Por: Viviane Aparecida Ferreira de Lara Matos | 16 Março 2018
A experiência de ser adolescente e jovem traz grandes inquietações para atores sociais e profissionais que se dedicam ao trabalho cotidiano com eles e elas, ainda mais nos dias atuais. É necessário despertar a visão que os adolescentes e jovens expressam a respeito dos mitos e verdades sobre suas experiências, sentimentos, fragilidades e violações sofridas. Com seus relatos, individuais e coletivos, é possível mergulhar nas questões que os afligem e demarcar o que há de olhar adultocêntrico sobre sua realidade. A ausência de políticas públicas impacta tanto em seu comportamento e em sua vida material, como nas relações sociais e nas escolhas de sua adolescência e juventude.
Foi com essa intensidade que o CEPAT realizou a abertura do ciclo de debates e vivências Juventudes, direitos humanos e democracia, na manhã de segunda-feira, 12 de março, no Colégio Estadual Santos Dumont, bairro Guaíra. A iniciativa conta com a parceria do Colégio, Instituto Humanitas Unisinos (IHU) e Núcleo dos Direitos Humanos da PUCPR. Para abordar o tema Juventudes e Direitos Humanos, tivemos a assessoria dos educomunicadores Diego Henrique da Silva, Juliana Cordeiro e Paula Nishizima, do coletivo Parafuso Educomunicação.
Baseado na metodologia freiriana, essa iniciativa busca uma abordagem transversal dos temas, levando em conta as vivências e experiências já experimentadas por esses atores sociais. A proposta de todo esse trabalho almeja abranger os seguintes temas: direitos humanos, cidadania plena, democracia, educação e comunicação popular. Como horizonte, vislumbra-se a construção de novas práticas sociais.
Durante o primeiro encontro, o educomunicador Diego Henrique da Silva problematizou os mitos e as verdades da adolescência e da juventude a partir do olhar e da vivência desses sujeitos. A partir dos relatos riquíssimos dos próprios participantes destacamos algumas reflexões abordadas durante o encontro, vejamos:
Os adolescentes e jovens ressaltaram que os adultos não os reconhecem como seres capazes, maduros e responsáveis. Eles compreendem que estão em um processo de transição, sabem que não são crianças e não são adultos, contudo, já possuem a responsabilidade de estudar, cuidar dos irmãos menores, fazer cursos, cuidar da casa na ausência dos pais e procurar trabalho. De acordo com a estudante Israele de Oliveira, “estamos crescendo e para nós também é estranho, nossa cabeça está cheia de pensamentos não organizados”.
Diego Henrique da Silva enfatizou que essas responsabilidades chegam para os adolescentes e jovens tudo de uma vez só. Ressalta, ainda, que eles ainda não possuem capacidade emocional e cognitiva para assumir certas responsabilidades. Na medida em que os adultos compreendem o desenvolvimento peculiar dessa idade e conseguem desenvolver a capacidade pedagógica e a maturidade emocional necessária, os conflitos geracionais diminuem e há real capacidade de ajudá-los a se integrar nesse novo e desafiador universo.
Outras duas questões que os adolescentes e jovens acreditam que a sociedade relaciona, quando se trata da realidade juvenil, é a influência das amizades e a forte presença das drogas lícitas e ilícitas, como o álcool e as drogas. Eles e elas não aceitam esse rótulo e compreendem que as drogas estão presentes na sociedade e que essa problemática deveria ser tratada com maior seriedade pelas autoridades responsáveis. “Somos apenas vítimas desse círculo do tráfico”, relata um dos adolescentes que prefere não ser identificado. Os(as) participantes também demonstram que essas duas questões estão relacionadas com a autoestima, o autoconhecimento e as ações preventivas.
Para a educomunicadora Juliana Cordeiro, a relação do uso e abuso de álcool e outras drogas na adolescência e na juventude e as relações de amizade podem estar relacionadas, pois é o momento em que os adolescentes e jovens estão construindo sua identidade individual e de grupo. Cordeiro ressalta a importância da autoconfiança, apresentada pelo grupo, que fortalece os sujeitos jovens e já se constitui uma ação preventiva. Outra ação preventiva, proposta por Cordeiro, pode estar em duas perguntas básicas que os adolescentes e jovens podem se fazer: 1) por que preciso usar álcool e/ou drogas? 2) e o que esse uso pode acrescentar em minha vida? Orienta, ainda, a buscar pelas redes sociais informações sobre os efeitos e impactos sobre o corpo e sobre as relações sociais.
A última reflexão significativa desse encontro foi o reconhecimento dos adolescentes e jovens que o sistema prisional não é o lugar que gera vida, pelo contrário, acreditam que o lugar de todos é na família, na escola e no trabalho. Veem a sociedade com olhos esperançosos de que possam ouvi-los e pensam que ela, a sociedade, deveria acolhê-los de forma digna, com processos de educação que os integre e espaços, como o mundo do trabalho, que oportunizem uma perspectiva de vida digna.
Juliana Cordeiro ressalta que a sociedade tem caído em posturas e respostas conservadoras e legalistas para os problemas que estão em torno dos adolescentes e jovens. O sistema prisional no Brasil não educa e não faz mudanças estruturais na sociedade. Estamos com a maior população encarcerada de adolescentes e jovens nos últimos anos. É necessário o retorno de investimento do Estado brasileiro em políticas públicas para as juventudes, pois com a aprovação da Emenda Constitucional 95, foram retirados do orçamento nacional cerca de 80% dos recursos nessa área. Como fazer mudanças sociais se o Estado está deixando de investir nos adolescentes e nos jovens? Hoje, os adolescentes e jovens, principalmente os mais pobres, são os sujeitos sociais que mais estão sendo vítimas da estrutura social em que vivemos.
Foto: Ana Paula Abranoski
Após essa etapa do encontro, trabalhou-se o aprofundamento do que são os direitos humanos. Segundo Diego Henrique da Silva, “ouvindo os relatos individuais e coletivos, vejo o quanto está presente a violação do direito fundamental à liberdade, ao respeito e à dignidade, direito conquistado pelos adolescentes e jovens, nos anos 1980, a partir do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, uma conquista histórica, que deveria permanecer garantida pela família, pela sociedade e pelo Estado. Esse direito está garantido em lei, fruto da luta social, desde 1990, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Silva destacou um leque de direitos humanos para cada violação apresentada pelos jovens.
Frente ao relato dos participantes de que é frequente as abordagens policiais na comunidade, bem como as realizadas por seguranças nos shoppings centers da cidade de Curitiba, Silva destacou o direito de ir e vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários.
Silva e Cordeiro falaram a respeito do direito à opinião e expressão, diante da frase mais repetida pelos adolescentes e jovens, durante o encontro: “Sentimos que ninguém acredita em nós”. Além disso, lembrou do direito à alimentação, moradia e saneamento básico, visto que ainda os participantes estavam remexidos e sofrendo por causa das últimas enchentes que ocorreram na cidade de Curitiba. A população ficou sem resposta aos alagamentos e sem atendimento nas situações emergenciais. A comunidade do Parolin realizou protestos e a resposta das autoridades foi a força policial.
Culturalmente, a maior parte da sociedade ainda olha para os adolescentes e jovens de forma conservadora e opressora, não acrescentando em sua prática uma forma diferente de enxergá-los. Fortalecer o protagonismo juvenil e alimentar uma esperança ativa, como ensina Paulo Freire, é desafiador. Percebe-se uma juventude que sabe de seu contexto e que já possui experiências significativas de direitos fundamentais violados.
Diante da ausência de políticas públicas e de diálogo com os adolescentes e jovens, não é nada fácil despertar nas pessoas a vontade de realizar uma mudança pessoal e coletiva, que exija delas uma participação política ativa, não passiva. O que temos a nosso favor, de acordo com os estudos dessa geração de adolescentes e jovens, é que eles possuem maior capacidade e inteligência para não serem manipulados e enganados. Contamos com a rebeldia natural da adolescência e da juventude. Felizmente, esse é um trabalho que está encontrando uma escola de portas abertas, um ponto a mais para vencer a indiferença e estabelecer a construção da participação política na vida em sociedade.
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Quando a escola abre as portas, adolescentes e jovens dialogam seus direitos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU