Pesquisadores comemoram a suspensão temporária, mas alertam que a volta dessa prática à costa gaúcha é cheia de equívocos e leva em conta apenas interesses da grande indústria pesqueira
No apagar das luzes do conturbado 2020, o então recém chegado ao Supremo Tribunal Federal – STF, ministro Kassio Nunes Marques – aliás, elevado à corte pelas mãos do presidente Jair Bolsonaro – resolveu liberar a pesca com o uso de arrasto em alto mar, na altura da costa do Rio Grande do Sul. Anos antes, um grupo formado por cientistas, organizações não-governamentais e pescadores gaúchos fizeram um movimento para proibir essa prática. Conseguiram chegar à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, que aprovou uma lei que proibiu essa pesca. “Chegamos à conclusão de que a proibição do arrasto tinha um grande potencial para incrementar os rendimentos econômicos da pesca, além de contribuir para a conservação de espécies em risco de extinção, sobre tudo tubarões e raias, da fauna de águas rasas do litoral do Rio Grande do Sul”, observam os pesquisadores Luís Gustavo Cardoso e Manuel Haimovici.
Não é de hoje que sabemos que o atual governo não está muito preocupado com a preservação ambiental, mas nessa questão ainda há pressão da grande indústria pesqueira de Santa Catarina. Segundo Cardoso e Haimovici revelam em entrevista conjunta, concedida por e-mail à IHU On-Line, há questões técnicas ignoradas e também políticas. “Parece que a decisão liminar foi tomada às pressas sem a devida análise correta do contexto e dos fatos”, avaliam. “O texto que baseia a liminar está repleto de erros conceituais e de informação”, completam ao lembrar que o ministro confunde um projeto de pesquisa com uma política pública.
Depois dessa liberação em dezembro passado, agora em janeiro a Secretaria de Aquicultura e Pesca, órgão federal que trata do tema, voltou a suspender a prática do arrasto até que um plano de manejo seja elaborado. Os pesquisadores veem como uma vitória, mas ainda seguem preocupados porque o plano não está sendo discutido abertamente. “Diversos pesquisadores com vasta experiência e numerosos estudos publicados sobre a pesca e em recursos pesqueiros na região, não foram convidados. Ainda, nenhuma entidade representativa do setor pesqueiro do Rio Grande do Sul foi convidada para participar da elaboração do plano”, apontam.
Ao longo da entrevista, Cardoso e Haimovici detalham no que consiste a pesca com uso de arrasto e os danos que causam ao meio ambiente e mesmo à indústria pesqueira, seja ela grande ou de pescadores artesanais. E também recuperam os dados que mostram que praticando uma pescada sustentável a rentabilidade pode ser maior e assegurada por um longo tempo. “Segundo as projeções, após dois anos sem o arrasto os armadores de pesca poderiam aumentar suas receitas em R$ 32,4 milhões, enquanto as indústrias de Rio Grande em R$ 1,7 milhões. Este aumento de receita impactaria positivamente na arrecadação estadual, que poderia ser de R$ 4,1 milhões, um aumento de R$ 3,5 milhões em dois anos”, apontam, ainda sem levar em conta os ganhos em termos de preservação ambiental.
Luís Gustavo Cardoso (Foto: Arquivo pessoal)
Luís Gustavo Cardoso é oceanólogo, doutor em Oceanografia biológica pela Universidade Federal de Rio Grande – FURG. Atualmente é professor adjunto do Instituto de Oceanografia da mesma universidade. Também é membro da rede mundial de pesquisadores FISHPATH, da delegação brasileira na International Commission for the Conservation of Atlantic Tunas – ICCAT. Dirige o Laboratório de Recursos Pesqueiros Demersais e Cefalópodes.
Manuel Haimovici (Foto: Arquivo pessoal)
Manuel Haimovici é graduado em Biologia pela Universidade de Buenos Aires e doutor em Ciências Biológicas pela mesma instituição. Professor Emérito do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, trabalha com Oceanografia Biológica, com ênfase em biologia, avaliação e manejo de recursos pesqueiros marinhos, ecologia pesqueira e bioecologia taxonomia e diversidade de cefalópodes.
IHU On-Line – A Secretaria Nacional de Aquicultura e Pesca suspendeu a pesca de arrasto nas 12 milhas náuticas da costa do Rio Grande do Sul, mesmo depois de decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, em dezembro passado, que liberava a prática. Essa decisão representa uma vitória?
Luís Gustavo Cardoso e Manuel Haimovici – Sim, de certa forma, a suspensão representa uma situação melhor do que se a pesca de arrasto tivesse sido liberada diretamente. A Secretaria de Agricultura e Pesca – SAP suspendeu a pesca de arrasto enquanto elabora um plano de gestão que deverá ser aplicado quando a atividade voltar a ser permitida, na hipótese de manutenção da liminar do ministro Kassio Marques [a decisão de liberação da prática foi do ministro, recém chegado ao STF, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro].
No entanto, não está claro como este plano de gestão será elaborado. O que sabemos até agora é que participam da elaboração somente de pesquisadores do projeto Redução do Bycatch – REBYC, um projeto importante, com pesquisadores qualificados de diversas instituições de pesquisa no país. Cabe destacar que o projeto REBYC é focado na pesca de arrasto de camarão, e sabemos que ainda não conseguiu desenvolver um dispositivo tecnológico que funcione para diminuir o bycatch nessa pescaria (o Bycatch é composto por espécies que não são alvo da pescaria que incluem juvenis das espécies de peixe exploradas comercialmente e indivíduos de espécies que não têm valor comercial, algumas em perigo de extinção).
No entanto, a proibição do arrasto não se restringe apenas ao impacto causado pelo arrasto de camarão, mas também ao arrasto de portas e arrasto de parelha da frota industrial que até a publicação da Lei das 12 milhas estavam autorizadas a pescar dentro das 12 milhas. Diversos pesquisadores com vasta experiência e numerosos estudos publicados sobre a pesca e em recursos pesqueiros na região, entre eles nós, não foram convidados. Ainda, nenhuma entidade representativa do setor pesqueiro do Rio Grande do Sul foi convidada para participar da elaboração do plano. Ou seja, pesquisadores e entidades de outros estados estão decidindo sobre a pesca no RS.
Portanto, diversas perguntas ainda estão sem resposta por parte da SAP.
IHU On-Line – O que a decisão do STF, tomada na figura do novo ministro Kassio Nunes Marques, representa? Como compreender as questões de fundo nessa tema?
Luís Gustavo Cardoso e Manuel Haimovici – A decisão do ministro representa uma vitória de um setor dos armadores da pesca industrial sediado em Santa Catarina, o vinculado ao arrasto de camarões na região sul. No entanto, parece ter sido tomada às pressas, sem o devido cuidado, porque o texto que baseia a liminar está repleto de erros conceituais e de informação.
Por exemplo, está no final da página 14 do texto da liminar a seguinte frase “É dizer, já há política pública nacional bem estruturada e definida, traçada em iniciativa conjunta com a Organização das Nações Unidas – FAO, que permite a proteção ao meio ambiente e também à economia local.”. Nesta frase, o ministro trata um projeto de pesquisa como uma política pública estabelecida. Cabe destacar que este projeto, de abrangência nacional, assim como outros em outras regiões do mundo com o mesmo objetivo, não visa um plano de manejo, senão a encontrar adaptações tecnológicas para a redução de bycatch no arrasto de camarão. Os resultados preliminares do projeto não apresentam ainda uma solução tecnológica testada para as pescarias de arrasto de camarão no RS.
Ainda, na página 24, o ministro escreve “... as populações locais de pequenos pescadores vivem da pesca artesanal, os quais, em regra, não dispõem de outro meio de subsistência para si e suas famílias. Com a proibição da pesca nas 12 milhas marítimas, tiveram suas vidas afetadas e provavelmente perderão sua principal fonte de renda.”
Na verdade, a proibição do arrasto de fundo nas 12 milhas resultou num incremento de capturas com outros tipos de artes de pesca e consequentemente de renda para as populações locais de pescadores artesanais do Rio Grande do Sul e não afeta a grande maioria os pescadores artesanais de Santa Catarina que não se deslocam centenas de quilômetros para pescar camarão no Rio Grande do Sul.
É interessante destacar que representantes de colônias de pescadores artesanais de Santa Catarina mostram interesse na portaria, visando a diminuição da pressão pesqueira de grandes embarcações nas aguas costeiras daquele estado. Portanto, parece que a decisão liminar foi tomada às pressas sem a devida análise correta do contexto e dos fatos.
IHU On-Line – Gostaria de retroceder um pouco e pedir que o senhor explique porque a pesca por arrasto deve ser proibida nas 12 milhas náuticas da costa gaúcha?
Luís Gustavo Cardoso e Manuel Haimovici – Para começar, as capturas do setor pesqueiro do Rio Grande do Sul têm diminuído gradativamente desde a década de 1980 e de forma mais acentuada nos últimos anos, afetando seriamente pescadores artesanais e industriais. Estudos baseados na larga experiência desenvolvida ao longo de 45 anos na FURG apontam a captura, pelo arrasto de fundo, de peixes pequenos das principais espécies (corvinas, castanhas, pescadas e pescadinhas) como uma causa importante deste decréscimo.
A pesca de arrasto é uma modalidade de pesca em que uma embarcação traciona arrastando pelo fundo do mar uma rede em forma de funil (conforme imagem abaixo) em que os peixes e camarões entram na abertura frontal e são acumulados num saco no fundo da rede. No sul do Brasil esta pescaria é desenvolvida em três modalidades: 1) arrasto de tangones, onde um barco traciona duas redes, que pode ter como alvos camarões ou peixes, 2) arrasto simples onde um barco traciona uma rede e 3) arrasto de parelhas onde dois barcos tracionam uma rede.
Desenhos de diferentes tipos de redes de arrasto de fundo (Foto: Site da FAO)
A quase totalidade das capturas das duas últimas modalidades é composta de peixes. O tamanho das redes varia entre as três modalidades, no caso da pesca de tangones de camarões, podem chegar a ter 20 metros de comprimento com uma abertura frontal (por onde entram os camarões e peixes) de aproximadamente 1,5 metros na vertical e 10 metros na horizontal. As redes de arrasto para peixes podem chegar a ter 70 metros de comprimento com uma abertura frontal de 3 metros na vertical e 15 metros na horizontal.
A pesca de arrasto é pouco seletiva, ou seja, captura um grande número de organismos que não são alvo da pesca pelos pequenos tamanhos, pela falta de valor comercial ou ainda por serem proibidos, e, portanto, são devolvidos ao mar já sem vida. Diversos estudos indicam que o descarte na pesca de arrasto no Rio Grande do Sul inclui uma fração importante de juvenis de corvina, castanha, pescadas e outras espécies de interesse comercial cuja abundância atual se vê afetada, tanto pela pesca intensa, como pelo descarte de juvenis na pesca de arrasto.
Os indivíduos pequenos das espécies importantes comercialmente, crescem rápido e ganham muito peso nos primeiros anos, portanto sua captura em tamanhos pequenos significa uma exploração ineficiente, em termos econômicos, de um recurso natural. A proibição do arrasto tem o potencial de recuperar estoques de peixes e proporcionar melhores rendimentos para pescadores artesanais, industriais e toda cadeia produtiva da pesca no estado, visto que a Lei Estadual 15.223/2018 restringe o arrasto de fundo apenas no mar territorial sob jurisdição do Estado do Rio Grande do Sul (12 milhas), sem interferir no arrasto além desta região, onde ocorre grande parte das capturas dos peixes comercializados.
Além do impacto econômico, nas 12 milhas ocorrem 66 espécies de peixes, entre elas, estão 22 espécies ameaçadas de extinção que teriam a mortalidade por pesca reduzida pelo afastamento do arrasto de fundo.
IHU On-Line – Os senhores também participaram dos estudos que embasaram a legislação do estado do Rio Grande do Sul que determinou essas proibições. Que estudos foram esses? A que conclusões levaram? E quais os desafios políticos até que se conseguisse a efetividade da lei estadual?
Luís Gustavo Cardoso e Manuel Haimovici – Estes estudos foram realizados pelos professore(a)s Patrizia Abdalha, do Institudo de Ciências Econômicas, Luís Gustavo Cardoso, Manuel Haimovici e Felipe Dumont do Instituto de Oceanografia e da FURG. Os cálculos realizados mostraram que a redução da pesca de juvenis na faixa costeira tem o potencial de contribuir na recuperação dos estoques, o que resultaria em benefícios a curto prazo para todo o setor pesqueiro, tanto pescadores artesanais como industriais, inclusive a pesca de arrasto fora das 12 milhas.
Esta ideia de calcular a perda em biomassa devido à captura em tamanhos pequenos de peixes que crescem bastante e rápido já vinha sendo discutida em conversas informais nos laboratórios da FURG. Em 2017, quando representantes da ONG Oceana, organização mundial que apoia projetos visando a exploração sustentável do ambiente marinho e do Conselho Gaúcho de Pesca – Congapes procuraram a FURG para consulta sobre qual era a opinião dos pesquisadores da Universidade sobre a proibição do arrasto de fundo nas 12 milhas, a oportunidade de analisar especificamente essa proposta se materializou e contou com o apoio da OCEANA.
Em dois meses, com base em todos os estudos previamente realizados na FURG desde 1976 e outras instituições de pesquisa relacionados a questão chegamos à conclusão de que a proibição do arrasto tinha um grande potencial para incrementar os rendimentos econômicos da pesca, além de contribuir para a conservação de espécies em risco de extinção, sobre tudo tubarões e raias, da fauna de águas rasas do litoral do Rio Grande do Sul.
O estudo tomou como base os desembarques pesqueiros realizados no Rio Grande do Sul em 2016 (na época o ano mais recente com dados de desembarques pesqueiros disponíveis), e foi estimado que, naquele ano, foram capturadas e descartadas 642 toneladas de indivíduos pequenos das quatro principais espécies pelas embarcações de arrasto de fundo atuando dentro das 12 mn. As projeções consideraram as taxas de crescimento e mortalidade natural de cada espécie e indicaram que, se estes peixes não tivessem sido descartados, os milhões de pequenas corvinas, castanhas, pescadas e pescadinhas teriam crescido e se transformado em peixes maiores gerando 2.367 toneladas (+269%) após um ano e 6.907 toneladas (+976 %) após dois anos.
Estes peixes estariam disponíveis para serem capturados pelas embarcações de arrasto fora das 12 milhas, por barcos de emalhe e pelos pescadores artesanais. Ou seja, a cada tonelada de peixes pequenos não capturada pelo arrasto dentro das 12 milhas, os pescadores poderiam ter tido acesso a quase três toneladas depois de um ano e 10 toneladas depois de dois anos.
Após extrapolar os valores em biomassa para valores econômicos, chegamos à conclusão de que a economia gaúcha ganharia em produção, renda e empregos sem a pesca de arrasto na faixa costeira. Segundo as projeções, após dois anos sem o arrasto os armadores de pesca poderiam aumentar suas receitas em R$ 32,4 milhões, enquanto as indústrias de Rio Grande em R$ 1,7 milhões. Este aumento de receita impactaria positivamente na arrecadação estadual, que poderia ser de R$ 4,1 milhões, um aumento de R$ 3,5 milhões em dois anos.
Vale ressaltar que as projeções de ganhos ainda foram subestimadas, pois consideramos apenas quatro espécies que têm sua biologia bem conhecida por estudos prévios da FURG. Também não foram consideradas capturas realizadas dentro das 12 milhas e desembarcadas nos estados vizinhos, ou seja, os incrementos seriam muito maiores do que os apresentados acima.
As analises mostraram que de fato, o arrasto de tangones dirigido a camarões, que pouco contribui aos desembarques totais no Rio Grande do Sul, sofreria uma redução nas capturas já que opera em águas rasas próximas a costa. Mas justamente por atuar em águas rasas e com uma malha muito pequena é responsável por uma fração considerável do descarte de pequenos peixes. Esta modalidade de pesca é questionada no mundo todo e é de fato a que levou a procura de soluções tecnológicas como as pesquisadas no REBYC.
Estes resultados foram apresentados em diversas reuniões e, de certa forma, ajudaram a formar uma opinião positiva sobre a aprovação da medida. No entanto, o papel da ONG Oceana e do Congapes foi fundamental para a mobilização e formação de um movimento que levo à aprovação da Lei por unanimidade pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
IHU On-Line – Segundo a Secretaria de Aquicultura e Pesca, o uso de arrasto nas 12 milhas náuticas pode voltar a ser liberado depois da apresentação de um plano de manejo. Mesmo com um plano de manejo, a pesca com arrasto não causaria danos ambientais?
Luís Gustavo Cardoso e Manuel Haimovici – Conforme explicado acima, o plano não está sendo elaborado de forma transparente. Diversos pesquisadores com vasta experiência não foram convidados. Não se sabe que plano é esse.
Na nossa opinião, a volta da pesca de arrasto nas 12 milhas só poderia ser cogitada após a elaboração de um plano de manejo que abranja todas as pescarias que atuam sobre os recursos demersais (organismos que vivem próximo ao fundo) na plataforma continental do sudeste e sul do Brasil. A elaboração deste plano deveria ser amplamente discutida, de forma transparente, entre governo, pesquisadores, o setor pesqueiro e a sociedade civil organizada. Mesmo causando danos ambientais a pesca de arrasto poderia ser considerada num contexto que incluía o monitoramento, a avaliação do estado de exploração e controle do esforço de pesca aplicado sobre os estoques pesqueiros.
Aliás, nós participamos junto com pesquisadores de outras instituições de pesquisa do sudeste e sul de um projeto denominado “Subsídios Científicos para o Manejo Espacial e com Enfoque Ecossistêmico da Pesca Demersal nas regiões Sul e Sudeste do Brasil”, financiado pelo CNPq. Este projeto pretende apresentar, quando finalizado, uma proposta para melhorar a gestão da pesca demersal no sudeste e sul do Brasil.
IHU On-Line – Em que medida a pesca por arrasto pode comprometer a safra do camarão no sul do Rio Grande do Sul?
Luís Gustavo Cardoso e Manuel Haimovici – É importante esclarecer que a pesca de arrasto impactada pela lei das 12 milhas, é desenvolvida em águas marinhas e tem como alvo espécies de camarão diferentes daquela pescada na safra na Lagoa dos Patos e em outras lagoas costeiras do sul do Brasil. O camarão pescado na Lagoa dos Patos é o camarão-rosa Farfantepenaeus paulensis da Lagoa dos Patos e os camarões pescado pelos barcos de arrasto (tangoneiros) no mar são o camarão-ferrinho Artemesia longinaris e o camarão-santana Pleoticus muelleri.
Camarão Farfantepenaeus paulensis da Lagoa dos Patos | Imagem: FAO
Camarão-ferrinho Artemesia longinaris | Imagem: acervo Luis Gustavo Cardoso
Camarão-santana Pleoticus muelleri | Imagem: acervo Luis Gustavo Cardoso
IHU On-Line – Como é desenvolvida a pesca marinha de camarão no sul do Brasil? Em que medida esses pescadores aliam preservação ambiental com sua atividade econômica?
Luís Gustavo Cardoso e Manuel Haimovici – Esta pescaria é desenvolvida pelos chamados “tangoneiros”, embarcações motorizadas que tracionam duas redes, uma de cada lado do barco. As redes são confeccionadas por com uma malha muito pequena para que o camarão não possa escapar enquanto a rede é puxada pela embarcação. As redes são puxadas entre 4 e 6 horas (num chamado “lance de pesca”) e após este período a captura acumulada no saco da rede é solta no convés da embarcação. Os pescadores separam os camarões e peixes com valor comercial e descartam o restante no mar.
Ao não utilizar dispositivos que reduzam a captura de peixes pequenos e de espécies da megafauna marinha como tartarugas e elasmobrânquios, pensamos que esta pescaria não alia cuidados ambientais à sua atividade.
IHU On-Line – No que consiste a ideia de pesca sustentável? Quais os maiores desafios para incorporação desse modo de pesca no Brasil como um todo?
Luís Gustavo Cardoso e Manuel Haimovici – De maneira simplificada, a ideia de pesca sustentável consiste na exploração de um recurso pesqueiro de forma que não sejam comprometidas espécies não alvo da pesca (de aves, tartarugas, mamíferos marinhos, tubarões e raias), o ambiente em que estes organismos vivem e a produtividade futura do estoque explorado. Consiste em pescar de forma que a abundância do recurso explorado não diminuía a níveis críticos que levem a pescaria ao colapso.
Uma pescaria sustentável exige um sistema de gestão dos recursos pesqueiros que envolva pesquisa, monitoramento das populações afetadas e exploradas pela pesca, avaliação do estado de exploração dos estoques, e regras efetivas de controle de esforço ou de captura. Para isso são necessárias instituições fortalecidas e comprometidas com a gestão pesqueira. O Brasil possui conhecimento suficiente para gerenciar bem suas pescarias, a ciência faz sua parte, faltaria a parte do Estado brasileiro de fortalecer as instituições.
IHU On-Line – Estudos tem alertado para o impacto da emergência climática nos oceanos. Como os senhores têm percebido essas mudanças e suas consequências na região onde desenvolvem seus estudos?
Luís Gustavo Cardoso e Manuel Haimovici – Aqui no sul do Brasil temos percebido o aumento das temperaturas de superfície do mar ao longo das décadas. Os efeitos nos recursos pesqueiros ainda são incertos, mas temos alguns indícios de que recursos que estavam presentes em grandes quantidades somente em áreas mais ao norte do RS, como a sardinha e o atum albacorinha, já estão sendo capturados pela pesca industrial na costa do RS.
Ainda não temos indícios de diminuição de abundância de recursos devido ao deslocamento para o sul, mas é algo que se espera que aconteça. Na verdade, ainda estamos tentando entender impactos das mudanças climáticas nos recursos pesqueiros locais.
IHU On-Line – Desejam acrescentar algo?
Luís Gustavo Cardoso e Manuel Haimovici – Os trabalhos que subsidiaram a aprovação da Lei 15.223/2018 e outros trabalhos publicados podem ser acessados no site do nosso Laboratório, neste endereço, no link Produção.