Os administradores do aplicativo WhatsApp estimam que o número de usuários no Brasil passe de 120 milhões. Na campanha eleitoral de 2018, a ferramenta assumiu um protagonismo que a guindou ao centro do debate tanto sobre disseminação de notícias falsas como no engajamento político. Para Osmar Lazarini, que trabalha com marketing digital, a experiência de 2018 serviu também para revelar como ainda se conhece pouco a cartilha do WhatsApp. Enquanto as mensagens entram em circuitos rizomáticos de circulação, órgãos e instituições parecem não compreender suas lógicas. Para ele, o que marcou a campanha de 2018 foi “o excesso de memes e santinhos ao invés de conteúdo de interesse público. E, também, a má formatação das regras do TSE com relação à internet, além da guerrilha digital espontânea, especialmente no WhatsApp”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Lazarini indica que esse desconhecimento se revela pela inabilidade de regular o uso do aplicativo dentro da legislação eleitoral. “As próprias instituições não estão preparadas para legislar sobre o assunto”, aponta. E acrescenta: “legislam, mas não têm condições de controlar, fica valendo a ética de cada candidato e, mesmo assim, sem controle”. Mas não são só essas instâncias que revelam sua inabilidade, o mesmo ocorre no campo do marketing político. “O atraso brasileiro no uso digital é maior no marketing político do que no marketing digital convencional. Há uma insistência em que a campanha convencional seja transposta para o ambiente digital”, observa.
Avaliando as estratégias das campanhas à presidência nesse mundo das redes digitais, conclui que desde o começo Jair Bolsonaro demonstrou uma apropriação mais eficaz dessas ferramentas. “Se você observar a movimentação digital de Bolsonaro vai notar que foi muito melhor fundamentada do que qualquer outra candidatura. Nunca o ‘falem mal mas falem de mim’ funcionou tanto”, avalia. Entretanto, Lazarini ainda acredita que é preciso trabalhar pelo conteúdo da propaganda nas redes, rompendo com brigas polares. “É preciso destacar que a grande estrela do marketing digital é o conteúdo de qualidade e isso, mais cedo ou mais tarde, vai alcançar o marketing político digital que ainda opera o sistema de guerrilha digital e viralizações”, observa.
Osmar Lazarini (Foto: Agência Trampo)
Osmar Lazarini é arquiteto de soluções, formado em computação e com 22 anos de atuação na área de internet, tendo passagens longas em empresas como HP e Editora Abril. É especializado em estratégias, audiência e alcance; atualmente dirige a Agência Trampo, especializada em Marketing Digital.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como as redes sociais, em especial o WhatsApp, reconfiguram as campanhas eleitorais?
Osmar Lazarini – Não nos resumamos às redes sociais e ao WhatsApp, estes são canais de veiculação. As campanhas eleitorais têm a internet como um todo, influenciando os resultados.
O grande ponto a ser discutido é o conteúdo e a forma. Nada acontece sem os textos, sem os memes, sem os vídeos e principalmente sem o crime eleitoral – que é a distribuição ilegal em massa. O problema é que o crime e o disparo legal caminham juntos e ser controlado é quase impossível.
Para ampliar a discussão das campanhas digitais é preciso levar em conta a questão da velocidade das mudanças no âmbito digital. O WhatsApp é um fenômeno recente, a massificação de mensagens é mais recente ainda e não podemos garantir que a prática sobreviverá às alterações tecnológicas. Ou seja, diferente do marketing político convencional onde os santinhos e outdoors já duram 40 décadas.
O acompanhamento contínuo e o uso racional das múltiplas plataformas é o que determina o sucesso de uma campanha. Tomando como base a observação do que acontece no exterior, as campanhas digitais tendem a estar cada vez mais presentes, mas uma parte do marketing político ortodoxo sobreviverá. Assim como nas outras mídias: a TV não matou o rádio, o e-book não mata o livro, coexistem.
IHU On-Line – Por que o WhatsApp assumiu centralidade nessa campanha, superando até mesmo os usos de Facebook e Twitter?
Osmar Lazarini – O WhatsApp é a comunicação constante, os grupos familiares, a turma de faculdade, os grupos de amigos próximos. Funcionaram como a mesa de bar, a festa familiar, onde os assuntos são propostos, debatidos e aceitos. Assim os consensos são firmados. Participando de grupos enormes e de padrões intelectuais distintos, era possível detectar facilmente a liderança do pensamento de direita, apenas pelo esgotamento ético da esquerda. Não havia as tão difundidas discussões fascistas.
O Facebook e o Google são os veículos digitais que foram oficializados pelo Tribunal Superior Eleitoral - TSE para que o conteúdo propositivo chegasse às pessoas. O problema foi um tanto de retardo do marketing político no Brasil em relação a outros países, houve um excesso de tentativa de transpor a campanha tradicional off-line para o universo digital. Não funciona bem. O Twitter é uma língua morta no Brasil, serve à disseminação de links e posições oficiais de veículos, artistas e candidatos, mas não move votos.
O que precisa ser assimilado é que uma boa companha de marketing político obedece muito mais aos preceitos do marketing empresarial do que à publicidade. Uma campanha de marketing político digital precisa de construção de imagem, aderência e conversão. O excessivo atraso das convenções partidárias, a burocracia sobre a liberação do fundo eleitoral (que acabou sendo dragado por parlamentares em exercício de mandato) deixaram pouco tempo hábil para que os pilares do marketing digital fossem estabelecidos.
Se você observar a movimentação digital de Bolsonaro vai notar que foi muito melhor fundamentada do que qualquer outra candidatura. Nunca o "falem mal mas falem de mim" funcionou tanto. Estavam promovendo a aderência do nome, já que a construção de imagem de polemista já havia sido construída, testada e aprovada.
IHU On-Line – Desde a eleição de Barack Obama, nos Estados Unidos, analisa-se o impacto da internet nas campanhas eleitorais. Mas, na eleição de Donald Trump, os usos dessa tecnologia assumem outras lógicas. Como analisa as mudanças entre uma e outra realidade? E que conexões podemos fazer com o cenário brasileiro?
Osmar Lazarini – Sempre haverá mudança entre uma eleição e outra pelo simples fato de que o ciclo evolutivo das técnicas é mais rápido do que quatro anos. Nós acompanhamos o marketing político desde a eleição de Obama também. Foi um marco estético por lá. Por aqui, mal respingou e, ainda assim, assistimos o quão superior foi a campanha digital de Dilma Rousseff em relação aos demais candidatos. Nesta o equilíbrio foi maior, mais gente sabendo usar a ferramenta.
Também observamos um uso racional mais bem elaborado com a campanha de Bolsonaro, que optou por conteúdo semiamador, aproximando muito mais da linguagem corrente da internet de selfies e vídeos precários. O atraso brasileiro no uso digital é maior no marketing político do que no marketing digital convencional. Há uma insistência em que a campanha convencional seja transposta para o ambiente digital.
IHU On-Line – Nesta campanha de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral - TSE deixou claro que o envio de mensagens para milhares de usuários ao mesmo tempo é proibido. Mas, ainda assim, essa foi uma das principais ferramentas das campanhas. Como compreender isso? As estratégias das coordenações de campanha conseguiram driblar a legislação?
Osmar Lazarini – O que o TSE proibiu foi a compra de endereços em massa para o envio. Proibiu, mas não especificou como fiscalizaria e não fiscalizou. O WhatsApp, por exemplo, é criptografado ponto a ponto, não rastreia mensagens e não oferece mecanismos legais para que seja verificado o envio de uma mesma mensagem em algum sistema massivo. Ou seja, as próprias instituições não estão preparadas para legislar sobre o assunto.
Foi permitido o impulsionamento de mensagens no Facebook e Google até mesmo durante a campanha, o que não ocorria antes. No entanto, a maioria esmagadora dos candidatos só começou um trabalho digital efetivo tardiamente. A eficiência digital poderia ser muito maior.
IHU On-Line – Que relações podemos estabelecer entre as restrições para financiamentos de campanhas e o uso massivo de redes sociais na campanha de 2018?
Osmar Lazarini – Ainda falta chão para a legislação daqui, muito incipiente. Por exemplo, é possível a doação via pessoa física, mas era crime eleitoral uma pessoa física impulsionar um conteúdo. O conteúdo poderia ser impulsionado apenas por uma fanpage de político oficialmente verificado. Entretanto, quem trabalhou estritamente dentro da lei acabou sendo prejudicado pelos atrasos nas verificações.
IHU On-Line – E o WhatsApp?
Osmar Lazarini – Havia a proibição vaga e mal especificada. Ou seja, com baixo investimento seja de pessoa física ou jurídica era possível disparar qualquer mensagem de cunho político no WhatsApp para milhares (ou milhões de pessoas).
A maioria das empresas de disparo em massa vendia bases como “opt-ins válidos”, números que o usuário autorizou para o recebimento de mensagens. Resumindo: legislam, mas não têm condições de controlar, fica valendo a ética de cada candidato e, mesmo assim, sem controle. Qualquer pessoa pode contratar um serviço de envio em massa e qualquer pessoa pode montar o próprio sistema de envio em massa. Há softwares que permitem que a pessoa se inscreva em centenas de grupos ao mesmo tempo e dissemine conteúdo. Há centenas de opções de ferramentas e empresas.
IHU On-Line – O que mais lhe chamou atenção nas estratégias adotadas nessas campanhas eleitorais de 2018?
Osmar Lazarini – O excesso de memes e santinhos ao invés de conteúdo de interesse público. E, também, a má formatação das regras do TSE com relação à internet, além da guerrilha digital espontânea, especialmente no WhatsApp.
IHU On-Line – Como analisa as estratégias adotadas por Jair Bolsonaro e Fernando Haddad na campanha de 2018, especialmente no segundo turno?
Osmar Lazarini – A estratégia de Fernando Haddad de colar sua imagem em Lula nos estados onde Lula ainda goza de densa popularidade foi acertada e muito bem feita, inclusive no âmbito digital. O mesmo não se pode dizer dos estados onde a classe média influencia muito. Espalhar a culpa fascista foi uma decisão equivocadíssima. Idem em espalhar o conteúdo pejorativo de Jair Bolsonaro. Na internet, com o pouco tempo de campanha, só sobraram dois passos: aderência e conversão. E a aderência, tanto boa quanto má, tem o mesmo efeito sobre a maioria da população. Fica apenas a aderência e daí para a conversão é um pequeno passo.
Do lado de Bolsonaro, arriscou-se em não flertar com a mídia de massa tradicional, o fato de não ir a debates, evitar os grandes veículos. Do ponto de vista digital, gozou de amplo apoio espontâneo, tanto quanto Haddad, mas quando acusava, acusava os políticos e não o cidadão comum. A chance de conversão nesse caso era muito maior, resguardou-se e se limitou a pôr o dedo na ferida petista.
IHU On-Line – Do ponto de vista do marketing, o WhatsApp é a ferramenta mais potente de nosso tempo?
Osmar Lazarini – Não podemos afirmar isso. Apenas podemos afirmar que o WhatsApp é a ferramenta mais aberta ao crime eleitoral. O Facebook, o Youtube e o Google ainda são extremamente influentes, sobretudo sobre os mais jovens.
IHU On-Line – Por quê?
Osmar Lazarini – No marketing convencional, as mensagens publicitárias ainda têm altas taxas de abertura e grande rejeição. As pessoas ainda consideram o smartphone o seu templo sagrado onde só se pode acessar quem e o que eles querem.
IHU On-Line – E quais os desafios para compreender suas lógicas?
Osmar Lazarini – O grande desafio é compreender a dinâmica dos grupos e o engajamento. O que leva as pessoas a tomarem partido e fazer campanhas espontaneamente? O que deveria ser as propostas, o conteúdo do candidato, ainda é a raiva do lado oposto. Tanto esquerda quanto direita são movidas por uma bronca de serem desafiadas e provocadas. Isso é trágico para o resultado e para o país.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Osmar Lazarini – Sim. É preciso destacar que a grande estrela do marketing digital é o conteúdo de qualidade e isso, mais cedo ou mais tarde, vai alcançar o marketing político digital que ainda opera o sistema de guerrilha digital e viralizações, amplamente usados pela guerrilha digital do PT nos governos, especialmente Dilma. Também desejo acrescentar que a Agência Trampo se orgulha de apenas trabalhar estritamente dentro da lei, sem cometer nenhum crime eleitoral. É uma pena que isso pese mais contra do que a nosso favor, comercialmente falando. Por fim, é preciso acrescentar que essa foi uma eleição de aprendizado de lições pelos políticos, tanto é que a procura para campanhas longas para eleição de vereador já começou.