidade de que pudesse se tratar de uma peça importante de um mosaico ainda a ser totalmente concluído. Nesse ponto, a minha preocupação foi tornar o texto disponível aos estudiosos; se tivesse sido comprado de um privado, isso não seria automaticamente garantido. Por isso, me dirigi à diretora do departamento de manuscritos da Biblioteca Nacional da França, que, depois de uma negociação com a casa de leilões, comprou o livro. Enquanto isso, desde setembro passado até hoje, pude estudar o texto de modo aprofundado e preparar a edição latina e a tradução francesa, iniciando também as traduções em italiano e inglês. A notícia foi divulgada apenas no dia 16 de janeiro passado na imprensa francesa. Não era apropriado torná-lo conhecido antes para não interferir em uma negociação comercial em andamento, e eu queria também ter uma ideia precisa da colocação cronológica e do conteúdo do manuscrito.
Encontrou elementos interessantes no texto?
É um resumo, escrito em um lapso de tempo que vai de 1232 a 1239, da primeira versão da Legenda, considerada longa demais pelos contemporâneos, mas não só: são adicionados novos elementos e, lendo-o com atenção, fica evidente que a reflexão do autor também se aprofundou notavelmente ao longo do tempo, especialmente sobre as questões da pobreza e do amor pelas criaturas. Tomás de Celano era um homem muito profundo e nunca deixou de refletir sobre o ensinamento de Francisco. Em certo sentido, se poderia dizer que o biógrafo, com o passar dos anos, entende que... realmente não entendeu a mensagem de Francisco. Que o relatou, mas não o entendeu realmente. E é um texto amplo: a edição latina tem cerca de 60 cartelas.
Muitos comentários contidos na primeira versão foram eliminados, e há alguns pontos novos. Ressalta-se muito mais a concretude da experiência da pobreza, do experiri paupertatem não em sentido simbólico, alegórico ou só espiritual, mas real: significa usar as mesmas vestes e comer a mesma comida dos pobres. E se aprofunda o tema da fraternidade com toda a criação. No início, Tomás falava disso como de algo admirável, estranho e incrível, mas, substancialmente, estranho para a sua experiência. Bem escrito, mas distante. Na reescrita, em vez disso, ele reflete sobre o fato de que a fraternidade com a criação também diz respeito aos seres desprovidos de razão, não só aos seres humanos. É um discurso anti-identitário. Somos diferentes, mas irmãos, porque todos descendem da paternidade do Criador. Por isso, não concordo quando ouço que "Francisco amava a natureza": é um conceito pagão. Francisco amava os seus irmãos homens e animais, por serem filhos de um mesmo Criador.
Há um ponto que chamou a sua atenção de modo particular?
Um episódio que já conhecíamos, mas que é contado de um modo um pouco diferente na chamada legenda trium sociorum. O que podemos ler agora é provavelmente a versão mais autêntica e mais antiga. Fala-se de uma viagem de Francisco em Roma, mas não como a peregrinação de uma pessoa já convertida, que abraçou a vida religiosa. Neste caso, é contada uma viagem de negócios de um mercador que fica impressionado com a pobreza dos mendicantes que vê perto de São Pedro e se pergunta se seria capaz de viver uma experiência semelhante. Nada a ver com a versão adocicada que se difunde posteriormente: Francisco, já frei, que se inclina sobre a dor de quem cruza pelo seu caminho. Aqui, o contraste é muito mais forte, não uma mudança gradual, mas um verdadeiro choque. Tomás acrescenta outros detalhes muito concretos e realistas: explica que Francisco reparava os buracos na sua túnica usando fibras tiradas da casca das árvores e das ervas que encontrava nos campos, justamente como faziam aqueles que não tinham absolutamente nada, nem mesmo os instrumentos para costurar.
Ainda é preciso entender...
O suspense está apenas no início: quem tinha esse livro no bolso? Por quem foi feito? Provavelmente, por um frei menor, perto de Assis. Quem podia ter conhecimento desses textos? O frei Leão, ou talvez o frei Luigi Pellegrini, levando em conta também o fato de que a Vita tem apenas 15 fólios, um oitavo do volume. No manuscrito, também há as Admoestações de Francisco e muito mais. Mas ainda há muito o que entender. Também é interessante o momento histórico em que floresceu do passado esse testemunho, em um ângulo de século que tem muitos pontos em comum com a grande expansão econômica e os grandes bolsões de pobreza do século XIII. É uma bela ajuda por parte do primeiro Francisco para o atual papa, que, justamente agora, está preparando uma encíclica sobre o amor pela criação.
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São Francisco reencontrado. Entrevista com Jacques Dalarun - Instituto Humanitas Unisinos - IHU