Francisco errou ao declarar guerra à Cúria? Artigo de Anne Soupa

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

08 Janeiro 2015

Diversos analistas apontam que o papa está em dificuldades. Pode ser. Mas as dificuldades são feitas para serem superadas, e todos sabem que este papa é astuto. A sua desaprovação violenta e um pouco teatral da Cúria seria um apelo aos católicos e à opinião pública para apoiá-lo.

A opinião é da biblista e teóloga feminista francesa Anne Soupa, publicada no sítio Baptises.fr, 02-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Savonarola tinha dito que a Cúria Romana era uma "prostituta orgulhosa e mentirosa". Ele está morto. Francisco está mais fraco devido à denúncia das "15 doenças da alma", que ele jogou na cara dos cardeais e prelados da Cúria? Por que não preferiu uma ação discreta, caso a caso? Ele estava com dificuldades antes? Ele está com mais dificuldades agora?

Antes de qualquer outro elemento de resposta, é preciso lembrar que a sua reclamação é fundamentada. Bento XVI já tinha fustigado aqueles maus servidores do Evangelho que querem apenas o seu próprio bem; depois empalideceu diante do escândalo do Vatileaks.

Por fim, os cardeais do conclave tinha inscrito a limpeza da Cúria como uma prioridade para o seu mapa. Francisco, no dia 22 de dezembro, nada mais fez do que o seu trabalho.

Isso é o que as correntes tradicionalistas tentam fazer com que se esqueça. Por exemplo, Nicolas Diat imediatamente se apressou a denunciar "acusações no limite da difamação" e de gritar riscos de danos colaterais. Outros discursos, despertando a lendária culpabilidade católica, exploraram uma circunvolução cortês do papa, para dizer que aquelas doenças eram "de todos nós", para levar os católicos ao exame de consciência e desviar, assim, a rajada destinada à Cúria. Velha tática: diluir, diluir ainda e sempre; o princípio ativo será logo neutralizado. Mas fiquemos atentos, mantenhamos o olhar na direção certa: essas doenças não são as do católico "X", são precisamente as do poder: carreirismo, duplicidade de linguagem, mundanidade espiritual...

Por fim, Dom Bernard Podvin, porta-voz do episcopado, escolheu, de sua parte, outra atitude: a negação. "Nas paróquias, ninguém se faz esse tipo de questão. Francisco é muito apreciado pelos bispos e pelos fiéis... Não há nenhuma guerra"...

A questão posterior é saber se é uma boa tática bater forte, como fez Francisco. Ele não corre o risco da constituição de uma verdadeira oposição, já cimentada pelo opróbrio? Odon Vallet teme que a escolha do papa lhe seja fatal. O silêncio teria sido preferível, ele teria evitado tomar a peito uma pesada máquina que já destruiu mais do que um papa.

Ao fazer isso, Odon Vallet opta por responder afirmativamente a uma pergunta muitas vezes debatida: a Igreja obedece às regras e às estratégias do mundo? Sim, porque é evidente que o silêncio e o poder discreto de nomeação e de revogação são um remédio que deu as suas provas, mesmo na Igreja.

No entanto, aqui, gostaria de algo mais. A Igreja não pode se contentar com aplicar regras prudenciais clássicas. Ela deve ir além. A sequela Christi é uma disposição que não se discute quando se é bispo ou cardeal. Ninguém é obrigado a permanecer em um certo cargo se não está alinhado com o trabalho. E evitemos de invocar aqui a indulgência, que seria apenas fraqueza. Ela já não foi suficientemente denunciada por ocasião dos escândalos recentes de pedofilia? Francisco talvez pode se prestar a cobrir práticas seja penalmente condenáveis, seja contrárias à lógica de um compromisso diante de Deus? No rastro do Evangelho, Francisco, o justo, denuncia aqui a duplicidade de linguagem dos fariseus: dizem e não fazem... E, incidentalmente, lembra que não se pode levar a bom êxito um Sínodo sobre a família destinado a lembrar aos fiéis as exigências do seu engajamento quando a Cúria opta por zombar dele.

Diversos vaticanistas, como Marco Politi, apontam que o papa está em dificuldades. Pode ser. Mas as dificuldades são feitas para serem superadas, e todos sabem que este papa é astuto. A sua desaprovação violenta e um pouco teatral seria um apelo aos católicos e à opinião pública para apoiá-lo. Certamente, 90% o apoiam. Mas, concretamente, podem ajudá-lo?

A pergunta é trágica, não tem uma resposta positiva: faltam aos católicos os canais institucionais para se fazerem ouvir. Cada bispo deve exercer a comunhão na sua diocese e, querendo ou não, deve ecoar as expectativas dos fiéis. Fazem-no? Alguns sim, outros não. E as idas dos bispos a Roma por ocasião das suas visitas ad limina se confrontam com uma tal mesquinhez e com uma tal condescendência por parte dos empregados da Cúria que, muitas vezes, eles morrem de sufocamento.

Quanto às Conferências Episcopais nacionais, as suas atitudes divergem. A Conferência alemã soube, majoritariamente, tomar posição atrás do papa em favor de uma adaptação da disciplina eclesiástica em relação ao matrimônio, assim como a Conferência dos Bispos da França brilha pelo seu silêncio.

Sim, ela havia "omitido" de colocar no seu site o questionário de 2013 sobre a preparação do Sínodo. Agora, ela não abre a boca, despertando até mesmo a ironia do cardeal Kasper. Mas ela está consciente de que a sobrevivência da Igreja passa pelo seu apoio ativo a um papa do qual se diz que é a sua última chance? Aparentemente não...

Restam as iniciativas próprias do povo católico, desprovido na sua própria Igreja do equivalente a uma assembleia de tipo parlamentar que lhe faça eco. Sim, o povo católico, o francês em particular, está dramaticamente sozinho neste momento. Como... o papa, já que 90% da Cúria o desaprovaria.

Estranha conjunção essa, de um papa e de um povo, na mesma linha, mas sem meios para fazer corpo... No fim, se compreenderá que a máquina eclesial deve ser desobstruída? Hoje, só resta ao povo o abaixo-assinado, as ruas ou uma gigantesca e generosa concentração, talvez em Roma.